Nota introdutória da equipe No Corpo Certo
Olá, leitora ou leitor. Esperamos que você e seus entes queridos estejam bem neste momento tão difícil que é a pandemia do COVID19. Receba nosso abraço e lembre-se que este momento irá passar, com certeza.
Você está se deparando, a todo momento, com um grande volume de informações sobre o novo vírus e se pergunta em quais deve confiar. Da mesma forma, já ouviu falar do alto número de “suicídios trans” e se questiona se hormônios e cirurgias poderiam evitá-los quando lê matérias como esta, da Folha de São Paulo, acerca do Projeto de Lei Transcidadania. O PL obriga o sistema de saúde do Estado a oferecer gratuitamente hormônios artificiais sem idade mínima, prática que já acontece nos ambulatórios de “identidade de gênero” do país desde 2013 com base em um parecer do Conselho Federal de Medicina. A reportagem, que não trouxe a opinião de nenhum profissional de saúde crítico ao “tratamento”, clamou que “o número de tentativas de suicídio é quatro vezes maior na população adolescente transexual que na população geral“. Da mesma forma, a médica Johanna Olson-Kennedy, um dos mais conhecidos nomes da área e que é citada no texto que traduzimos mais adiante, também bate na tecla do suicídio nesta matéria do O Globo para convencer o público a aceitar aplicação de hormônios em menores de idade. Mesmo reconhecendo que não se sabe se isso é seguro:
A pediatra defende, inclusive, que médicos possam realizar cirurgias irreversíveis até mesmo nos corpos de menores de 18 anos, conforme você pode conferir neste vídeo que legendamos para o nosso canal no Youtube. A ideia de que essas intervenções evitariam mortes volta a aparecer na Exposição de Motivos da Resolução nº 2265/19, do Conselho Federal de Medicina, publicada em 2020 (e aguarde nosso texto acerca dessa Resolução!) Veja:
Pois bem. A questão do suicídio é extremamente complexa, delicada e precisa ser olhada com responsabilidade e cuidado. Assim, traduzimos um texto do site 4th Wave Now que analisa aquela que é a estatística mais citada nesse tema: a de que “41% das pessoas trans tentam o suicídio”. Esse número está, por exemplo, no site da organização transativista brasileira ANTRA, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais:
Após as notas de rodapé que fizemos ao texto do 4th Wave Now, trazemos nossa breve consideração final. Acreditamos, após o dia de hoje, você terá um olhar renovado sobre o tema.
Um forte abraço,
Equipe No Corpo Certo
A estatística trans de 41% de tentativas de suicídios: uma história de dados falhos e jornalistas preguiçosos
Se há uma constante em relatos sobre pessoas transgênero é a prevalência de intenção suicida. Quase todas as mídias citam uma taxa média de 41% de tentativas de suicídio. Uma pesquisa de palavras-chave no Google para “41% de suicídios transgênero” resulta em mais de 43.000 resultados.
Frequentemente, a taxa de tentativa de suicídio é apresentada no contexto de uma história sobre um jovem que precisa desesperadamente “transicionar” medicamente para o sexo oposto. Caitlyn Jenner mencionou esses 41% quando recebeu o prêmio de Coragem da ESPY no mês passado e especialistas em gênero como Johanna Olson rotineiramente trazem o suicídio como uma justificativa para tratamentos hormonais e cirúrgicos.
Em cada uma das histórias que li, a suposição tácita ou explícita é a de que a transição cura desejos suicidas.
Um pai ou mãe lendo uma dessas histórias ficará apavorado. A própria ideia de que um filho possa tentar o suicídio é o pior pesadelo que uma mãe ou pai poderia imaginar. A mensagem que está sendo martelada repetidas vezes é que nós só podemos salvar nossos jovens apoiando sua transição para o sexo oposto, sem fazer questionamentos, se é isso que eles dizem que querem. Ponto final. Fim da discussão. (Eu fui pessoalmente acusada de contribuir para o risco de suicídio de jovens simplesmente por levantar questões nos meus blogs.).
Então, de onde vem esse valor de 41%?
