Introdução

 

Desde dezembro de 2019, conforme comentamos em nosso canal no Youtube, o ativismo trans acusa a escritora JK Rowling de “transfobia”. Em junho deste ano, a polêmica esquentou quando Rowling reiterou a importância da materialidade dos corpos e publicou em seu site um texto (que foi traduzido em português) contendo suas razões para se posicionar acerca de um tema tão delicado. Nós reiteramos nosso apoio à autora de Harry Potter, repudiamos a cobertura tendenciosa da mídia brasileira e internacional e destacamos o trecho do texto em que a autora alerta que um de seus motivos foi a escalada de jovens, sobretudo meninas, que buscam modificações corporais para seus corpos saudáveis:

JK Rowling tem bons motivos para fazer este alerta. Dia após dia, surgem evidências de que basta que crianças e adolescentes estejam fora do padrão e informem seu desejo de ser do sexo oposto para serem rotuladas como “trans” – e nem mesmo crianças de 5 anos estão a salvo no Brasil: neste vídeo, uma mãe residente em Fortaleza que está sendo orientada por ativistas declara ter um “filho trans” por conta de atitudes normais como a preferência por itens de vestuário culturalmente associados a meninos. Também nesta reportagem da UOL o “sinal” de que uma garota seria “um menino trans” foi, novamente, gostar de supostas “coisas de menino”:

Qual o problema de garotas preferirem outras cores em vez de rosa, bermudas em vez de vestidos e gostar de calçados confortáveis que a ajudem a brincar, correr e praticar esportes? Se todas as meninas precisam se comportar, pensar, vestir e sentir exatamente igual, estes militantes não estão realmente lutando pela “diversidade”! A quem interessa que garotas sejam condicionadas a se identificarem como garotos em vez de serem simplesmente autorizadas a se vestirem como preferem e protegida de eventual bullying na escola? A resposta vem logo adiante, na mesma matéria da UOL:

A identificação de crianças e adultos como “trans” beneficia os laboratórios que comercializam hormônios e os profissionais, ativistas e organizações LGBT ligados financeiramente e ou politicamente à lucrativa ideia de “corpos errados”. Repare que a grande mídia ignorou solenemente que em junho deste ano o National Health System, o “SUS” do Reino Unido, alterou seu entendimento acerca de hormônios bloqueadores de puberdade. Antes, o NHS garantia que estas substâncias seriam “seguras e totalmente reversíveis”, expressão repetida no Brasil e no mundo por aqueles que defendem seu uso em casos de “incongruência de gênero”. A redação atual admite contudo que “pouco se sabe acerca dos efeitos a longo prazo de hormônios ou bloqueadores de puberdade em crianças com disforia de gênero“, “não se sabe quais poderão ser os efeitos psicológicos” e, finalmente, que “também não se sabe se os bloqueadores hormonais afetam o desenvolvimento do cérebro dos adolescentes ou os ossos das crianças. Efeitos colaterais podem incluir ondas de calor, fadiga e alterações de humor“. Os bloqueadores de puberdade são aplicados em menores de idade no Brasil diagnosticados com “incongruência de gênero” com base em um parecer do Conselho Federal de Medicina desde 2013.

As redes sociais tornam praticamente impossível que mães e pais tenham acesso a informação de qualidade e que não inclua mudanças corporais em menores de idade: pelo contrário: é justamente as práticas que machucam os corpos de meninos e meninas que são incentivadas. Em meio a uma pandemia causada por um vírus que causa dificuldades respiratórias, um perfil no Twitter com mais de oito mil seguidores celebra a entrega de binders, faixas apertadíssimas que comprimem seios, tórax e pulmões. Ironicamente, dificultar a respiração de adolescentes é celebrado como “um respiro em meio ao caos“:

Dificilmente você verá um depoimento como o que se segue na mídia (se você viu nosso vídeo sobre a luta de um pai canadense deve se lembrar que os poucos veículos que ousaram entrevistar Robert Hoogland foram obrigados a tirar os programas do ar por ordem da Justiça). Convido vocês a lerem este texto e se perguntar, com honestidade, qual dos lados está realmente empenhado na saúde física e mental de crianças e jovens.

