Pouco a pouco, está sendo revertido o “modelo afirmativo de gênero”, sobretudo a prática de modificar os corpos de crianças e jovens com base em diagnósticos de “gênero”. Entre 2020 e 2021, diversos países implementaram mudanças para minimizar os estragos realizados pela redução da idade mínima para hormonizações (seja com hormônios bloqueadores de puberdade, seja com hormônios “cruzados”) e para cirurgias irreversíveis. Conforme denuncia o jornal The Economist, configura propaganda enganosa a promessa dos defensores dessa redução de que “os bloqueadores de puberdade são seguros e totalmente reversíveis”: entre outros efeitos colaterais, estas substâncias danificam os ossos das crianças e adolescentes:
Poucos divulgaram esses bons ventos no Brasil; assim, pedimos que você nos ajude a fazer este material circular até chegar àquele pai ou mãe que tem um garoto ou garota nesta situação. Eis as mudanças:
- Finlândia
Como todos os países nos quais médicos introduziram o “modelo afirmativo de gênero”, a Finlândia experimentou um súbito aumento no número de diagnósticos: “Entre 2003 e 2007, cerca de 20 pessoas por ano buscavam tratamento nesses centros, mas nos últimos anos esse número aumentou para 200-300 anualmente”, diz esta matéria publicada em 2019. Felizmente, o governo encarregou uma comissão de avaliar o que estava acontecendo (algo parecido com o que propomos em 2019 aos deputados do Estado de São Paulo, os quais até hoje não responderam se teriam interesse em impulsionar esta avaliação ou não). Com base nas conclusões, na data de 11 de junho de 2020, o Conselho sobre Escolhas em Cuidados em Saúde da Finlândia (COHERE Finland) expediu uma recomendação que você pode ler e baixar aqui. Conforme resume a campanha Gender Report, as novas diretrizes são:
> Diferenciar os tratamentos conforme a disforia surge na infância ou na adolescência;
> Reconhecer que a exploração acerca de identidades é uma fase natural da adolescência e restringir as intervenções médicas até que “a identidade e o desenvolvimento da personalidade pareçam estáveis”.
> Priorizar intervenções psicoterapêuticas e não-invasivas num primeiro momento, “devido às variações de identidade de gênero em menores de idade” – inclusive disponibilizando-as em escolas. Lembre-se que, no Brasil, conforme alertam psicólogos, o Conselho Federal de Psicologia ameaça cassar a carteira dos que não “legitimem identidades de gênero”; assim, ainda que as equipes “multidisciplinares” dos ambulatórios de “identidade de gênero” tenham psicólogos na equipe, eles estão obrigados a seguir essa norma.
> A hormonização só é começada se houver alguma certeza de que a “identidade” é de natureza permanente e causa disforia severa
> É preciso checar se não há contraindicação ao uso de hormônios bloqueadores de puberdade ou hormônios “cruzados” (isto é, do sexo oposto)
> Nenhuma cirurgia é permitida a menores abaixo dos 18 anos (como, infelizmente, acontece nos EUA.
Ainda de acordo com a matéria, adultos destransicionados como Nita – que, aliás, se submeteu às modificações já na casa dos vinte – denunciam que o ambulatório não explorou devidamente suas questões de saúde mental:
“Nita disse à Yle que ela lidava com uma série de questões de saúde mental desde a adolescência, incluindo depressão, transtornos alimentares e comportamento autodestrutivo. ´Mas mesmo com meu histórico de saúde mental, os médicos me deram com facilidade um diagnóstico transgênero´, lamenta. A notícia diz também que transativistas insistem em apressar o processo: “[Médicos] ´são cuidadosos demais na Finlândia e isso está fazendo muitos jovens ficarem mal´, diz Tanja von Knorring, da Trasek, uma organização finlandesa pelos direitos transgênero e intersexo”.
- Reino Unido
Em dezembro de 2020, conforme a No Corpo Certo noticiou, a Alta Corte (“High Court”) do Reino Unido deu ganho de causa à jovem destransicionada Keira Bell na ação que esta moveu contra o sistema de saúde britânico. A Corte não proibiu o uso de hormônios bloqueadores de puberdade em menores de 16 anos, mas decidiu que eles só podem ser utilizados mediante decisão judicial: “Dadas as consequências a longo prazo das intervenções clínicas em análise neste caso, e dado que o tratamento é novo e experimental, nós reconhecemos que os médicos devem considerar estes como casos em que a autorização judicial deve ser buscada anteriormente ao início do tratamento clínico”. Os juízes concluíram aquilo que qualquer adultos sensato sempre soube: crianças e jovens não têm capacidade para compreender e consentir com este processo:
“Uma criança abaixo dos 16 anos só pode consentir com o uso de medicação que vise a suprimir a puberdade se ele ou ela tiver capacidade para compreender a natureza do tratamento. Isso inclui a compreensão das consequências imediatas e a longo prazo do tratamento, as evidências limitadas disponíveis referentes a sua eficácia ou propósito, o fato de que a grande maioria dos pacientes prosseguem para o uso de hormônios cruzados e as consequências que podem potencialmente mudar a vida de uma criança. Haverá enormes dificuldades para uma criança abaixo dos 16 anos compreender e sopesar essa informação e decidir se consentirá com o uso de medicação para bloquear a puberdade. É altamente improvável que uma criança de 13 anos ou menos tenha capacidade para consentir com a administração de bloqueadores de puberdade. É duvidoso que uma criança de 14 ou 15 poderia compreender e sopesar os riscos a longo prazo e as consequências da administração de bloqueadores de puberdade. A respeito de jovens de 16 anos e mais, a posição legal é que há uma presunção de que tenham a capacidade de consentir com tratamentos médicos. Dadas as consequências a longo prazo das intervenções clínicas neste caso, e considerando que este tratamento é tanto novo quanto experimental, nós reconhecemos que os médicos devem, também nestes casos, encará-las como casos em que a autorização judicial deveria ser buscada antes de iniciar o tratamento clínico”.
