Olá!

É com alegria que informamos a você que teremos uma seção fixa no site chamada “Resenhas”: um espaço para que eu e vocês publiquemos textos sobre séries, filmes, livros, artigos, novelas e até desenhos animados que fomentem o questionamento do discurso “trans”. Talvez você se lembre que já publicamos resenhas antes: a da série da Netflix “Prescrição Fatal”,, por uma leitora que preferiu ficar anônima, e as dos livros “Danos Irreversíveis”  e “Como curar um fanático”, estas da psicóloga Carolina Rabello Padovani. As próximas serão mais facilmente encontráveis sob a tag “resenhas” e aguardamos as contribuições de vocês. Inauguramos a série com uma crítica à série “The L Word – Generation Q” enviada por uma leitora que prefere assinar apenas como “Radical Empress” (“Imperatriz Radical”). Ela convida vocês a seguirem os canais de Youtube que ela iniciará em breve, um em inglês e o outro em português. Um dos pontos altos do texto é denunciar a prática do “cotton ceiling”, a coação sexual exercida por homens heterossexuais que se autodeclaram “mulheres trans” a lésbicas e que foi tema de uma recente matéria da BBC. O transativismo brasileiro e mundial esperneou contra a reportagem; o PSOL do Estado de São Paulo chegou ao ponto de fazer uma “denúncia” à “CPI da Transfobia”.

Além da série “Resenhas”, temos a satisfação de informar que em breve iniciaremos uma série sobre destransição. Adiantamos que comentaremos o estudo sobre destransição da dra. Lisa Littman, a mesma que cunhou o termo “ROGD”, sobre o qual falamos no nosso canal do Youtubeq. Esse e outros estudos serão colocados na nossa seção de Referências, que pretendemos atualizar até o final do ano. Trecho:

“Alguns dos destransicionados informaram experiências que apóiam a hipótese de ROGD, incluindo que a disforia de gênero deles começou durante ou depois da puberdade e que questões de saúde mental, trauma, amigos, redes sociais, comunidades online e dificuldade de se aceitarem como lésbicas, gays ou bissexuais estavam relacionadas com sua disforia de gênero e desejo de transicionar”.  

O resultado confirma, portanto, que o modelo “afirmativo de gênero” não fornece aos pacientes um verdadeiro cuidado em saúde mental, o que torna ainda mais preocupante a cooptação que fizeram na área da saúde, inclusive na psicologia. O Conselho Regional de Psicologia do Estado de São Paulo lançou um “Manifesto sobre o Uso da Linguagem Neutra”. Pelo menos, os comentários ao post no Instagram deixam clara a indignação dos afiliados.

É compreensível que profissionais de saúde mental se resignem a tratar pacientes que se autodeclaram “não-binários” com linguagem fantasiosa (“elu”, “delu”, “amigues” etc.). Mas o lançamento de um manifesto por parte de um Conselho leva isso para outro nível; é a legitimação oficial de algo que não existe e que evidencia que a psicologia, assim como a medicina de “gênero”, está mergulhada em pseudociência. Isso já acontecia por adotar a crença em uma ideia sem comprovação científica chamada identidade de gênero” (a ponto de punir profissionais que reneguem essa crença) e fica ainda mais surreal com o “reconhecimento das ´identidades não-binárias´”. Ora, em termos de sexo, somos todos binários: macho ou fêmea, inclusive os intersexo. E, em termos de “gênero”, somos todos “não-binários”, pois nenhum de nós está 24 horas por dia, 7 dias por semana, 365 dias por mês correspondendo a todos os estereótipos de gênero masculinos ou femininos. Nenhum de nós consegue, o tempo todo, por toda a vida, ser a Barbie ou o Rambo; mulheres também usam calça comprida ou saem sem maquiagem; homens também choram, cozinham e cuidam dos filhos. Os floquinhos de neve do século 21 são menos especiais do que imaginam.

Abraços e boa leitura!

