Caras e caros,

publico este relato em estado de profunda revolta! Ele me foi enviado por uma mulher a quem conheci pessoalmente muitos anos atrás e não reencontrei mais. Ela reside no município de Niterói, Estado do Rio de Janeiro.

Fiquei revoltada, mas não surpresa. Em primeiro lugar, porque Niterói, assim como a capital carioca, é um município cujas instituições foram muito capturadas pelo lobby “trans” e “LGBTQIAP”, o qual promove a retirada do direito à liberdade de expressão (por exemplo, cancelando palestras como a que eu ia proferir em 2018 na Semana de Psicologia da UFF) e à proteção da infância, através de ações questionáveis junto a menores de idade. Entre outras ações, aliciamentos em abrigos e propositura de projetos de leis como o de autoria de “Benny Briolly” (PSOL-RJ), que visa a “garantir ´nome social´” (ou seja, um nome do sexo oposto) a crianças e adolescentes rotulados de “trans”. Em segundo lugar, isso era esperado porque parte considerável dos psicólogos da atualidade, e certamente uma grande parte dos que atuam em Conselhos Regionais e no Conselho Federal de Psicologia, partilham a crença em “identidades de gênero”, a qual é reforçada semestralmente nos cursos universitários através de disciplinas que ensinam questões de sexo e “gênero” sob os cânones da Teoria Queer.

A atuação da psicóloga que atendeu “K”. é mais uma das peças de um quebra-cabeça que forma uma ilustração sombria sobre o que está acontecendo: a relativização de um abuso sexual cometido por um adulto (ainda que, a princípio, o abuso não tenha sido físico), a minimização do corpo (o útero executa funções importantíssimas em meninas e mulheres, para além da gravidez) e, finalmente, a associação de comportamentos fora do padrão na infância, o conseguente sofrimento advindo do bullying e os transtornos alimentares à ideia de “crianças trans”.

Eu espero que este texto chegue a muitas pessoas, em especial profissionais de saúde mental, famílias de pacientes e aos próprios pacientes, a fim de que reflitam sobre até que ponto estão sendo atendidos por psicólogos éticos (sobretudo no SUS, onde em regra não podemos escolher o psicoterapeuta) e também para orientá-los como não escolher um (a) profissional.

Abraços,

Eugênia Rodrigues

Jornalista

Porta-voz da campanha No Corpo Certo

O relato de “K.”, de Niterói

Procurei esta organização através do Instagram, e felizmente fui muito bem acolhida. Como me foi pedido, vim deixar aqui o meu relato.

Há quatro anos, fui diagnosticada com um quadro psiquiátrico que demanda um tratamento bastante sério e intenso. Entendendo a gravidade, cooperei com os profissionais que vêm me tratando e pouco questionei suas abordagens, visto que não sou profissional da área de saúde mental. Parte desse tratamento consiste em terapia, que iniciei primeiramente com atendimento particular e, em meio à pandemia, sem condições de pagar pelo atendimento, passei a me consultar no SPA (Serviço de Psicologia Aplicada) de uma universidade pública. Entre as muitas questões que levei para a terapia, duas delas me eram mais sensíveis: eu sobrevivi a um tumor ginecológico, perdendo o útero, e, há algum tempo, vinha tendo fragmentos do que acredito serem lembranças de um adulto me apresentando pornografia quando eu era bem criança, portanto, sem capacidade para consentir.

Eu soube, logo de início, que eu e minha terapeuta divergíamos politicamente, mas confiei em sua ética para não imiscuir seu posicionamento com meu tratamento. Observei também que as sessões eram conduzidas segundo interesses, perguntas, e algumas afirmações dela que resultavam numa narrativa que não condizia com minha visão dos fatos. Eu sentia que minha narrativa estava sendo dirigida, editada, mas eu desejava, e ainda desejo, cooperar com qualquer tratamento que ajude na melhora do meu quadro. Prossegui, apesar de muito desconforto.

Quando trouxe a questão do útero perdido, minha terapeuta afirmou que não se tratava de um órgão vital (o que é verdade), e que, se não houvesse uma sociedade que liga o útero a uma “essência feminina”, eu não ligaria tanto para minha perda. O que eu senti, e posso estar errada, é que ELA não ligava tanto para a minha perda. Fiquei desolada. Não mais levei o assunto a ela. Quanto à questão do possível abuso, ela mencionou que eu poderia ter criado essa lembrança. Estou a par de que essa hipótese tem grande aceitação entre profissionais da saúde mental, me propondo a trabalhar com esta hipótese, sob a premissa de que minha terapeuta aceitasse que, talvez, o abuso tivesse, sim, acontecido. Mencionei, inclusive, que na época em que acredito ter sofrido essa experiência, tive uma infecção vaginal cuja causa nunca ficou plenamente elucidada, ao que ela respondeu que crianças se masturbam, e eu poderia ter causado minha própria infecção.

Continuei levando a questão do possível abuso para a terapia, mas a profissional acabava conduzindo a conversa para outros aspectos da minha vida, da minha infância, o que chegou ao bullying, que sofri durante toda minha vida escolar. Comentei que eu era uma menina interessada em dinossauros, videogame, RPG, que tinha dificuldades em me entrosar com outras meninas e não tinha interesse em coisas femininas. Comentei que, na adolescência, desenvolvi um transtorno alimentar que era fortemente atravessado por uma dissociação em relação à minha imagem corporal – frisei que os profissionais que me trataram, entretanto, não usaram o termo “disforia” em nenhum momento.

Foi aí que veio a bomba.

Ela me contou que estava conduzindo uma pesquisa em um ambulatório de gênero, e que minha narrativa se assemelhava à de crianças “trans”. Então, o tratamento que vínhamos conduzindo fez sentido: a narrativa que ela me atribuía já estava lá quando eu cheguei, de forma que minha história só precisaria ser ajustada para atender aos parâmetros de um diagnóstico.

Fiquei arrasada, pois uma das nossas divergências políticas estava justamente na questão de gênero. Por mais de um ano, ela escondeu de mim que fazia essa pesquisa. Eu me senti uma cobaia. Eu fui enganada. Falei coisas extremamente delicadas que nunca confiei a ninguém, nem à minha mãe, e sinto que essa “revelação”, em um momento oportuno, foi calculada para me pegar num momento de fragilidade.

Eu tenho 36 anos e uma bagagem teórica que me permite entender o que aconteceu, questionar, não aceitar essa abordagem. Mas e se eu fosse a menina de 20 anos atrás, com transtorno alimentar, sofrendo bullying? Talvez hoje eu fosse um “homem trans”.