Muitas matérias na mídia não citam a fonte do índice de 41%, mas esta aqui cita: uma análise divulgada em janeiro de 2014 pelo Instituto Williams em colaboração com a Fundação Americana para a Prevenção do Suicídio. O relatório, Tentativas de suicídio entre adultos transgêneros e não-conformantes ao gênero (1), obteve seus dados de uma Pesquisa Nacional de Discriminação contra Transgêneros dos EUA de 2008, com 6.456 adultos (maiores de 18 anos) que se autodeclaravam transgêneros ou não-conformantes ao gênero. Destes, 2.566 (40%) eram biologicamente fêmeas (como sempre, as nascidas mulheres serão o foco principal do meu post).
Uma taxa de tentativa de suicídio de 41% é uma emergência. Certamente a análise do Instituto Williams é conclusiva o suficiente para justificar o crescente número de clínicas de gênero correndo para diagnosticar e começar a “transição” de jovens que se identificam como transgêneros? Os dados mostram de forma convincente que a disforia de gênero é aliviada pela “passabilidade” como alguém do sexo oposto e que a transição médica reduz as taxas de suicídio?
O estudo não faz tais análises.
Os autores do estudo estavam bem conscientes de suas limitações, como vou mostrar neste post. Mas você não precisa tomar minha palavra como verdade: leia a análise do Instituto AFSP/Williams você mesmo (a). Ela é escrita em linguagem acessível e tem apenas 18 páginas, muitas das quais são resumidas em tabelas fáceis de entender. Este material poderia ser absorvido até mesmo por um jornalista mediano, que presumivelmente é pago para estar, pelo menos minimamente, interessado nas conclusões reais da pesquisa. Mesmo uma blogueira em meio expediente, não remunerada e obscura como eu pôde digeri-lo em menos de uma hora.
Mas parece que os verdadeiros “repórteres” – mesmo aqueles que citam a fonte do índice de 41% – não analisam o relatório além de generalidades como: Estes resultados são surpreendentes… perturbadores.. alarmantes…
Sim, eles são. Uma taxa de tentativa de suicídio de 41% é horrível, especialmente quando comparada à taxa de suicídio de 4,7% para a população geral dos EUA e uma taxa de 10-20% para lésbicas, gays e bissexuais (esses números são dos autores da mesma pesquisa). O que exatamente a pesquisa nos diz sobre tentativas de suicídio de não-conformantes ao gênero (NCG´s) e da comunidade trans? O que está causando essa alta taxa de suicídio? Como na maioria das coisas, “o diabo está nos detalhes”.
Eu não vou tentar abordar todos os aspectos da análise do Instituto Williams neste post, mas vou destacar algumas das informações mais interessantes que eu recolhi; em particular, fraquezas e descobertas que não foram abordadas em outros sites que vi.
• Os autores ressaltam que a pesquisa foi falha porque apenas uma pergunta binária, com resposta Sim/Não, foi feita: “Você já tentou suicídio?”. Estudos mais cuidadosos e rigorosos sempre são acompanhados de entrevistas presenciais, e quando comportamentos autodestrutivos (não destinados a acabar com a vida) são desconsiderados (2), a taxa real de tentativa de suicídio é tipicamente reduzida pela metade, o que significa que a taxa de suicídios em questão poderia baixar para 20%.
• O índice mais alto de todos de tentativas de suicídio – 60+% – foi dos não-conformantes de gênero e das pessoas transgênero que autorrelatam ter um transtorno mental. Nenhuma grande surpresa nisso; é sabido que ter certas condições mentais é um fator de risco para intenções suicidas. Mas, segundo admitido pelos próprios autores, a pesquisa não fez nenhum esforço para pedir mais detalhes sobre esses problemas de saúde mental. A informação sobre ter uma condição mental foi auto-relatada, sem corroboração de registros médicos ou de um profissional. Também não houve qualquer tentativa de descobrir se a taxa real de doença mental foi objetivamente maior (via diagnóstico por um profissional de saúde mental) do que a relatada pelos sujeitos.
• As pessoas que procuraram ou receberam serviços relacionados à transição tiveram uma taxa de tentativa de suicídio maior do que as pessoas que não o fizeram. E a pesquisa não perguntou se as tentativas de suicídio ocorreram antes ou depois que os serviços foram procurados ou recebidos.
• Os resultados sugerem que as fêmeas biológicas parecem não ser ajudadas, em termos de automutilação, nem quando são trans “secretamente”, nem quando têm “passabilidade” como homens. (Este é um resultado oposto ao dos machos biológicos.).
