(Tradução do Artigo: “Eles parecem normais”: o caso dos bloqueadores de puberdade”, publicado aqui pelo ótimo blog Transgender Trend. O texto faz referência a “Butterfly”, uma série sobre um menino que “se identifica como menina”.)

O assunto primordial dramatizado no segundo episódio da série “Butterfly”, da ITV, foi a busca de pais por bloqueadores de puberdade em face de uma recomendação médica. Neste post, “SunMum” (1) observa o caso dos bloqueadores e examina a evidência para seu uso no tratamento de crianças com disforia de gênero.

“Eles parecem normais”

No primeiro episódio de “Butterfly”, vemos os pais de Max desesperados repetindo o que sabiam a respeito das prováveis consequências de sua disforia de gênero. O pai sabe que é improvável que a disforia de gênero persista depois da puberdade —ele descobriu online que

“Aparentemente somente um quarto das crianças que, como vocês chamam mesmo?, digamos, se expressam dessa forma, sabe, se sentem assim depois que atingem a puberdade. É o que dizem online, de qualquer forma. Muitos deles simplesmente desistem”.

O segundo episódio é dedicado à busca progressivamente desesperada da mãe atrás de intervenção [médica] física, na busca que culminará em alienação parental como resultado da tentativa dela de tirar a criança do país contra a vontade do pai. Essa busca frenética deriva do conselho da médica no primeiro episódio. Se Max ficar mais angustiado, ela diz a eles, ele poderá precisar de “bloqueadores de puberdade para retardar seu desenvolvimento como rapaz”.

Agonistas GnRH, ou bloqueadores de puberdade, geralmente são apresentados como uma intervenção livre de riscos que é “completamente reversível “: se a criança não quiser continuar o procedimento da transição sua administração pode ser interrompida, alega-se, e a puberdade reiniciará, ainda que tardiamente. O time holandês pioneiro neste tipo de intervenção enxergava esse tempo extra como

“uma fase estendida do diagnóstico na qual o desconforto produzido pela feminização ou masculinização física é significativamente reduzido”.

Se a criança quiser prosseguir, o uso dos bloqueadores significa que as características sexuais secundárias iniciadas pela puberdade (voz desafinada, gogó, pelos no rosto no caso dos meninos, desenvolvimento dos seios no caso das meninas) serão interrompidas e poucas intervenções cirúrgicas serão necessárias. Se Max transicionar, quando ficar adulto ele vai passar cosmeticamente enquanto mulher e não vai parecer trans. Uma intervenção onde só se tem a ganhar. Ou pelo menos esse era o argumento.

Mas há um argumento contra os bloqueadores de puberdade que está se tornando mais convincente conforme muitas lacunas do nosso conhecimento começam a serem preenchidas. Sabemos que esses bloqueadores aumentam significativamente a probabilidade de a criança continuar em tratamento médico. No mundo real, é a ‘sabedoria online’ a respeito da taxa de desistência que é a versão mais acertada: “a disforia de gênero das crianças persiste depois da puberdade em apenas 10 a 30% dos casos”. Conforme a equipe do GIDS (1) publicou em 2016 , essas taxas mudam quando existe o uso de bloqueadores de puberdade:

“A persistência [da disforia de gênero] é fortemente correlacionada ao início de intervenções físicas como o bloqueador hipotalâmico (t = 0,395, p = 0,007) e nenhum paciente dentro da amostra desistiu depois de começar o tratamento com o bloqueador hipotalâmico.

Neste estudo, cada um dos pacientes que fez uso dos bloqueadores continuou no tratamento, enquanto 90,3% dos que não usaram bloqueadores desistiram. Ou os médicos têm poderes de intuição semi-divinos ou o próprio bloqueador afeta fortemente o resultado para a criança. A droga não é a intervenção reversível neutra propagada por aí porque ela mantém os jovens em uma infância prolongada, separando-os de certos aspectos da realidade e isolando-os de seus grupos de afinidade.

E mesmo que Max continue com a transição, conforme Jazz Jennings descobriu, bloqueadores de puberdade tornarão a vaginoplastia uma cirurgia muito mais difícil porque o cirurgião só terá o material dos genitais de uma criança pré-púbere para tentar transformá-los em um simulacro de uma vagina adulta: “o subdesenvolvimento genital pode limitar o potencial de algumas opções reconstrutivas.” (Também é muito mais difícil remover a vagina de uma mulher que tomou bloqueadores de puberdade porque a pele destituída de estrogênio não responde bem a intervenções cirúrgicas.)