Equipe No Corpo Certo

 

“THE L WORD – GENERATION Q” – A PROBLEMÁTICA DA SÉRIE LÉSBICA FEITA PARA UM PÚBLICO “QUEER”.

A série The L Word teve sua estreia em 18 de janeiro de 2004. Ela veio na rebarba do seriado Queer as Folk, que estava em suas últimas temporadas e que acompanhava um grupo de cinco homens gays que morava em Pittsburgh, na Pensilvânia. Apesar de mostrar um casal de lésbicas que vivia na vizinhança, o foco da série era o público masculino homossexual, demonstrando o drama, as alegrias e o dia-a-dia desses homens que buscavam por meio dos relacionamentos se satisfazerem em suas vidas pessoais.

 

The L Word veio então preencher a lacuna que faltava e dar para o público feminino homossexual uma série que retratasse a rotina de mulheres que se relacionavam sexual e afetivamente com outras mulheres. A premissa de ambas as séries era boa, uma vez que os relacionamentos heterossexuais sempre foram a norma e dominavam a telinha; era a vez de normalizar os relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo e tomar para si os rótulos que antes eram utilizados como termos pejorativos (1)

Infelizmente, juntamente com a quebra de estereótipos, veio junto a normalização e a aceitação de transtornos e parafilias. Na terceira temporada de The L Word, a personagem Moira apareceu mostrando ter problemas de “identidade de gênero”. Ela não parecia confortável com a maneira pela qual era vista pelo mundo e, ao longo dos episódios, sua aparência e personalidade foram se modificando. Ela se apresentava agora como Max Sweeney e exigia ser vista como um homem.

Não houve na série, infelizmente, questionamentos quanto à identidade de Max. As personagens ao seu redor podem ter estranhado suas atitudes ou suas escolhas, mas em nenhum momento Max fora confrontada quanto aos seus sentimentos e por que se sentia pressionada a ser vista como um homem. Inclusive, Max procurou não somente se apresentar fisicamente como um homem – tomando testosterona e deixando um cavanhaque crescer – como se mostrava uma pessoa muito mais bruta e agressiva. Não acho que eu precise dizer que para emular o perfil masculino que a sociedade espera de um homem, Max deixou o cabelo curto e vestia apenas roupas retas e largas, sem decotes, além de estar sempre com a cara mais séria. Talvez a atitude grosseira fosse justamente parte desse pacote que a sociedade entende como “atitudes de homem”; assim, esse poderia ser o perfil que Moira via nos homens e que agora como Max tinha que reproduzir. Não posso dizer que eu saiba como era a comunidade transsexual daquela época, porém posso afirmar que, apesar de ter um “homem trans” na série, os ativistas não gostaram de como essa personagem fora retratada por Max ter tido um fim trágico (2): 

“Ostracizado por suas amigas, Max se torna maníaco e raivoso depois de tomar testosterona e dá à luz uma criança contra a sua vontade antes de ser abandonado por seu namorado traidor. Em particular, retratar a transição médica como uma experiência angustiante foi devastador para os homens trans na audiência, que raramente encontraram validação de sua existência e experiências na mídia” [tradução livre]

Os ativistas, porém, não poderiam reclamar do elenco, uma vez que Daniela Sea, que interpretava Max, se identifica como um ator não-binário.

(https://www.instagram.com/danielasea_)

Anos depois, o Showtime anuncia o reboot da série. Mantendo três personagens do seu elenco principal, The L Word vem com uma premissa um pouco diferente. Não é mais uma série focada em mulheres lésbicas e bissexuais e sim “num grupo LGBTQ+ diverso”. E, talvez por conta disso, a série tenha agregado um adendo ao nome original: “The L Word – Generation Q”, ou seja, geração “queer”, reforçando a retomada da palavra que antes os menosprezava e agora é tida como um sinal de “união”.

