Ref. RE 845.779

(Enviado com cópia aos demais Ministros do Supremo Tribunal Federal)

 

Excelentíssimo Senhor Ministro,

 

meu nome é Eugênia Rodrigues, sou jornalista e porta-voz da campanha No Corpo Certo. Trata-se de uma campanha que nasceu com o objetivo principal de fomentar o debate sobre as intervenções físicas em menores de idade que apresentam sofrimento ou confusão sobre seu sexo biológico, intervenções essas que são praticadas no Brasil desde 2013 com base no Parecer nº 8/2013, do Conselho Federal de Medicina e, posteriormente, fulcradas na Resolução nº 2265/2019, emitida pelo mesmo órgão. O senhor pode conhecer melhor a nossa campanha no site: www.nocorpocerto.com

A mutilação hormonal e ou cirúrgica de crianças, jovens e adultos é uma das consequências mais graves das políticas baseadas na ideia, nunca comprovada, de que todos teríamos uma invisível “identidade de gênero” e que esta poderia ser “incongruente” com o nosso sexo biológico. Mas não é a única consequência: há também a destruição do direito de meninas e mulheres baseados no sexo, como é o caso dos espaços separados por sexo.  Nós escrevemos a V.Exa. e aos demais ministros em 2021 sobre esse assunto em relação à ADPF nº 527 e o direito a estabelecimentos prisionais divididos por sexo [ https://nocorpocerto.com/quando-morre-o-direito-a-adpf-no-527-o-direito-a-identidade-de-genero-e-a-institucionalizacao-da-tortura/  ] e a WDI Brasil também insistiu na importância dessa separação na representação que fez à Procuradoria-Geral da República. E meninos e homens também têm direito aos seus espaços exclusivos.

Trata-se de uma conquista histórica nossa, que se estende aos nossos bebês e que abrange banheiros, esportes, vestiários, penitenciárias, provadores de loja, alas hospitalares, psiquiátricas, geriátricas… Abrange também o direito de nos reunirmos unicamente entre nós em grupos, coletivos, setoriais de partidos e demais organizações, bem como o de sermos as únicas beneficiárias das políticas pelas quais nós lutamos, como aposentadoria mais cedo, vagões exclusivos, ações afirmativas para aumentar nossa participação política, partidária, empresarial e na vida pública em geral, estatísticas divididas por sexo, materiais e ações específicos de saúde feminina, materna e puerperal… Abrange, finalmente, o nosso direito à liberdade de expressão, para falarmos livremente inclusive sobre a nossa realidade material. A partir do momento em que o critério do sexo deixou de ser definidor da mulheridade e foi substituído por termos subjetivo como “gênero” e “identidade de gênero”, que na prática são traduzidos em estereótipos retrógrados e desumanizadores como como roupas e acessórios, todas essas conquistas foram automaticamente destruídas.

Por mais que seja constrangedor admitirmos, as instituições públicas e privadas falharam em compreender as enormes diferenças entre o direito à orientação sexual e o “direito à identidade de gênero”, diferenças essas que ficaram escondidas quando o histórico movimento de gays e lésbicas foi cooptado para se tornar a sigla “LGBT” e assemelhadas. A orientação sexual é um fato e o direito a ela é legítimo, mas a ideia de “identidade de gênero”, insistimos, até hoje não teve comprovação científica de sua existência e não deveria ser imposta aos demais cidadãos e cidadãs. 

Sabemos que, entre os que se autodeclaram “trans, travestis, transexuais, transgêneros, não-binários, queer, genderqueer, bigêneros” etc. estão indivíduos que apresentam problemas reais, como questões psíquicas, psiquiátricas e dificuldades em se assumirem como homens e mulheres fora do padrão e ou como, simplesmente, gays, lésbicas e bissexuais. E, se houvesse uma solução que conciliasse seus desejos com as necessidades da infância e da classe feminina, nós a apoiaríamos. Contudo, Vossa Excelência sabe que as organizações que dizem representá-los não aceitam nenhum tipo de conciliação, como a criação de terceiros espaços, o que sugere que o objetivo delas não é garantir a segurança de indivíduos trans-identificados, mas sim a legitimação de suas (não) mulheridades.

Para a nossa campanha e para milhares de pessoas que lutam, no mundo todo, pela prevalência da realidade material, o transgenerismo é uma ideologia retrógrada que reforça estereótipos e o chamado “direito à identidade de gênero” configura um verdadeiro abuso de direitos. Um abuso que está vitimando menores de idade, a classe formada por mulheres e meninas e, também, homens – por exemplo, o Direito brasileiro tem uma condenação, vergonhosa, por suposta “transfobia”, de um trabalhador que tentou proteger o acesso ao banheiro feminino no Shopping Pátio, em Maceió.

A verdade, por mais difícil que seja admitir, é que, se seres humanos não mudam de sexo, o termo “trans” é necessariamente enganoso ou, no mínimo, vago demais para ser transposto para leis e decisões judiciais. A crença de que teríamos uma “identidade de gênero”, similar a uma “alma feminina” ou “masculina”, deveria ser protegida, no máximo, como parte do direito à liberdade de crença e religiosa – e não ser imposta a terceiros. E isso deve valer tanto para a noção centenária do “transexual” médico (o paciente que obteve um diagnóstico psico-psiquiátrico e passou por modificações corporais) quanto para a noção, mais recente e abrangente, de “pessoa trans” enquanto qualquer indivíduo que, com ou sem diagnóstico, exige ser reconhecido como alguém do sexo oposto ou de “sexo indefinido” (“não-binários”). Obrigar as pessoas a redefinirem a realidade do que são homens e mulheres constitui abuso de direitos. 

Lutamos por uma sociedade justa para todas e todos, mas não é possível conciliar definições de seres humanos autoexcludentes como a baseada na realidade do sexo e em “gênero” ou “identidade de gênero”, pois não é possível delimitar espaços e direitos por sexo e ao mesmo tempo por esses outros termos. A obediência às demandas “trans” está lesionando direitos da população, em especial de mulheres e crianças.

Mulheres e meninas são seres humanos e não homens, nem mesmo os que passaram por procedimentos médicos. Seres humanos e não as projeções mentais que alguns têm sobre nós. Apenas nós, seres humanos do sexo feminino, deveriam estar em espaços femininos.

Vossa Excelência tem, hoje, nas mãos, uma oportunidade histórica, como o tiveram os juízes e tribunais britânicos que decidiram favoravelmente no ano de 2022 às britânicas Maya Forstater e Allison Bailey. A luta delas em prol da realidade foi reconhecida pelo Poder Judiciário como “worthy of respect”, dignas de respeito. 

 

Atenciosamente, e na esperança de que a nossa Humanidade seja reafirmada através da proteção dos nossos espaços,

Eugênia Rodrigues

Jornalista

Porta-voz da campanha No Corpo Certo

www.nocorpocerto.com