Desde o início, na página 3, sob o título Métodos e Limitações, os autores reconhecem as falhas estruturais da pesquisa. Eles pedem cautela na interpretação dos resultados:
“Primeiramente, o… questionário incluiu apenas um único item sobre o comportamento suicida, que perguntava: “Você já tentou suicídio?”, com respostas dicotômicas de Sim/Não. Pesquisadores descobriram que o uso desta questão sozinha em pesquisas pode inflar a porcentagem de respostas afirmativas, uma vez que alguns entrevistados podem usá-la para comunicar comportamentos autodestrutivos que não são “tentativas de suicídio”, como: considerar seriamente o suicídio, planejar suicídio ou engajar-se em comportamentos de auto-mutilação sem a intenção de morrer… A Pesquisa Nacional de Comorbidades, uma pesquisa com representatividade nacional, descobriu que investigar a intenção de morrer através de entrevistas pessoais reduziu a prevalência de tentativas de suicídio ao longo da vida de 4,6% para 2,7% da amostra de adultos… Sem tais sondagens, nós estávamos impossibilitados de determinar até que ponto os 41 por cento dos participantes da NTDS que relataram ter tentado suicídio podem estar gerando uma superestimativa à prevalência real de tentativas… Além disso, a análise foi limitada devido à não realização de perguntas de acompanhamento aos entrevistados que relataram ter tentado suicídio sobre assuntos como idade e o status de transgênero/não-conformante ao gênero no momento da tentativa”.
Poderíamos parar por aqui e dizer que o principal índice da pesquisa – 41% – é inútil. Se, em estudos populacionais gerais, tem sido demonstrado que, sem perguntas de acompanhamento, a taxa de tentativas reais de suicídio poderia ser artificialmente inflada para quase o dobro, a taxa real para as pessoas NCG/trans poderia estar mais próxima de 20%. Além disso, os autores apontam que, sem possuir alguma noção de quando ocorreu o automutilação, não há como determinar se a identificação como não-conformante ao gênero ou transgênero foi o fator chave para o comportamento de automutilação.
Mas não vamos parar por aí. Mesmo que a taxa esteja mais próxima de 20%, ainda é inaceitavelmente alta. E automutilação é um problema enorme, independentemente de a intenção real de acabar com a vida estar presente ou não.
“Em segundo lugar, a pesquisa não explorou diretamente o estado de saúde mental e o
histórico, que foram identificados como fatores de risco importantes para as tentativas e
suicídios, na população em geral. Além disso, a pesquisa mostrou que o impacto de
eventos adversos da vida, como ser agredido ou estuprado, é mais grave entre as
pessoas com comorbidades como transtornos de humor, de ansiedade e outros transtornos… A falta de informações sistemáticas de saúde mental nos dados do NTDS limitou
significativamente nossa capacidade de identificar os caminhos para comportamentos
suicidas entre os entrevistados”.
Em outras palavras, a pesquisa é seriamente falha porque não há informações confiáveis sobre o estado real de saúde mental dos participantes e, uma vez que problemas de saúde mental são um risco conhecido para a automutilação, não há nenhuma maneira de descobrir com precisão se a taxa de tentativa de suicídio é alta assim devido à co-ocorrência de transtornos mentais – não necessariamente por causa da “disforia de gênero”. Além disso, outro fator de alto risco para o suicídio é ser agredido física ou sexualmente, especialmente para pessoas com transtornos mentais.
Ou seja, os autores nos dizem duas coisas: o índice de 41% deve ser interpretado com grande cautela e as causas da elevada taxa de automutilação/tentativas de suicídio (qualquer que ela seja realmente) – os “caminhos” – não podem ser determinados de forma confiável (3).
E as pessoas que foram contempladas ou que receberam serviços de transição médica? A pesquisa tabulou tudo, desde o aconselhamento relacionado à transição até a cirurgia genital:
Os entrevistados que disseram ter recebido cuidados de saúde relacionados à transição
ou que queriam recebê-lo um dia eram mais propensos a relatar ter tentado suicídio do que
aqueles que disseram que não queriam recebê-los. Esse padrão foi observado em todos os serviços e procedimentos relacionados à transição que foram explorados no NTDS [National Transgender Discrimination Survey].