Nessa nova versão, vemos Jennifer Beals, Leisha Hailey e Katherine Moenning reprisando seus papéis originais. Respectivamente, atuam como Bette Porter (a power lesbian , lésbica poderosa/dominadora, em constante conflito sentimental com a sua ex e lidando com a filha adolescente que têm em comum representada por Angelica “Angie” Potter-Kennard), Alice Pieszecki (a bissexual engraçada sempre conectada e que agora lidera um talk-show) e Shane McCutcheon, a lésbica “butch” (“masculina”) que sempre fugiu a todos os padrões esperados a uma mulher e que arrasou diversos corações ao longo da primeira temporada. Com o estilo versátil de uma cabelereira, parece ter amadurecido, mas ainda demonstra estar aprendendo a lidar com relacionamentos. 

(Jennifer Beals como Bette Porter, Leisha Hailey como Alice Pieszecki e Katherine Moenning como Shane McCutcheon)

E é justamente sobre Shane que quero falar agora. Shane surgiu como uma personagem que não conseguia se conectar a ninguém. Seus relacionamentos nunca davam certo. Não porque as pessoas não gostavam dela; muito pelo contrário, ela sempre conquistou o coração de todas as mulheres que apareciam no seu caminho: solteiras, casadas, novas, velhas, lésbicas, bissexuais e “héteros”. O problema é que ela sempre fugia de relacionamentos. Expulsa de casa quando adolescente, foi forçada a amadurecer muito rápido, o que abalou sua confiança nas pessoas e, portanto, se tornou aquela lésbica que apenas angariava nomes à sua lista de f*das. 

Apesar de sua personalidade, Shane foi um modelo para muitas lésbicas. Afinal, diferente de Moira, que ao não se sentir confortável com o padrão feminino exigido pela sociedade sentiu a necessidade de adotar uma persona masculina, Shane reafirmava à sociedade que para ser mulher bastava nascer uma, independente de vestimentas, de acessórios ou de postura.

Aliás, por ser uma mulher lésbica que não adotava os estereótipos femininos e por ter sido expulsa de casa cedo por fazer parte da comunidade de gays, lésbicas e bissexuais, tê-la em evidência num programa de TV como The L Word se mostrou muito necessário. Então para o reboot da série esperava-se apenas que ela tivesse se desenvolvido como personagem e amadurecido em sua relação com os outros para de fato mostrar que uma mulher como ela pode ser um exemplo de lésbica adulta e feliz para que adolescentes e jovens adultas homossexuais possam ter nela representatividade. Infelizmente, Generation Q não é a melhor série para essas mulheres que estão buscando se ver na telinha e sim um prato cheio para muitos ativistas queer, uma vez que, apesar de retratar mulheres lésbicas de todos os tipos, a série também tenta se desculpar por Moira/Max, trazendo tanto mulheres como homens que se dizem ser do sexo oposto para o debate.

E é nesse meio em que Shane é colocada nesse reboot. No segundo episódio, momento em que os relacionamentos estão começando a se estabelecer e você pode compreender qual vai ser o papel de atuação de cada personagem, vemos Shane no que antes era um bar gay protegendo Lena (Mercedes Mason) de ser atacada por um homem bêbado. Lena é uma mulher lésbica e parecia flertar com Shane desde que a viu do outro lado da mesa de bar no qual ela é bartender. O flerte passa batido por Shane, mas não pelo público – que começa a torcer para o casal até descobrir que Lena na verdade namora Tess Van De Berg, garçonete interpretada por Jamie Clayton.

Muitos de vocês talvez já conheçam Jamie Clayton pela atuação como Nomi Marks em Sense8 e Sasha Booker em Designated Survivor. Em ambas as séries as personagens de Jamie eram pessoas transexuais; porém em The L Word – Generation Q Jamie faz o papel de uma mulher. 

Nesse momento, entendemos que Shane será o pivô, nesse triângulo amoroso, de uma possível separação: quando, sem surpreender ninguém, Shane se envolve com Lena. Ao se descobrir traída, Tess termina com Lena; porém, é Lena quem sai de cena, abrindo espaço para que Shane e Tess desenvolvam uma amizade e possivelmente evoluam disso para um relacionamento amoroso e sexual.