Atos de amor

 

Era uma manhã quente de verão. Eu tinha nove ou dez anos e estava montando minha pônei da casa da fazenda em direção ao celeiro onde meu pai estava trabalhando. Era a primeira vez que eu cavalgava desde que uma série de quedas fortes me fizeram perder a coragem, mas eu adorava cavalgar e estava determinada a voltar a montar.

Até agora, as coisas estavam indo bem. A estrada de cascalho entre nossa casa e o celeiro tinha cerca de 1,6 km de comprimento e eu estava na metade do caminho. Minha égua pequenina e geralmente mal-humorada estava sendo perfeitamente dócil, mas eu estava me aproximando da casa de um vizinho bem peculiar que mantinha uma variedade de animais – burros, zebras, búfalos e um bando de cães que latiam a cada carro que passava. Eu estava principalmente preocupada com os cães e como minha pônei lidaria com os latidos – às vezes a deixavam nervosa, mas não havia nenhum cão à vista enquanto eu passava pela casa.

Eu pensava que estava longe da casa até ouvir uma comoção do pomar em frente à casa do vizinho. Olhei em volta e vi um cavalo de tração gigante atravessar uma cerca de arame em ruínas e galopar em minha direção, relinchando e grunhindo no que mais tarde entendi como luxúria equina. Em um instante, ele estava ao nosso lado, erguendo e agitando seus grandes cascos peludos no ar perto do meu rosto. Eu pensei que era o meu fim e da minha pônei.

De repente, ouvi a voz da minha mãe. Olhei em volta e a encontrei correndo em nossa direção, gritando e arremessando cascalho no grande cavalo. Ela o distraiu apenas o tempo suficiente para eu descer. Minha pônei correu para a segurança de algumas árvores baixas e o vizinho saiu correndo de casa para capturar seu enorme cavalo.

Enquanto eu estava ali, com as pernas bambas da minha experiência de quase morte, vi o carro de minha mãe estacionado alguns metros adiante, a porta do motorista ainda aberta, e eu entendi o que tinha acontecido. Ela estava preocupada comigo, então me seguiu à distância, apenas para ter certeza de que correu tudo bem.

Ultimamente, tenho pensado muito nessa história. Foi há cerca de quatro anos que minha filha me disse pela primeira vez que pensava ser trans. Acredito que a história dela é um exemplo clássico de contágio social, já que ela nunca manifestou desconforto com o corpo e sexo até ter as contas do Tumblr e do DeviantArt e começar a passar bastante tempo no celular. Desde então, sinto-me um pouco como minha mãe, parada no meio da estrada, atirando cascalho, tentando proteger minha filha de uma ideologia que buscou convencê-la de que ela nasceu no corpo errado

Eu tenho sorte. Ao contrário de alguns de meus amigos com filhos que se convenceram de que eram trans, sinto-me razoavelmente confiante de que minha filha não fará a transição médica. Ela desistiu de uma transição social há mais de um ano e me disse recentemente que não se identifica mais como trans. No entanto, ela ainda tem muitos amigos na comunidade queer, e eu sei que não estamos fora de perigo. Quando completar 18 anos em alguns meses, ela poderá exercer seu direito enquanto legalmente adulta legal de iniciar a transição médica, e não haverá nada que eu possa fazer para dissuadi-la. Isso me preocupa muito. Então, até por uma questão de autopreservação, eu me pergunto: e se ela fizer a transição? Como vou lidar?