As pessoas que disseram que “não queriam” esses serviços tinham uma menor taxa de automutilação. A transição médica, ou a busca pelos serviços de transição, diminui ou aumenta as estatísticas de tentativa de suicídio? Nós não sabemos, porque a pesquisa não perguntou aos entrevistados se os comportamentos autodestrutivos ocorreram antes ou depois que tais serviços foram procurados, como observam os autores:
A pesquisa não forneceu informações sobre o momento das tentativas de suicídio
relatadas no que diz respeito ao recebimento de cuidados de saúde referentes à
transição, o que impediu a investigação de explicações relacionadas à transição
para esses padrões.
Isto é muito importante: tenho visto mais frequentemente a taxa de 41% sendo mencionada, sem ressalvas ou análises, para justificar que jovens recebam serviços de transição médica. É evidente pelas próprias palavras dos autores que esta pesquisa não pode ser usada de forma responsável como base para a presunção de que a transição médica reduz os comportamentos autodestrutivos ao longo da vida.
E agora um dos resultados mais interessantes no relatório do Instituto Williams: as fêmeas biológicas
(ao contrário dos machos biológicos) que dizem que outras pessoas geralmente não as reconhecem como trans ou como não-conformantes de gênero têm a mesma taxa de tentativa de suicídio, ou mais alta, do que as fêmeas que são mais frequentemente reconhecidas pelos outros como mulheres.
Verificou-se que os homens trans (MpH) têm a mesma prevalência de tentativas de suicídio ao longo da vida (46%) independentemente de acharem que os outros podem dizer que eles são transgêneros… para os entrevistados nas duas últimas categorias de identidade de gênero – as designadas fêmeas que são cross-dressers e as designadas fêmeas (4) que são não-conformantes ao gênero/genderqueer – a prevalência de tentativas de suicídio ao longo da vida foi maior entre aquelas que disseram que as outras pessoas “ocasionalmente” ou “nunca” poderiam dizer que elas são trans ou não-conformantes ao gênero, em comparação com aquelas que disseram que as outras pessoas “sempre”, “na maioria das vezes”, ou “às vezes” poderiam dizer.
E, escondido depois no Resumo Executivo, encontramos o seguinte:
Importante ressaltar, nossas análises sugerem que o efeito protetor do não-reconhecimento é especialmente significativo para aqueles no espectro transfeminino. Para as pessoas do espectro transmasculino (5), no entanto, nossos dados sugerem que esse efeito protetor pode não existir ou, em alguns casos, pode funcionar na direção oposta.
O que significa “não ser reconhecido” como transgênero ou não-conformante ao gênero? Poderia ser uma destas duas coisas: ou essas fêmeas biológicas “têm passabilidade” como homens, ou são não-conformantes ao gênero secretamente, talvez praticando cross-dressing em casa, privadamente. Mas, em ambos os casos, ser discreta ou ter passabilidade não parece aliviar o desejo de autodestruição.
Estou supondo que pelo menos algumas das fêmeas biológicas que responderam a esta pergunta da pesquisa realmente interpretaram “as pessoas não podem dizer” no sentido de que elas geralmente “têm passabilidade” como homens. Assim, para pelo menos algumas destas fêmeas, ser percebida como homem não as ajudou. E as MpH´s, em geral, têm uma “passabilidade” melhor do que os HpM´s. Por que a “passabilidade” não aliviaria a angústia dessas fêmeas biológicas? O que está causando a angústia de meninas e mulheres que são não-conformantes ao gênero ou se identificam como homens trans?
Se os riscos de comportamentos autodestrutivos permanecem elevados para muitas jovens, independentemente de elas “passarem” ou não, não seria uma abordagem mais empática e prudente ajudá-las – e às suas famílias – a se aceitarem como mulheres que simplesmente não se encaixam nas normas sociais de gênero? Muitas dessas meninas, antes da transição, tinham uma vivência lésbica (mesmo quando rejeitam o rótulo de “lésbica”). O quão mais gentil seria ajudá-las a abraçar os únicos corpos que elas terão, com a preferência sexual que elas têm, em vez de endossar intervenções extremas que podem não resolver jamais sua disforia ?