Se não fosse o propósito deste artigo, eu não acho que eu precisaria evidenciar uma das grandes problemáticas da série aqui, mas em sendo esse o objetivo, precisamos falar de homens que se dizem “trans” atuando em papéis de mulheres e, pior que isso, mulheres lésbicas.

Em sendo “trans”, Jaime Clayton não só tem aparecido na TV em papeis que evidenciam quem é, mas também é ativista pelas causas “lgbTQIA+”. Quando a novela A Força do Querer, na TV Globo, utilizou uma mulher para atuar como um “homem trans”, Jamie Clayton questionou a contratação dela pela emissora ao dizer que sabe “que mulher interpretando trans não é trans. Eu me pergunto se isso é, em partes, o porquê da reação positiva. Me pergunto como seria se ele [o intérprete] realmente fosse trans. […] Acho que os trans homens têm ainda menos representatividade que mulheres” (4)

Você poderia esperar um pouco de coerência por parte de Clayton e torcer para que o ator dissesse que pessoas “trans” devem retratar pessoas “trans” assim como mulheres lésbicas devem ser retratadas por mulheres lésbicas; no entanto, Clayton opinou positivamente ao ser questionado quanto ao papel de Maria Clara Spinelli, artista “trans” que vive Mira na mesma trama: “Isso é ainda melhor. Ter uma atriz que se identifica como trans na vida real e vive um personagem que não é trans, é a direção na qual precisamos ir. Atuação é isso! Deixa a gente interpretar esses papéis, deixa a gente interpretar tudo!”. Acredito que quando Clayton menciona “deixa a gente interpretar tudo”, ele não se refere a papéis masculinos, ou será que estou errada?

Diferente de Shane, Tess é uma personagem bastante “feminina”: maquiagem, vestido/saia, salto alto, cabelos compridos e toda uma postura que a sociedade espera de uma mulher. Mas não é só Tess que é bem feminina: Jamie Clayton também, e apesar de ele estar fazendo o papel de uma mulher, muitas pessoas sabem que ele é um homem que se identifica como “trans”; portanto as pessoas não vão ver duas mulheres lésbicas interagindo, mas sim um homem “trans”-identificado que se diz lésbica e uma mulher lésbica.

Muitas pessoas podem dizer: “mas afinal, qual é o problema de uma pessoa ´trans´ fazer o papel de uma mulher? Jamie Clayton ‘se identifica’ como uma mulher, portanto, que faça o papel de uma mulher”. Acredito que seja bem fácil, e infelizmente bastante compreensível, confundir Clayton com uma mulher, uma vez que ele faz de tudo para “parecer-se com uma”. Porém, vale a pena lembrar que nem todos estes indivíduos se esforçam tanto para serem “confundidos por mulheres”; uma vez que você permite que um homem faça o papel de uma mulher, por que você não deixaria outro?

(O ator Devon Gummersall como “Lisa” em The L Word, Temporada 1: Episodio 5, “Lies, Lies, Lies” (Showtime)

Na primeira temporada de The L Word, a série foi fortemente criticada por mulheres como Bette Porter e Tina Kennard (Laurel Holloman), sua parceira, terem dificuldades para aceitar Max no grupo, e por supostamente não ter retratos mais fiéis de “trans” ativistas na série. Porém, as perguntas que ficam são: 

  • Qual é a diferença entre um homem que “se identifica” como uma mulher para um homem que não “se identifica”?
  • Qual é a diferença entre “Lisa” (o da foto acima) se dizer lésbica e Jamie Clayton se dizer lésbica?

Diversas vezes, escutamos que uma mulher não deixa de ser mulher por ter cabelo comprido ou curto, por usar maquiagem ou não, por fazer uma mastectomia por causa de um câncer ou por colocar silicone; será que o oposto não seria o mesmo? Um homem que decide deixar seu cabelo comprido, usar maquiagem e pintar as unhas, além de feminilizar seu corpo com cirurgias, não deixaria de ser um homem, deixaria?