A resposta curta é que não sei, mas certamente não a rejeitarei ou pedirei que saia de casa. De fato, de todos os muitos pais críticos de gênero que conheço e que têm filhos que se identificam como trans, não conheço absolutamente ninguém que tenha repudiado seu filho ou expulso da casa. Tenho certeza de que isso deve acontecer, mas não conheço nenhum. É claro que todos os pais dizem coisas das quais se arrependem – especialmente durante as discussões altamente acirradas com adolescentes que exigem intervenções médicas imediatas. Em uma dessas brigas, uma das minhas melhores amigas até disse à filha que na época se identificava como trans para ir embora de casa, mas ela imediatamente se arrependeu, retrocedeu, pediu desculpas e pediu à filha para ficar (o que ela fez). Também conheço pelo menos três mães que perderam contato com seus filhos trans-identificados, mas nesses casos, os próprios filhos romperam o relacionamento, não os pais. Na verdade, as mães continuam tentando se reconectar com seus filhos, apesar de serem repetidamente rejeitadas.

Embora eu saiba que não abandonarei ou rejeitarei minha filha, também sei que não vou aceitar sua decisão de fazer a transição. Na verdade, não é que eu estou decidindo não aceitar; eu simplesmente não consigo me obrigar a fazê-lo. Seria desonesto eu chamá-la de meu filho quando não acredito que ela seja do sexo masculino. Além disso, não acho útil permitir que minha filha dite como defino palavras como “homem” e “mulher”. Isso significa que eu amo minha filha menos do que as mães que “afirmam” [o novo gênero] dos filhos?

Como não posso estar na mente de nenhuma dessas outras mães, acho que nunca vou saber. Mas sei que meu amor pela minha filha é tão profundo e forte que a idéia de que ela foi enganada para que acredite que seu corpo está errado me deprime infinitamente. Estou furiosa – amargamente, amargamente furiosa que essa ideologia tenha levado quase quatro anos de sua vida até agora e só Deus saiba quantos anos mais pode levar.

Talvez a razão pela qual alguns pais confirmem as alegações de transgenderismo de seus filhos e outros pais as questionem esteja nas próprias experiências de puberdade dos pais. Quando minha filha ficou com vergonha de comprar sutiãs aos 13 anos, não fiquei surpresa porque me lembrei daquele sentimento vividamente. Eu odiei fazer isso. Eu odiava saber que as pessoas podiam ver meus seios em desenvolvimento e o contorno das alças do sutiã embaixo da minha camiseta. Eu odiava especialmente os sutiãs muito femininos – aqueles com muitas rendas e pequenos laços cor de rosa onde as taças se juntavam no meio. Eles me faziam sentir vulnerável, exposta e infeliz. Eu também sei que superei – na maioria das vezes, de qualquer forma.

Os ativistas trans afirmam que o número de pessoas trans-identificadas aumentou tão rapidamente não porque haja mais pessoas trans hoje do que no passado, mas porque a sociedade se tornou mais receptiva e eles não têm mais medo de aparecer. Mas, se esse fosse o caso, por que o maior aumento está acontecendo na população de adolescentes do sexo feminino? Por que não há mulheres de meia-idade como eu na fila por hormônios agora que poderíamos nos assumir? Para mim, a resposta é clara. Mulheres como eu tiveram a chance de entrar em acordo com nossos corpos e nos aceitar como somos. Minha filha não teve essa chance porque uma ideologia insidiosa estava esperando nos bastidores para convencê-la de que seus sentimentos sobre seu corpo significavam que ele estava errado.

Mas talvez as mães que afirmam prontamente o autodiagnóstico de transexualidade feito por filhos não tiveram essa experiência na puberdade. Talvez elas tenham tido a sorte de velejar tranqüila e alegremente da infância à puberdade, inequivocamente satisfeitas em ver seus corpos passarem de criança para mulher – então, quando seus filhos expressaram infelicidade por seus corpos em desenvolvimento, elas ficaram genuinamente intrigadas e só podiam concordar que seus filhos realmente nasceram no corpo errado.

Qualquer que seja o motivo da diferença entre esses pais e eu, eu me ressinto com o fato de que a grande mídia contará suas histórias, mas não contarão a minha. Fico ressentida pelo fato de minha filha olhar para esses pais e desejar que eu seja como eles – porque eu nunca poderia ser.

