Mensagem da nossa campanha
Recebemos de uma leitora, que pediu para ser identificada apenas como “Ania”, uma ótima resenha sobre a minissérie “Prescrição fatal”, da Netflix. Agradecemos a ela calorosamente e sugerimos a você que a assista e nos conte o que achou do documentário. Eu considerei excelente! Os paralelos entre a prescrição de opioides e a de hormônios e cirurgias mutiladoras são tantos que renderiam vários artigos!
Aparentemente, a ganância dos laboratórios e de parte da classe médica é universal e o desinteresse em investigar com atenção as causas das dores físicas e psíquicas dos seres humanos também. A epidemia de overdoses dessas substâncias nos Estados Unidos mostra o quanto continuamos vulneráveis mesmo após a maioridade civil (que, no Brasil, é alcançada aos 18 anos): dentre as cerca de quatrocentas mil mortes causadas pelo OxyContin nos EUA, a maioria foi de rapazes e de moças entre os 16 e 25 anos. Isso reforça as palavras da nossa leitora: “vale ressaltar que, de forma irresponsável, o Conselho Federal de Medicina brasileiro publicou a Resolução nº 2.265/2019, que amplia o acesso ao atendimento de pessoas supostamente com ´incongruência de gênero´”; afinal, essa resolução, além de manter a hormonização de menores de idade já autorizada pelo Parecer nº 8/2013 do CFM, também baixou a idade mínima para a realização de cirurgias mutiladoras e irreversíveis de 21 para 18 anos, quando faltam ainda até 7 anos para o cérebro completar a maturação. A mesma irresponsabilidade vimos no lançamento em 2017 do Guia para Disforia de Gênero da Sociedade Brasileira de Pediatria, o qual também legitimou o uso de hormônios em menores de idade (nós já analisamos esse documento no nosso canal do Youtube, análise essa dividida em parte 1 e parte 2). Aliás, você verá na série que a Dra. Jacqueline Clegget é (ou melhor, era) pediatra, assim como a Dra. Johanna Olson-Kennedy, uma das maiores autoridades do mundo em “incongruência de gênero” – e diretora médica de um ambulatório de identidade de gênero que decepa os seios saudáveis de meninas a partir dos 13 anos.
Identifiquei-me profundamente com a determinação do protagonista, o farmacêutico Dan Schneider, tanto para encontrar o assassino de seu filho quanto para evitar que mais jovens fossem mortos – agora, por drogas legalizadas. É impressionante o que um pequeno grupo de pessoas, ou mesmo um indivíduo sozinho, é capaz de fazer. Infelizmente, a identificação com o protagonista também aconteceu pelo fato de que, por enfrentarmos a indústria farmacêutica, nossas lutas configuram uma verdadeira batalha de Davi contra Golias. Afinal, tem dinheiro demais envolvido: as vendas do OxyContin, de 1996 até o documentário ir ao ar, totalizaram mais de trinta e cinco bilhões de dólares. Uma só profissional, a citada Dra. Clegget, ganhou só no ano de 2001 a quantia de dois milhões de dólares. Tanto dinheiro envolvido talvez explique por que as instituições norte-americanas demoraram a agir: as overdoses causadas pelo OxyContin soaram alarmes em 1999 e só em 2001 os jornais começariam a dar real atenção ao assunto. O governo estadunidense seria ainda mais lento: apenas em 2011, dez anos depois, seria declarado oficialmente que havia uma epidemia de opiáceos no país. No que diz respeito à medicina transgenerista, a verdade é que, assim como os laboratórios, a classe médica sabe muito bem o quão lucrativo é um paciente que foi convencido de que o único caminho para alcançar o bem-estar passa pelo uso contínuo de hormônios sintéticos e por cirurgias mutiladoras. Além de receberem pelas consultas e pelos procedimentos hormonais e cirúrgicos que praticam, os doutores ganham dinheiro também prestando consultorias aos fabricantes, dando palestras, cursos e vendendo livros, bem como recebem “brindes, jantares, viagens e até inscrições em congressos“:
A série mostra também o papel dos representantes de vendas contratados pelos laboratórios para propagandear os opioides – igualzinho aos “ativistas” e organizações da sigla “LGBTTQIA+” incentivando o uso de hormônios. Nós já flagramos inúmeras vezes médicos e “militantes” enganando o público e as mães e pais de crianças e adolescentes rotulados como “trans”) alardeando, por exemplo, que “ninguém está dando hormônio para crianças no Brasil”, que “são só bloqueadores, não são hormônios” e/ou que estes seriam “seguros e completamente reversíveis”. Conforme informamos no nosso site e endocrinologistas honestos como o dr. Michael Laidlaw denunciam, eles estão mentindo.