Além do problema óbvio que é ter um homem fazendo o papal de uma mulher e oferecendo menos espaço para lésbicas na mídia, também temos que levar em conta que muitos homens que se dizem mulheres são autoginefílicos (5), ou seja, sentem prazer ao serem vistos e reconhecidos pela sociedade como mulheres, e estes têm constantemente tentado ter acesso às lésbicas (6). As tentativas desses homens, inclusive, vão de pequenas acusações de “transfobia” a agressões mais violentas.

“Se você tem uma preferência sexual que discrimina homens trangêneros e mulheres transgêneros, você é transfóbico. Isso é um fato” (Texto tirado de reportagem da BBC – Tradução Livre).

Esses homens, ao verem que estão conseguindo invadir pouco a pouco espaços reservados para mulheres e que estão tendo acesso a essas mulheres antes inacessíveis, apenas se sentem ainda mais fortalecidos para alargarem ainda mais os limites. Já não basta alimentarmos o fetiche deles ao reconhecê-los como mulheres, estamos fazendo com que lésbicas voltem a questionar sua sexualidade; afinal, se um homem pode ser lésbica, qual o sentido de se haver orientação sexual? Qual o sentido de se assumir como uma mulher homossexual?

Infelizmente, na segunda temporada de Generation Q, nossos temores acontecem e, depois de uma demorada mas bem construída relação de amizade e confiança, Tess beija Shane. 

(Shane e Tess em The L Word – Generation Q, Temporada 2: Episodio 7, “Light” (Showtime)

Como eu disse, Shane representa grande parte do público lésbico que não está em conformidade de gênero. Uma mulher que, além de não reproduzir feminilidade na forma em que se apresenta, também foge da heteronormatividade compulsória ao se envolver de forma romântica e sexual exclusivamente com mulheres. Talvez o problema não esteja em Shane beijar Tess, uma vez que Tess é só uma personagem feminina representada por um homem. Nem em colocarem Katherine Moenning, uma mulher homossexual que demorou para se assumir como lésbica (9), beijando um homem que finge ser mulher, já que ela é atriz e estaria apenas atuando. O problema é a representatividade e tudo o que isso significa para uma geração de lésbicas que lutaram anos para terem sua sexualidade reconhecida e o direito de amarem e de se envolverem de forma sexual e amorosa única e exclusivamente com mulheres.

Novamente, questiono: “Do que adianta chamarmos uma mulher de lésbica se mais e mais homens heterossexuais se fantasiam de estereótipos de mulheres e se dizem lésbicas também?”

O curioso é pensar que Shane não foi a primeira lésbica não feminilizada com quem Tess ficou. E não estou aqui falando de Lena, uma vez que tanto a atriz quanto a personagem fogem menos dos estereótipos, mas sim de Sara Finley (Jacqueline Toboli).

(Jaime Clayton como Tess e Jacqueline Toboli como Sara Finley em The L Word – Generation Q, 

Temporada 1: Episódio 5, “Labels” e Episodio 3, “Lost Love” (Showtime)

No terceiro episódio da primeira temporada, Tess já havia se envolvido com outra mulher lésbica inalcançável aos homens. Por que os produtores da série insistem em colocar Tess com mulheres não feminilizadas?

Eu queria poder dizer que esses são os únicos problemas com The L Word – Generation Q, mas, como eu disse, uma vez que você abre a porta para uma pessoa “trans”, todas podem entrar. Não vou aqui falar de Micah Lee (Leo Sheng), uma personagem nascida do sexo feminino mas que se diz homem – ela merece um tópico só para ela. Preciso, porém, mencionar mais um homem “trans”-identificado dessa série – ou deveria dizer… menino?

Ao fazer pesquisas para essa resenha/artigo descobri que mais uma pessoa do sexo masculino se passa por uma garota na série, e esta penso ser uma situação ainda mais delicada. Sophie Giannamore (Transparent, The Good Doctor) faz o papel de Jordi Sanbolino, colega de escola de Angie. Na série, Jordi é a melhor amiga de Angelica – sobrinha de consideração de Shane e filha adotiva de Bette e Tina. Ao longo dos primeiros episódios, Angie, que não tem sua orientação sexual definida – como esperado para uma adolescente que ainda está se descobrindo – se percebe atraída pela colega e entra em conflito interno sobre o tipo de relacionamento que deve buscar em relação à colega de escola: expressar seus sentimentos e correr o risco de perder a amiga, ou não se arriscar e ter seus sentimentos reservados sem saber se são retribuídos?