Se minha filha finalmente decidir tomar hormônios ou se submeter a uma cirurgia para fazer a
transição médica, a única maneira de eu apoiar isso totalmente é se eu tiver evidências científicas claras de que ela tem uma condição que exige um tratamento tão invasivo. Se houvesse um exame médico definitivo – uma varredura cerebral, por exemplo – que provasse que o sofrimento de minha filha surgiu de uma incongruência entre o cérebro dela e o resto do corpo que só poderia ser aliviada pela transição, acho que poderia aceitar. Mas não existe esse teste, porque os cérebros dos individuos não se dividem ordenadamente nas categorias rosa e azul. As características dos cérebros sexualmente dismórficos estão sujeitas a médias, assim como outras características físicas. Em geral, os homens são mais altos que as mulheres, mas se você traçar sua altura em uma curva de sino, verá muita sobreposição entre os sexos. Você também verá discrepâncias nas “caudas” da curva do sino – mulheres de 1m94 de altura e homens de 1m55. Isso também ocorre com traços psicológicos e neurológicos. Além disso, os ativistas trans justificam suas alegações de que nasceram no corpo errado apontando para alguns estudos que indicam que os cérebros de pessoas trans-identificadas são mais semelhantes em alguns aspectos ao sexo oposto do que o sexo de nascimento. Mas esses estudos não controlam muitos fatores, incluindo a orientação sexual, e já sabemos que pessoas atraídas pelo mesmo sexo têm algumas características cerebrais mais semelhantes ao sexo oposto.

Sem ferramentas para prever com segurança quem se beneficiará da transição, simplesmente não posso apoiar intervenções médicas para jovens cujos cérebros ainda não amadureceram (geralmente se entende que isso acontece por volta dos 25 anos). Quero desesperadamente que minha filha aceite seu corpo e evite as mudanças irreversíveis e os muitos riscos à saúde inerentes à transição médica. Mas em breve ela terá 18 anos e terá o poder de fazer a transição independente do que eu queira – mesmo que ela esteja a pelo menos sete anos da maturidade cérebro. Há uma chance real de que ela possa. Isso seria o fim do mundo?

Não, eu sei que não. Por mais preocupada que esteja com esse resultado e por mais determinada a evitá-lo que eu tenha sido nesses quatro anos, preciso me lembrar de que a transição dela não seria a pior coisa que poderia acontecer. Além disso, ainda seria capaz de manter a esperança de que ela seja destruída antes que os hormônios possam causar muitos danos à sua saúde a longo prazo. Parece que todo dia eu leio sobre uma nova destransição. Mais e mais jovens estão dizendo que basta. Eles estão recuperando seus corpos e suas vidas, e eu acho suas histórias inspiradoras.

Há alguns dias, assisti a um vídeo em que quatro jovens mulheres, que antes se identificavam como trans, respondem perguntas sobre suas experiências e compartilham suas idéias. O vídeo delas me deu esperança por alguns motivos. Primeiro, elas reconhecem o papel que o contágio social desempenha no enorme aumento de adolescentes (especialmente meninas) que estão se identificando como trans atualmente. É preciso muita coragem para falar e compartilhar histórias que contradizem o entendimento popular de por quê as pessoas fazem a transição. Essas histórias não apenas desafiam a narrativa de por que as pessoas fazem a transição; elas também mostram que, para muitos jovens, a transição não melhora suas vidas.

Mas outro motivo pelo qual o vídeo me deu esperança é que eu posso ver que essas garotas estão bem. Na verdade, eles estão melhores do que bem. Eles são fortes e inteligentes, e estão vivendo com um propósito e um senso de futuro. Elas me lembraram que a transição – mesmo a transição médica – não é o fim do mundo. Três das meninas usavam hormônios por mais de um ano. Suas vozes mudaram, mas estão saudáveis ​​e bem, e isso é uma coisa bonita.