Uma criança a quem tenham sido administrados bloqueadores de puberdade e que continuar na transição necessariamente será infértil. Atualmente, há tentativas de oferecer a “preservação da fertilidade“, mas uma criança pré-púbere pode não ser capaz de ejacular. O sêmen deve ser coletado via eletroejaculação feita sob anestesia, a qualidade do sêmen tende a ser baixa e o eventual uso desse sêmen pode requerer o uso de uma barriga de aluguel (um corpo feminino alugado encubará o filho de uma mulher criada cirurgicamente).

Sabemos muito pouco a respeito da capacidade para o prazer sexual em alguém que nasceu homem e que passou por uma reconstrução genital depois de ter usado bloqueadores de puberdade. Mas sabemos com certeza que esses bloqueadores reduzem a libido: afinal eles também são usados para castrar estupradores quimicamente. O tratamento médico para violadores disponível no NHS inclui agonistas GnRH usados como “medicação inibidora de libido”. “Medicação inibidora de libido está associada a uma gama de efeitos colaterais”, avisam os guias médicos, “incluindo o risco de dano ao fígado, crescimento das mamas, ondas de calor, depressão e diminuição da densidade óssea”. Bloqueadores de puberdade colocam uma pessoa nascida mulher em uma “pseudomenopausa”.

Essa medicação causa uma perturbação massiva no corpo de uma criança. Se Max seguir com a transição (e a administração de bloqueadores de puberdade vai tornar esse resultado virtualmente certeiro), os bloqueadores vão melhorar sua aparência [ sic ] mas vão destruir sua fertilidade e funções sexuais. Pesando os dois lados, devemos decidir racionalmente que permitir que a criança passe pela sua puberdade natural independente de suas escolhas posteriores é a melhor opção.

Essa é a escolha que deve ser feita se você é um médico tentando pesar as escolhas éticas de beneficiência (fazer o melhor) e evitando a maleficência (não prejudicar o paciente). Mas vamos supor agora que você é o pai ou a mãe. Você se importa desesperadamente com seu filho e sabe do seu sofrimento. Se você não leu alguns dos textos de checagem de fatos que estão disponíveis no Transgender Trend ou no 4thwavenow, você pode ser levado a acreditar que as escolhas são entre transição e suicídio. Talvez também (e isso é um pouco mais difícil de admitir) você sinta alguma repulsa à ideia de que seu filho possa não ter passabilidade depois de adulto, que ele possa parecer “trans”.

Os bloqueadores de puberdade produzem adultos que têm passabilidade: “Eles são bonitos, parecem normais”, diz Norman Spack, o médico que tratou Jackie Green e introduziu o protocolo holandês de bloqueadores de puberdade nos EUA em 2007. A vida sexual futura do seu filho não é algo em que você realmente quer pensar a respeito (é seu filho, afinal) e infertilidade parece muito menos importante do que simplesmente mantê-lo vivo. Você ouviu dizer que os 80% de chance de desistência são estatísticas totalmente desacreditadas (spoiler: não são).

Em face dessa escolha difícil, qualquer pai poderia questionar o conselho do grupo do GIDS. Mas se fosse com meu filho eu iria pesquisar. Iria checar cada nota de rodapé e perguntar quem se beneficia com cada intervenção oferecida. Rejeitaria respostas simples ou emotivas e não teria paciência com eufemismos ou afirmações tranquilizadoras. Eu iria pensar muito bem porque a felicidade futura do meu filho estaria nas minhas mãos.

E conforme eu o fizesse, me tornaria cada vez mais preocupada com a natureza experimental do protocolo de tratamento dos bloqueadores de puberdade e com a qualidade da evidência na qual eles são baseados. Um estudo publicado em 2018 menciona “evidência de baixa qualidade” e “lacunas de conhecimento”.

Eu me preocuparia com o fato de que bloqueadores de puberdade estão sendo usados em pacientes humanos antes mesmo de qualquer estudo com animais (geralmente é o contrário). E eu não iria gostar do fato de que ovelhas cujas puberdades foram temporariamente suspensas com essas drogas tiveram efeitos mentais persistentes: “o quão preocupados deveríamos estar com essas descobertas se prescrevemos bloqueadores de puberdade?”, se pergunta o médico de gênero ao ouvir a respeito dessas descobertas na semana passada em uma conferência na clínica Tavistock. A pergunta foi respondida pelo pesquisador: “essa é uma pergunta a ser feita aos médicos”. Porque o tratamento com GnRHa produz uma queda de em média 8 pontos no QI, tendo sido questionada até sua validade como tratamento para crianças com puberdade precoce.

Eu iria descobrir que em pacientes homens em transição para mulher a perda da força óssea causada pela pausa na puberdade não é compensada completamente por hormônios usados posteriormente. Ficaria preocupada que o resultado depois de 22 anos da primeira criança que recebeu bloqueadores de puberdade (e que era mulher em transição para homem) revela um belo e profissionalmente bem sucedido homem impedido de manter uma relação sexual íntima por vergonha de sua genitália artificial:

B considerou provável que sua necessidade de se distanciar dela estava relacionada à sua vergonha a respeito da aparência de seu genital e seus sentimentos de inadequação em assuntos sexuais.