(Jordan Hull como Andie e Sophie Giannamore como Jordi em The L Word – Generation Q, Temporada 1: Episódio 6, “Loose Ends” (Showtime)

É triste pensar que, assim como eu, outras pessoas torceram por esse casal. Assim como eu, tantas outras torceram para que finalmente na TV pudéssemos ver duas adolescentes num relacionamento homossexual sem muitas dificuldades e sem muito drama, portanto mais leve e que assim mostrasse para tantas outras que buscam representatividade que é possível gostar de alguém do mesmo sexo e ser feliz. Porém, novamente, o público é confundido e enganado. Assim como no caso de Shane e Tess, Jordi é uma personagem do sexo feminino, porém o ator é um garoto de 17 anos. Sophia Giannamore, antes conhecido como Sophie Rainbow, é um ator “trans”-identificado desde os 11 anos de idade e possui um canal no Youtube em que fala de sua vivência como uma pessoa “trans. No vídeo STORYTIME: my transphobic school kicked me out (with receipts) #transisbeautiful (Hora da História: minha escola transfóbica me expulsou (com recibos) #transélindo – tradução livre) (10), Sophia conta como ele sofre com depressão, ansiedade e estresse pós-traumático, transtornos mentais muito comuns em pessoas que se declaram “transgêneras” (11) e alega que vivenciou “bullying” em seu antigo colégio por constantemente acessar o banheiro reservado às garotas. Ao longo do vídeo, Sophia, cheio de trejeitos estereotipados e maquiagem reforçada, diz que apesar de ter um banheiro “gênero neutro” na escola, ele se recusou a utilizar esse banheiro e optou pelo banheiro femnino por “ser mais perto”; além disso ele diz não ver problema de um garoto como ele (com pênis) em acessar o banheiro feminino.

É triste ver como Sophia não percebe que, independentemente de como se identifique, ele continuará sendo um garoto, e que parte de suas tribulações mentais podem advir do fato de que suas questões não foram exploradas ao longo de sua adolescência e sim afirmadas e reforçadas com cosméticos. Assim, em Generation Q, novamente vemos a problemática de termos uma personagem feminina num relacionamento homossexual representanda por um ator do sexo masculino e, pior, sequer uma adulta como Tess e sim um adolescente, o que deixa bem claro o público-alvo que os produtores da série querem alcançar. Talvez colocar um adolescente que se apresente como mulher abrisse as portas para muitas críticas, então a série se limita a mostrar um casal de garotas num relacionamento homoafetivo, portanto, Jordi é uma garota e não uma “garota trans

Tanto com Tess como Jordi, percebemos que Generation Q não quer lidar com essas questões de identidade/gênero, uma vez que ambas as personagens mencionadas se dizem do sexo que teriam nascido diferenemente dos atores que as representam. Talvez por causa da crítica que receberam anos antes por Moira/Max e outras personagens, o que temos de representação “trans” na série são personagens felizes e inteiramente funcionais em seu dia-a-dia e não pessoas em conflito durante uma “transição”. Assim, Generation Q só quer se mostrar inclusiva e receber o menor número de críticas possível por parte desta comunidade – ou talvez tenha sido orientada para não lidar diretamente com o assunto?!

Portanto, para muitos, Jordi seria apenas uma garota. Porém, aqueles que buscassem saber quem é a atriz por trás de Jordi acabaria descobrindo que ela é na verdade um garoto. Tendo um adolescente “trans”-identificado que se parece com uma garota, cria-se então uma imagem inalcançável para outros garotos que possam estar tendo dificuldades com sua própria identidade. Muitos vão tentar alcançar essa imagem feminina que acham que é o seu “verdadeiro eu” e vão buscar hormônios e cirurgias cosméticas alegando não estarem no corpo certo. Além disso, novamente, o espaço que seria de uma garota é ocupado por um rapaz.