Felizmente, para você e todos os que se preocupam com o tema e para os meninos e meninas do Brasil, nem nós, nem a nossa leitora que nos enviou esta resenha, estamos à venda. Nada nos deterá em nossa missão de ajudar crianças, jovens e adultos a se sentirem bem com seus corpos e contamos com você para que este texto chegue ao maior número de pessoas possível. Se chegar a uma só mãe ou pai antes que ela ou ele assine o Termo de Consentimento oferecido pelos médicos de “identidade de gênero”, já terá valido a pena.
Espero que gostem do texto. Abração!
Como o documentário da Netflix “Prescrição fatal” se articula com a medicina transgenerista
“Prescrição Fatal” (The Pharmacist) é uma minissérie documental lançada este ano pela Netflix. A história narra, em quatro episódios, a trajetória tocante do farmacêutico Dan Schneider, que soluciona o homicídio do filho de 22 anos, usuário de drogas ilícitas. Poderia se tratar, até aqui, de um documentário dos dramas brasileiros, na medida em que, de acordo com o Atlas da Violência (2019: 95), “a taxa de elucidação de homicídios no país é desconhecida (porque sequer se computa) (…) esse índice é baixíssimo, algo em torno de 10% a 20%”, e, portanto, há famílias, como a de Dan, que investigam pessoalmente assassinatos envolvendo familiares próximos (1). No Brasil, movimentos sociais organizados por familiares de vítimas, que se empenham contra a violência de Estado por meio de pressão coletiva, costumam utilizar a expressão “Do luto à luta” (ou “Luto é verbo”). Ou seja, do luto ao ativismo.
A batalha de Dan toma rumo distinto, mas com o mesmo combate a grandes e prestigiosas instituições. Logo após solucionar o caso do filho, o farmacêutico percebe a alta procura, a quantidade incomum de pessoas em busca de opioides sob prescrição médica. Daí, a produção ganha fôlego para outra narrativa: por que jovens, sem aparentes dores crônicas, começaram a se utilizar de OxyContin (2), prescrito, inicialmente, pela mesma médica pediatra, a Dra. Jacqueline Cleggett? A partir do 2º episódio, observamos a nova jornada de Schneider: investigar a ampliação do uso abusivo do fármaco e da heroína nos anos seguintes, tornando médicos como verdadeiros comerciantes da Purdue Pharma – empresa farmacêutica responsável pela produção do OxyContin.
Não há quaisquer dúvidas sobre a recorrente corrupção institucionalizada de indústrias farmacêuticas (3). Conforme o jornal Le Monde Diplomatique Brasil (4),
“Os grandes laboratórios dispõem de meios de coação para influenciar médicos e pesquisadores. Submetida às regras das finanças, criam uma assustadora polícia do pensamento e uma corrupção que gangrena o contrato social”.
Graças à saga – o farmacêutico consegue reunir provas suficientes, com outros envolvidos, no combate aos opioides –, a indústria foi remodelada. Entretanto, segundo a Revista Superinteressante (5),
“De lá para cá, com a pressão contra os opioides, o consumo caiu um pouco. Mas se mantém elevadíssimo: no ano passado, foram 245 milhões de receitas, o equivalente a uma caixinha de remédio para cada adulto do país. “Nós estamos na era dos comprimidos, e é difícil dizer não a pacientes desesperados”, diz o americano Ethan Nadelmann, fundador da ONG Drug Policy Alliance”.