Em outro lugar da pesquisa, aprendemos que a falta ou a perda de apoio familiar é um fator grande para o risco de comportamentos autodestrutivos. Isso parece óbvio. Mas apoio para quê? Aceitar a expressão de gênero ou a identidade de um ente querido não é a mesma coisa de embarcar em hormônios e cirurgias. Na verdade, ao encorajar a ideia de que eles precisam transicionar medicamente (o que leva a intervenções que podem durar uma vida e às vezes dolorosas) para serem felizes, será que a família e os especialistas em gênero não estão até mesmo aumentando o risco de comportamentos autodestrutivos?
É óbvio que os adolescentes que são não-conformantes ao gênero sofrem bullying e rejeição porque eles não cabem nas caixas estereotipadas de menino ou menina – independente de como eles subjetivamente se identificam. E, como todas as crianças, eles só querem ser aceitos. Ouça Ash Haffner, a jovem de 16 anos de Charlotte, Carolina do Norte, que se suicidou (assim como Joshua/Leelah Alcorn) correndo na frente de um veículo em movimento em fevereiro de 2015, tendo escrito dias antes de sua morte:
“se eu morrer… eu não quero ser lembrada como a garota gay com todas aquelas cicatrizes no braço. infelizmente, é isso que eu sou para um monte de gente. se pelo menos essas pessoas tivessem ficado em silêncio e mantido seus pensamentos ignorantes em suas cabeças então talvez eu não tivesse essas cicatrizes em meu braço. talvez. nem sempre era sobre o que eles tinham em suas cabeças, era sobre o que estava dentro da minha também. eu simplesmente não entendia por que eu me sentia daquele jeito tendo uma vida decente. eu posso ter vindo de uma família desestruturada, mas eu sempre tive um teto sobre a minha cabeça e uma mãe amorosa que me aceitou totalmente como eu era e nunca parou de tentar. ela foi a única pessoa que nunca perdeu a esperança em mim. mas, de qualquer forma, eu não quero ser lembrada como a menina com problemas, apenas lembrem-se de mim como alguém que entendeu e que ficou forte pelo máximo de tempo que conseguiu.”
A mãe de Ash, que, de acordo com relatos da mídia, aceitava a filha com qualquer gênero que Ash preferisse, falou:
“Ela estava tentando descobrir sua identidade”, disse Quick. “Ela se sentia como um menino preso no corpo de uma menina. Ela se encontrava no meio do caminho. As pessoas não estavam realmente dando a ela tempo para se entender. … Tudo o que ela queria era que as pessoas a aceitassem. … Ash começou a receber o maior bullying quando cortou o cabelo curto.”
A “não-conformidade de gênero” de Ash – seu cabelo curto, pelo amor de Deus – foi o que causou o aumento do bullying. Não é nosso desafio, como pais, como terapeutas, como sociedade, apoiar nossos jovens quando eles pisam fora das normas de gênero estereotipadas? Permitir que uma menina tenha um corte à escovinha ou use short tipo boxer? Que um garoto use um vestido se ele quiser?
A análise do Instituto Williams levanta muito mais questões do que as responde. Parece claro que ser – ou, mais precisamente, identificar-se com – algum aspecto da não-conformidade de gênero ou como trans está correlacionado com uma alta taxa de comportamentos autodestrutivos. Problemas de saúde mental, em conjunto com uma história de abuso físico e/ou sexual ou trauma, estão associados ao maior risco de automutilação. Mas, a julgar pelas evidências, os especialistas em gênero não parecem estar levando estes principais fatores de risco em conta ao prescrever a “transição” como uma resposta.
Se a maioria desses indivíduos que já se automutilaram acabará por se beneficiar da transição médica não se sabe (e, para os jovens, isso não será conhecido por anos, se não décadas), mas não há absolutamente nada na análise de pesquisa do Instituto Williams que indique que a transição médica diminuirá a intenção suicida ou a automutilação.
Nas palavras dos próprios autores da pesquisa:
Estudos bem desenhados que envolvem especificamente a comunidade transgênero
continuarão a ser necessários para identificar e iluminar as necessidades de saúde e
de saúde mental das pessoas transgênero, incluindo o acesso a serviços de saúde
adequados.
Que tal incluir as seguintes coisas em “serviços de saúde adequados” para as jovens com disforia de gênero?