Eu iria gostar de saber por que uma companhia farmacêutica, Ferring, financiou o experimento holandês crucial sobre bloqueadores de puberdade: o artigo de 2006 de Delemarre-van de Waal e Cohen-Kettenis ) foi “apresentado no 4º Simpósio Internacional de Endocrinologia Pediátrica da Ferring Pharmaceuticals, Paris (2006)” e a Ferring Pharmaceuticals apoiou a publicação desses procedimentos.

(Tradução da Imagem: “Agradecimentos: Os autores são muito gratos à Ferring Pharmaceuticals pelo seu apoio financeiro aos estudos sobre o tratamento de adolescentes com distúrbios de identidade de gênero.”)

A Ferring estava interessada neste novo uso para sua droga cara porque eles produzem o Triptorelin, um dos agonistas GnRH usados em clínicas de gênero sob os nomes comerciais de Diphereline e Gonapeptyl.

A clínica em Amsterdam foi financeiramente apoiada em seus projetos experimentais com bloqueadores de puberdade no tratamento de adolescentes com disforia de gênero por uma companhia farmacêutica que iria ter altos ganhos comerciais por causa deste novo protocolo.

Eu não gostaria que as escolhas do meu filho fossem direcionadas pelos propósitos movidos a lucro de companhias farmacêuticas internacionais ou pela curiosidade de endocrinologistas.

A obrigação dos pais é investigar a verdade e oferecer essa verdade, não importa o quão difícil ela seja, aos seus filhos de forma carinhosa. Lembro do momento em que o meu filhinho me perguntou: “Eu vou morrer?” (ele não estava doente, aquele foi só o momento em que ele percebeu que era mortal). Eu quis dizer que ele é imortal — mas não disse. E quando um filho pergunta: “Mas como que o esperma sai do homem e chega na mulher?” Você tem que respirar fundo e explicar. (“Isso é incrível! A gente precisa conversar mais sobre isso amanhã”, disse ele, que nunca mais mencionou o assunto). As crianças perguntam sobre corpos, sexo e morte porque chegam a este mundo sem saber desses fatos. Acredito que ser gentil em vez de verdadeiro no final das contas acaba guardando problemas futuros para a criança. Às vezes são nossos próprios sentimentos que estamos tentando evitar em vez do desconforto temporário, mas intenso, de nossos filhos.

As crianças não têm um “eu reserva” que pode ser guardado no iCloud e baixado em um corpo diferente depois. O cérebro em desenvolvimento, moldado por ondas de hormônio, por pensamentos, sentimentos e comportamentos, cria um novo ser que não podemos adivinhar — nenhum pai consegue predizer como seu filho vai mudar na puberdade. A “mudança mais dramática que ocorre durante esses anos acontece no córtex pré-frontal, área do cérebro envolvida em funções cognitivas de alto nível como tomada de decisão, planejamento, interação social e autopercepção. Estudos com ressonância magnética mostram que essa região passa por uma mudança bastante dramática durante a adolescência”. Se ovelhas com a puberdade suspensa se colocam mais em situação de risco, isso explica porque adolescentes tomando bloqueadores de puberdade arriscariam suas vidas sexuais futuras?

Quando interrompemos a onda de hormônios que criam o cérebro adolescente nós inventamos um novo tipo de ser humano: cosmeticamente perfeito mas ao qual faltam as funções sexuais e reprodutivas. Quando Jazz Jennings, que teve sua puberdade suspensa, pergunta aos pais se um orgasmo é como espirrar ou pergunta a seu pai até onde ele consegue enxergar do canal vaginal de sua mãe, sabemos que Jazz não é uma adolescente. Jazz pode apenas imaginar o que é ser objeto do olhar masculino. Ela planeja prover serviços sexual porque não possui sentimentos sexuais próprios. Isso não é uma nova abertura respeito de sexo, mas um jovem que não se separou de seus pais. Quando oferecemos aos nossos filhos os mesmos tratamentos médicos destinados a castrar quimicamente estupradores, algo de muito errado está acontecendo.

(*) SunMum é uma mãe britânica cujos filhos foram afetados pela ideologia de identidade de gênero. Ela pode ser encontrada no Twitter como @Mum3Sun

Notas da tradução:

(2) O GIDS — Gender Identity Development Service é um serviço iniciado em 1989 para o tratamento de crianças que alegam ter conflitos a respeito de sua identidade de gênero. Ele faz parte do sistema público de saúde britânico (NHS).

(3) NHS significa o National Health Service, o serviço público de saúde britânico.

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Ilustração @raposarte