Nadelmann, como no documentário, analisa que “Também há médicos que não sabem tratar a dor, nem têm tempo para os pacientes. É mais simples receitar um comprimido”. A lógica do mercado visa invariavelmente ao lucro. Seguindo-a, nos remetemos imediatamente à questão: quem lucra com as medicações e cirurgias defendidas pela medicina transgenerista?
Para tanto, alguns canais, a exemplo do No Corpo Certo, trazem à baila denúncias tão pertinentes quanto às feitas pela minissérie. Compreendendo que “O sexo biológico é imutável, e o ´gênero´, os estereótipos, não fazem de uma menina um menino e vice-versa”, por que o avanço vertiginoso em diagnosticar crianças e adolescentes com “disforia de gênero”? Por que psicólogos estão sendo silenciados em sessões de terapia, já que “não existe psicólogo que valida identidade alheia. Cada um valida a sua” (7)? Como o transativismo vem pautando e defendendo a hipermedicalização de corpos jovens ao mesmo tempo em que despolitiza as críticas sobre “identidades”? Quem lucra com todo esse aparato médico-lobista? Seria um déjà-vu com o desregramento do uso de compostos químicos (opioides) denunciados no documentário? A quem importa a cultura do cancelamento atual que finda o debate científico?
Tomemos os bloqueadores de puberdade como exemplo. A prescrição hormonal – relativa a mudanças no corpo durante a puberdade (como menstruação ou surgimento de pelos faciais) – a menores de idade é tida por alguns como ilegal, visto que não estariam aptos a consentir de modo informado ao tratamento; não seriam plenamente capazes de tomar essa complexa e, portanto, difícil decisão pela inabilidade de avaliação de riscos das próprias decisões. Matéria da BBC apresenta ainda (8):
“Dados preliminares de um estudo [que] mostram que algumas pessoas que ingeriram esses medicamentos relataram ter tido mais pensamentos suicidas e de automutilação. Mas essas pessoas não souberam especificar se esses pensamentos eram causados pelos remédios ou por fatores externos”.
Não saber não exclui a probabilidade dos efeitos nocivos dessa medicação. Sendo assim, fica perceptível que esses dados preliminares ferem direta e perversamente o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/1990 (9), em seu art. 5º:
Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Medicalizar e amplificar a dor torna-se incongruente com o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência previstas pelo ECA. Descuido, indiferença ou imobilismo? Em entrevista realizada pela Associação Nacional de Estudos Psicanalíticos (Anep) (10), os psicanalistas Marco Antonio Coutinho Jorge (11) e Natália Pereira Travassos (12) – autores do livro Transexualidade: O Corpo Entre o Sujeito e a Ciência (Zahar, 2018), sobre a falta de questionamentos que o processo transexualizador implica – tecem as seguintes ponderações (13)
1. O perigo da banalização da “troca de sexo” por ser uma escolha irreversível e com profundas consequências físicas e emocionais.
2. A definição de uma criança como “transgênero” parece ser fruto da homofobia dos pais:
“A homofobia parental parece desempenhar um papel fundamental nesses casos: em especial, ao menor sinal de feminilidade nos meninos, a transexualidade acena como uma solução que pode facilmente desviar a discussão de uma possível homossexualidade. Fato é que as crianças estão amplamente imersas em suas fantasias e podem ter identificações lábeis e é preciso respeitar os movimentos identificatórios delas para poder obter uma saída saudável”.
3. O número de casos de “transexualidade” ter crescido em pouco tempo.
4. O papel da mídia e o advento das mídias sociais com informações pseudocientíficas:
“As mídias eletrônicas podem produzir uma difusão incomparável com a de outras épocas. Os efeitos de adesão, sugestão e contágio psíquico podem atingir proporções gigantescas. Para tornar-se um ´profundo´ conhecedor sobre a transexualidade, basta buscar no Google e ali encontrar descrições minuciosas dos procedimentos cirúrgicos de redesignação sexual, assim como se estivéssemos acompanhando o preparo de uma receita de bolo no programa de culinária”.
5. A demanda de intervenção médica não deve ser atendida prontamente, ainda mais ao se tratar de intervenções irreversíveis (impossibilitando a reconstrução ao estado anterior em caso de arrependimento, de destransição) que modificam completamente a imagem corporal.