• terapia familiar destinada a ajudar os pais e as jovens a aceitar ser uma mulher não-conformante ao gênero
• avaliação e terapia para problemas de saúde mental subjacentes, além da disforia de gênero
• mulheres fortes que sirvam como modelos para meninas e jovens e que não impliquem em se conformar com a aparência de uma estrela pornô
• apoio e aceitação da identidade lésbica, especialmente para as meninas que não se parecem com as “lésbicas” conformantes ao gênero e maquiadas de The “L” Word
Graças aos dados falhos disponíveis para nós, o salto na lógica para supor que a única escolha viável seria a transição médica ou a morte deveria envergonhar qualquer profissional, pesquisador ou jornalista minimamente competente. Os dados do Instituto Williams, se analisados honestamente, devem, em vez disso, estimular os profissionais a oferecer avaliação e tratamento de saúde psicológica eficazes para os jovens e suas famílias, e intervenções o menos invasivas possível.
Notas de rodapé da nossa equipe
(1) “Não-conformantes de gênero” (“NCGs”) são indivíduos que têm comportamentos, vestimentas, cortes de cabelo etc. que costumam ser associados culturalmente ao sexo oposto, mas que não se declaram “transgênero”. Exemplificando, os cantores Mart´nália e Pablo Vittar.
(2) A expressão em inglês “self harm” é associada em português genericamente a comportamento autodestrutivos e, mais especificamente, à autolesão ou automutilação. Ficamos na dúvida sobre qual seria a intenção original dos autores e optamos por combinar ambos os significados ao longo do texto.
(3) Esta pesquisa utilizou siglas e nomenclaturas, inclusive nas tabelas, que comentaremos em outras oportunidades no nosso site. “HpM” e “MpH” são a tradução das siglas “MtF” e “FtM”. “MtF”, em inglês, significa male to female, “de homem para mulher”. É uma sigla utilizada para descrever homens que realizaram modificações, em geral hormonais e ou cirúrgicas, para adquirir a aparência física de uma mulher (“mulheres trans”). Da mesma forma, MpH é a tradução para “FtM”, que em inglês significa female to male, “de mulher para homem”: mulheres que fizeram o processo físico para adquirir a aparência física de um homem (“homens trans”).
As nomenclaturas “cross-dressers” e “genderqueer” se confundem com a já mencionada expressão “não-conformantes de gênero”: homens ou mulheres que, habitual ou eventualmente, utilizam vestimentas, acessórios ou têm outras características comportamentais e preferências associadas ao sexo oposto, mas que não estão no grupo autoidentificado como “transgênero”.
(4) Female assigned, em inglês, significa “designada fêmea” e assigned female at birth, “designada fêmea no nascimento”. Talvez você já tenha visto também expressões como “pessoa AFAB” e “pessoa AMAB”; respectivamente, “assigned female at birth” e “assigned male at birth” – “designada fêmea ao nascer” e “designado macho ao nascer”. Embora esses termos sejam frequentemente utilizados por ativistas, acadêmicos (as) e até por médicos (as), trata-se evidentemente de linguagem pseudocientífica; todos sabemos que o sexo biológico, além de imutável, é determinado no momento da fecundação e não no do nascimento do bebê. Os profissionais de saúde não “designam” ou “assinalam” arbitrariamente o sexo biológico dos recém-nascidos e sim, simplesmente, o reconhecem.
(5) Convidamos você a questionar expressões como “espectro transfeminino” e “espectro transmasculino”. O que significa dizer que um homem “está no espectro transfeminino”? Que ele adotou alguns dos estereótipos atribuídos a mulheres, como vestidos e maquiagem? Que ele tem comportamentos atribuídos a mulheres, como ser sensível? Mas por que essas características o colocariam “no espectro transfeminino” em vez de fazer dele, simplesmente, um homem que gosta de vestidos e maquiagem e ou que é sensível? Da mesma forma, dizer que uma mulher estaria “no espectro transmasculino” coloca como masculinos comportamentos e características que também são encontrados em mulheres, como, exemplificando, a preferência por cabelos curtos. Homens e mulheres viveram e vivem de formas muito variadas ao redor do planeta e reduzi-los a estereótipos como roupas e acessórios é desumanizá-los.
Observações da equipe No Corpo Certo
Como a pesquisa “Transgender Survey 2015” analisada no texto acima – estranhamente – não indagou aos entrevistados que se declararam “transgênero” se suas tentativas de suicídio ocorreram antes, durante ou depois de serem oferecidos o que os entrevistadores denominam de “cuidados em saúde relacionados à transição”, não é possível concluir, com base nela, que estes “cuidados”, os quais incluíram hormônios e cirurgias, ajudaram ou não estes entrevistados. É importante frisar, também, que os entrevistados eram maiores de 18 anos e não crianças ou adolescentes mais novos; mais um motivo para que os resultados não sejam utilizados para justificar o fornecimento de hormônios e cirurgias para menores de idade.