Como vemos, The L Word Generation Q não tenta agradar a comunidade lésbica oferecendo uma série repleta de mulheres de todos os tipos nos mais diversos formatos de relacionamentos homossexuais mas sim alegrar à comunidade “queer”, entregando a eles uma série queer. Hoje, apesar do que muito se diz sobre falta representatividade, o “queer” tem ocupado muito espaço na TV. De acordo com Mey Rude (tradução livre) (12)

“Sense8 da Netflix […] mostra um casal maravilhoso de uma mulher trans com uma lésbica cis negra. Euphoria da HBO […] mostra uma jovem mulher trans num romance com outra mulher. A web série nominada ao Emmy de 2016, Her Story, mostra o romance entre uma lésbica trans e uma lésbica cis como plote principal”.  

Generation Q procura ser referência quando se fala sobre série queer e assim, infelizmente, em vez de revolucionar as telas mostrando um cast 90% lésbico, mostra mulheres em relacionamentos heterossexuais mascarados pelo estereótipo feminino e pela palavra trans.

Radical Empress

Porque o imperador está nu.

(1)  PERLMAN, Merrill. How the word ‘queer’ was adopted by the LGBTQ community. Disponível em: <https://www.cjr.org/language_corner/queer.php>. Acesso em: 25 set. 2021.

(2) BENDIX, Trish. ‘The L Word’ got trans men wrong. The sequel plans to make it right Disponível em: <https://www.latimes.com/entertainment-arts/tv/story/2019-11-26/glaad-trans-representation-the-l-word-generation-q-showtime>. Acesso em: 25 set.2021.

(3)  WIKIPEDIA. L Word Generation Q. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/The_L_Word:_Generation_Q>. Acesso em: 25 set.2021.

(4)  RODRIGUES, Guilherme. Atriz de Sense8 critica decisão da Globo para personagem trans de A Força do Querer. Disponível em: <https://observatoriodatv.uol.com.br/noticias/atriz-de-sense8-critica-decisao-da-globo-para-personagem-trans-de-a-forca-do-querer>. Acesso em 26 set. 2021.

(5) MAIA, Elisa.o que é autoginefilia? Disponívelm em: <https://medium.com/arquivo-radical/o-que-%C3%A9-autoginefilia-4b33d4f1729d>. Acesso em 26 set. 2021.

(6) CHELLA, Bianca. Afinal, o que é Cotton Ceiling? Disponível em: <https://medium.com/qg-feminista/afinal-o-que-%C3%A9-cotton-ceiling-94163f35836e>. Acesso em 26 set. 2021.

(7) GRIFFIN, Jonathan. India Willoughby: Is it discriminatory to refuse to date a trans woman? Disponível em: <https://www.bbc.com/news/blogs-trending-42652947>. Acesso em 26 set. 2021.

(8) A BLOG FOR THE PEOPLE. Disponível em: <https://discourse-receipts.tumblr.com/post/164040774763/look-the-fact-that-people-are-telling-you-to-pee>. Acesso em 26 set. 2021.

(9) THE L WORD BRASIL (Facebook). Disponível em: <https://www.facebook.com/tlwbr/posts/365384801068822>. Acesso em 26 set. 2021.

(10) SOPHIA GIANNAMORE. STORYTIME: my transphobic school kicked me out (with receipts) #transisbeautifu (27min)  Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Y4Ha2Zzo8DU>. Acesso em 26 set. 2021.

(11)  HOFFMAN, Beth. An Overview of Depression among Transgender Women. Disponível em: <https://www.hindawi.com/journals/drt/2014/394283/>. Acesso em 26 set. 2021

(12) RUDE, Mey. Where Are the Trans Women on “The L Word” Reboot? Disponível em: <https://www.bitchmedia.org/article/the-L-word-reboot-trans-women>.Acesso em 27 set. 2021.