6. A avidez de um mercado (médico e farmacêutico) que é altamente promissor, pois fideliza os “pacientes” para o resto de suas vidas.
“[…] a manutenção dos caracteres sexuais secundários relaciona-se ao uso constante e periódico de hormônios. Para se ter uma ideia das cifras envolvidas na adequação de um ´corpo transexual´, uma dose de testosterona biocompatível usada por homens transexuais pode chegar a custar em torno de mil reais e o valor das cirurgias de redesignação sexual variam de acordo com a técnica utilizada, mas costumam girar em torno de cinquenta mil reais”.
Diante deste cenário nebuloso, terraplanista, raso de conceituações – particularmente, mas não só no Brasil –, faz-se necessário o enfrentamento de ideias que mascaram especialmente interesses mercadológicos da indústria farmacêutica que, de forma coercitiva, como precisamente retratada na minissérie Prescrição Fatal, velada ou não, vêm influenciando/cooptando médicos e pesquisadores, que acabam por reforçar as frustrações juvenis com receitas médicas lesivas, diagnósticos forçados e mutilações de corpos saudáveis. O mercado da transexualidade para crianças e adolescentes – verdadeiras cobaias de laboratório – precisa ser estancado.
(1) Como o caso de Tatiana Lima e Silva, mãe de Peterson Silva de Oliveira, que conduziu investigação paralela sobre a morte do filho na capital paulista em 2017 (cf. <https://bit.ly/2DZ5Uzq>. Ou de Márcia de Oliveira Jacinto, mãe de Hanry Silva Gomes de Siqueira, de 16 anos, assassinado por PMs em 2002 no bairro do Lins, subúrbio do Rio de Janeiro (cf. <https://glo.bo/32oix0y>).
(2) Ou Cloridrato de oxicodona – fármaco opioide analgésico, análogo semissintético da morfina, derivado da tebaína. Sua potência é duas vezes superior à da morfina. Cf. <https://bit.ly/3ivZcQA>.
(3) Confira as 10 maiores fraudes da indústria farmacêutica em: <https://bit.ly/3mlfdet>.
(4) Cf. <https://bit.ly/3hC48Ck>.
(5) Cf. <https://bit.ly/2ZEjZdf>.
(6) Organização formada por mães, pais e profissionais de áreas variadas que questionam o discurso “transgênero”, sobretudo seu impacto em crianças, adolescentes e jovens. Cf. <https://bit.ly/2ZC8oeM>.
(7) Cf. <https://bit.ly/3c9xSp3>
(8) Cf. <https://bbc.in/2ZMUtmc > (amiga eu não sei fazer bit.ly. Poderia fazer desse link aí da BBC? Vc esqueceu de por o link pra essa matéria). Os efeitos colaterais dos hormônios bloqueadores de puberdade são descortinados no canal No Corpo Certo, como neste vídeo <https://bit.ly/2ZYVd7L> . E ainda vale ressaltar que, de forma irresponsável, o Conselho Federal de Medicina brasileiro publicou a Resolução nº 2.265/2019, que amplia o acesso ao atendimento de pessoas supostamente com “incongruência de gênero”, cf. <https://bit.ly/3hVdr06>.
(9) Cf. <https://bit.ly/3krUDHr>.
(10) Fundada em 25 de abril de 2005, tem o intuito de congregar psicanalistas, divulgar a Psicanálise e seus estudos.
(11) Psiquiatra, psicanalista, professor associado do Instituto de Psicologia da Uerj, membro da Sociedade Internacional de História da Psiquiatria e da Psicanálise, diretor do Corpo Freudiano Rio de Janeiro
(12) Psicóloga, psicanalista, mestre em Clínica e Pesquisa em Psicanálise pelo Instituto de Psicologia da UERJ e integrante do Corpo Freudiano Rio de Janeiro. Ela também trabalha numa ONG dedicada à população LGBT.
(13) Confira a íntegra da entrevista em: <https://bit.ly/2RD0eOG>.
REFERÊNCIA
ATLAS DA VIOLÊNCIA 2019. Brasília: Rio de Janeiro: São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 2019. 115p. Cf. <https://bit.ly/3iwkm0B>, acesso em: 18/jul/2020.