Os destransicionados têm dado esperança a mim e a outros pais por muitos anos, mas às vezes o relacionamento entre os grupos é difícil. Alguns destransicionados, compreensivelmente, se ressentiram de os pais às vezes tentarem usar suas histórias como contos de advertência para alertar seus filhos sobre os perigos da transição médica. Grande parte do problema é a linguagem que as pessoas às vezes usam ao falar sobre transição médica. Por exemplo, referir-se aos corpos dos destransicionados como “mutilados”, suas vozes como “danificadas” ou suas histórias como “de partir o coração” não tem ajudado.

Uma das mensagens mais poderosas e positivas do movimento crítico de gênero é que ninguém nasce no corpo errado.

 

Pais críticos de gênero como eu estão constantemente tentando incentivar nossos filhos a aceitarem seus corpos exatamente como são. No entanto, acredito que precisamos estender a mesma aceitação a todos os corpos – mesmo os corpos após a transição. Para se sentir bem consigo mesmo e com suas vidas, todas as pessoas precisam se aceitar física e mentalmente, e palavras como “mutiladas” não as ajudam a fazer isso.

Online, as interações entre destransicionados e pais também têm sido um pouco difíceis vez ou outra porque os pais às vezes ultrapassam os limites de que os destransicionados precisam para serem saudáveis. Os pais costumam pedir ajuda aos destransicionados para ajudar em suas situações pessoais – para buscar conselhos e orientação. Mas a maioria dos destransicionados que falam publicamente são bem jovens; eles não têm filhos e não são especialistas em pais, nem é justo colocar neles a responsabilidade de nos ajudar. Eles estão lidando com seus próprios problemas, geralmente estão mais concentrados em ajudar um ao outro e não entendem (e não podem ser cobrados para entender) a situação e as lutas dos pais. Além disso, muitos escreveram ou escrevem vlogs sobre seus próprios relacionamentos, muitas vezes preocupantes, com seus próprios pais, assim, quando outros pais os procuram, eles podem sentir um “gatilho” por se lembrarem de seus próprios relacionamentos familiares. Esses jovens ainda estão amadurecendo e processando o que sua transição e destransição significam para eles. Eles precisam de tempo e espaço para poder fazer isso, e apelos desesperados por ajuda de pais que nunca viram, para jovens que não conhecem, podem interferir nesse processo.

Além disso, os destransicionados não são um grupo homogêneo. Nem todo mundo que destransiciona se arrepende da transição. Decidir que a transição não é adequada para você e lamentar a transição não são necessariamente a mesma coisa. Os destransicionados que não se arrependem de sua transição naturalmente se ressentem quando as pessoas usam suas histórias para criticar a transição médica.

Ao mesmo tempo, aqueles destransicionados que estão dispostos a falar sobre os danos da transição e o poder de se identificar novamente com o sexo de nascença podem ser aliados poderosos na luta para aumentar a conscientização sobre como é ultrapassada a ideologia de gênero e os danos que ela pode fazer a mais jovens – independente de estarmos tentando aumentar essa conscientização na sociedade em geral ou apenas em nossas próprias casas. Espero que minha filha escute as histórias de alguns desses destransicionados e decida tentar primeiro outras estratégias para se sentir confortável em seu corpo natural.

Se, no entanto, ela fizer a transição, espero que ela seja honesta consigo mesma e aceite que nunca poderá ser um homem – por mais que possa parecer um. Eu sigo várias mulheres trans críticas de gênero no Twitter. Embora tenham procurado intervenção médica por razões paliativas, reconhecem que são homens e apóiam as proteções baseadas no sexo biológico para mulheres. Elas não exigem que o mundo repita o mantra de que mulheres trans são mulheres. Eles têm uma visão mais saudável do mundo e um senso de identidade mais saudável porque não estão tentando mudar a percepção de ninguém da realidade material (como o que é um homem e o que é uma mulher). Agradeço a coragem que elas estão mostrando. Sua postura como críticas de gênero as afastou do apoio da maior parte comunidade trans, que as considera hereges e traidoras. E registre-se que elas não são universalmente aceitas entre mulheres que são críticas de gênero; algumas as consideram com ressalvas.