Nós encontramos um artigo científico feito com pacientes brasileiros (as) de uma clínica de “gênero” diagnosticados (as) com disforia de gênero. Nos resultados, lemos que “Um total de 44 indivíduos participou do estudo: 36 (82%)mulheres trans, e 8 (18%) homens trans. Quarenta e três (98%) destes apresentaram ansiedade, sendo 36 (100%) mulheres trans e 7 (87,5%) homens trans, e 36 (82%) apresentaram depressão, sendo 29 (80,5%) mulheres trans, e 7 (87,5%) homens trans. Um total de 32 (73%) indivíduos já haviam tentado suicídio” (grifos nossos). A grande maioria dos pacientes declarou desejar cirurgias e hormônios e já fazia uso de hormônios mesmo antes de ser atendida pela clínica, mas o estudo não informou o momento das tentativas de suicídio; assim, não sabemos elas aconteceram antes ou depois do oferecimento dos “cuidados em saúde trans” pela clínica. Nem se ocorreram antes ou depois de terem começado a tomar hormônios. O estudo comprovou o sofrimento psíquico, mas não se o modelo oferecido por ambulatórios de “identidade de gênero” ou o uso de hormônios os ajudou a longo prazo.
Contudo, há outros dois estudos científicos que também abordaram a questão do suicídio entre pessoas que se autoidentificam como trans e que podem nos dar mais subsídios. Ambos cobriram longos períodos de tempo.
O primeiro é um estudo sueco publicado em 2011 sobre o que aconteceu com 324 pacientes que passaram pelo “processo transexualizador” no país ao longo de trinta anos: 1973 a 2003. A conclusão? “Pessoas com transexualismo, após redesignação sexual, têm riscos consideravelmente mais altos de mortalidade, comportamento suicida e morbidade psiquiátrica que a população em geral” (grifos nossos). Aliás, a Suécia foi o berço de dois documentários sobre arrependimento e destransição: “Os Arrependidos”, em 2010, centrado em dois homens adultos, e “The trans trend“, em 2019, com ênfase no que está acontecendo com as adolescentes.
O segundo é um estudo holandês publicado em fevereiro de 2020 e que pesquisou todos os 8.263 indivíduos que passaram por uma clínica de “identidade de gênero” em Amsterdã ao longo de 45 anos: de 1972 a 2017. Entre adultos, adolescentes e crianças; afinal, a Holanda inaugurou a prática de bloquear a puberdade de crianças e adolescentes fisicamente saudáveis diagnosticados com disforia de gênero. Este estudo investigou, especificamente, os casos de suicídios que se consumaram e o resultado foi de que “o risco de suicídio em pessoas transgênero é mais alto que o da população em geral e parece acontecer em todos os estágios da transição” (grifos nossos). Os suicídios consumados aconteceram tanto com pacientes no início do atendimento quanto ao final, quando as cirurgias irreversíveis já haviam sido executadas; aconteceram tanto com pacientes que abandonaram o tratamento quanto com aqueles que ainda estavam sendo atendidos. Aliás, a Holanda também produziu, através de sua emissora de TV pública, um documentário sobre arrependimento e destransição: “Transgender Regret“, em 2018.
O suicídio é um fenômeno extremamente complexo e pretendemos aqui, mais que trazer respostas, fazer perguntas e convidar você a também fazer as suas. Para começar…
Por que os chamados “cuidados em saúde trans”, mesmo quando oferecidos em países com ótima infraestrutura de saúde e alto nível de tolerância como Suécia e Holanda, não conseguem evitar que os pacientes, a longo prazo, atentem contra a própria vida?
Se os resultados em adultos são tão negativos, por que empurrá-los para crianças e adolescentes?
Qual o objetivo desse modelo de “tratamento”, disseminado mundialmente, inclusive no Brasil, por organizações como a WPATH? Garantir a saúde física e mental de homens e mulheres a longo prazo ou transformá-los em pacientes crônicos e lucrativos do sistema de saúde e da indústria farmacêutica?