É claro que minha filha talvez nunca reconheça a canoa furada em que a estão tentando colocar. Ela pode fazer a transição, permanecer em transição e permanecer comprometida com uma ideologia que considero atrasada. Se for esse o caso, será a tarefa da minha vida amá-la e apoiá-la, apesar de todas essas coisas. Mas isso não significa que eu abandonarei meu próprio senso de realidade, porque isso seria inautêntico e os pais não devem subordinar sua própria autenticidade à exigência de seus filhos.

O que posso fazer é cuidar dela, ajudá-la financeiramente a alcançar objetivos não relacionados à transição, cozinhar suas comidas favoritas, segurar a mão dela quando estiver se sentindo abatida. Posso até me esforçar para evitar pronomes para não provocá-la ou chateá-la, mas simplesmente não consigo expressar crenças que não tenho. Nosso relacionamento precisa ser baseado no respeito mútuo. Eu devo respeitar sua autonomia, mas ela também deve respeitar a minha.

Além disso, quero que minha filha entenda que não há problema em outras pessoas (até mesmo os pais dela!) discordarem dela e terem opiniões diferentes; isso não significa que não a amamos. Longe disso. Quero que minha filha seja forte e resiliente o suficiente para enfrentar a realidade de que a vida será cheia de outras pessoas que discordam dela por várias razões. Prefiro que ela aprenda a resiliência do que a fragilidade que é desencadeada sempre que ela encontra discordância ou desaprovação de outras pessoas.

Sinto um sentimento de solidariedade com as outras mães críticas de gênero que conheci aqui na 4thWaveNow, no Twitter e na vida real porque viram o que vi – que essa ideologia tornou nossos filhos menos resilientes, os alienou de suas famílias, de seus antigos amigos e, pior de tudo, de seus próprios corpos. Muitos de nós já assistimos nossos filhos passarem de crianças bem ajustadas a adolescentes preocupados com o mundo on-line, sentindo-se oprimidos e buscando transição médica.

Por nossos esforços para chamar a atenção para a natureza retrógrada dessa ideologia, fomos chamados de “intolerantes”, “transfóbicos” e até “nazistas”. Os chamados terapeutas de gênero fazem gaslighting conosco e fingem conhecer nossos filhos mais do que nós. E alguns jornalistas, cegos ao seu sexismo, nos julgaram (em um caso, como apenas um “bando de mães”), apesar da formação educacional avançada e das carreiras profissionais que muitas de nós temos, sem mencionar a volumosa pesquisa que fizemos para educar nós mesmas sobre esse assunto em particular.

E sim, cometemos erros. Certamente não somos perfeitos. Há tantas coisas que eu disse à minha filha que gostaria de desdizer ou pelo menos dizer de forma diferente. Houve várias vezes em que minha forte reação emocional às coisas que ela estava me dizendo criou uma barreira e interrompeu a comunicação entre nós. É claro que ela também disse coisas que me machucaram, mas como sua mãe e a adulta no relacionamento, eu certamente carrego uma parte maior do ônus de tentar consertar as coisas entre nós.

Não posso mudar o passado, é claro. O que está feito, está feito. Mas eu sei o seguinte: minha mãe morreu há mais de 20 anos, mas penso nela todos os dias. Ela estava longe de ser uma mãe perfeita, mas ela me amava ferozmente. O amor que ela me deu nos primeiros 30 anos da minha vida me sustenta até hoje. Entendo isso agora de uma maneira que não entendia completamente quando era mais jovem.

Não sei o que o futuro reserva para a minha filha. Minha fervorosa esperança é que ela rejeite a ideia de que precisa mudar quem é, mas, se quiser ou não, espero que um dia ela olhe para trás e veja a minha resistência à sua transição como o ato de amor que é. Espero que sua sabedoria e a lembrança da intensidade do meu amor a sustentem, assim como a da minha mãe me sustenta.

(Texto de Inga Berenson postado originalmente aqui no site 4th Wave Now)