Esta decisão, que pode ser baixada aqui, foi um divisor de águas e proferida após extensa análise de artigos, documentos médicos e depoimentos de todos os lados, inclusive profissionais de saúde, pacientes e seus familiares. O processo ajuizado por Keira, cuja declaração logo após a vitória foi veiculada no nosso canal do Youtube, ainda não terminou: o ambulatório que a mutilou apelou da decisão e, para bancar os custos da ação, ela teve que fazer uma “vaquinha”. De acordo com a BBC, a ONG “Mermaids” (“Sereias”, uma espécie de “Mães pela Diversidade” britânica), lamentou as novas medidas protetivas: “Outra organização ligada à identidade de gênero chamada Mermaids argumenta, por sua vez, que pessoas com disforia de gênero (ou incongruência de gênero, quando a pessoa sente desconforto ou sofrimento por haver uma desconexão entre seu sexo biológico e sua identidade de gênero) esperam em longas filas por acompanhamento médico”. A ONG tem como alvo menores abaixo dos 19 anos e recebe milhares de libras em financiamentos, .
Em março de 2021, o Instituto Nacional para a Excelência na Saúde e em Cuidados (NICE – National Institute for Health and Care Excellence) conduziu uma revisão sistemática dos estudos produzidos sobre hormônios bloqueadores de puberdade e hormônios “cruzados”. A conclusão foi pela baixa qualidade dos estudos que alegam sua eficácia. Na avaliação da SEGM, “as incertezas significantes em relação ao risco/benefício a longo prazo das intervenções hormonais ´afirmativas de gênero´ chamam por abordagens não-invasivas como o primeiro passo dos tratamentos para a jovens”. “SEGM” significa “Society for Evidence Based Gender Medicine” ou “Sociedade por uma Medicina de Gênero Baseada em Evidências” e é uma das poucas associações internacionais de profissionais de saúde que se posiciona de maneira abertamente crítica a esse modelo.
- Suécia
O hospital mais importante da Suécia e um dos mais importantes hospitais do mundo, o Karolinska, decidiu que não mais irá utilizar hormônios bloqueadores de puberdade em menores abaixo dos 18 anos (matéria jornalística aqui, link para não assinantes aqui). A notícia foi dada em primeira mão no dia 5 de maio pelos profissionais da SEGM. A decisão, divulgada em abril, se coaduna com o relatório produzido no país em 2019 e pode ser lida em sueco aqui e em inglês aqui. Trecho:
“Estes tratamentos são potencialmente carregados de extensas e irreversíveis consequências adversas como doenças cardiovasculares, osteoporose, infertilidade, aumento do risco de câncer e trombose. Isso torna desafiador avaliar o risco/benefício para o paciente individualmente e ainda mais desafiador para menores e seus responsáveis estar em posição de ter um consentimento informado em relação a esses tratamentos”.
Lamentavelmente, a decisão do Hospital Karolinska chegou tarde para muita gente: assim como os ambulatórios de “identidade de gênero” de outros países, a instituição também foi acusada de apressar as intervenções corporais e de prejudicar os pacientes, de acordo com o documentário “The trans train”. A Suécia experimentou, entre 2008 e 2018, um aumento de diagnósticos de 1.500% (mil e quinhentos por cento!), de acordo com o jornal The Guardian, sobretudo entre meninas. O jornal noticia também a atuação do lobby LGBT sobre os governos: “No outono de 2018, o governo social-democrata, sob pressão do grupo gay, lésbico e transgênero RFSL, propôs uma nova lei que reduziria a idade mínima para serviços médicos de redesignação sexual de 18 para 15 anos, removeria toda a necessidade de consentimento parental e permitiria que crianças a partir dos 12 anos mudassem seu gênero nos documentos”.
Quinze anos.
Estados Unidos
Os Estados norte-americanos têm grande autonomia para criar leis. Com base nisso, o Estado do Arkansas se tornou, em março de 2021, o primeiro a proibir médicos de aplicarem hormônios e ou fazerem cirurgias nestes garotos e garotas (link para não-assinantes aqui). A HB1570 foi aprovada por 28 votos contra 7 e os médicos que a desobedecerem poderão perder a licença. Além do mais, de acordo com a mesma matéria do jornal Gazeta do Povo,
“O projeto, que foi chamado de Lei para Salvar Adolescentes de Experimentos (Safe Act), deve proibir que fundos públicos sejam concedidos a organizações ou entidades que forneçam procedimentos de mudança de gênero para menores de 18 anos.
Isso proibiria as instalações estatais de fornecer cuidados relacionados à transição e proibiria o programa Medicaid do Arkansas de reembolsar ou fornecer cobertura para cuidados de mudança de gênero para pessoas menores de 18 anos”.
O Estado do Texas também aprovou um projeto de lei que criminaliza a hormonização e as cirurgias em crianças e adolescentes. A Senate Bill 1646 classifica estas modificações corporais radicais, caso feitas em menores abaixo dos 18 anos, como abuso infantil. Os profissionais estão proibidos de “prescrever e performar procedimentos de transição de gênero ou redesignação de gênero para crianças, incluindo cirurgias, drogas bloqueadoras da puberdade e hormônios cruzados”.
A situação no país é gravíssima: os cirurgiões operam até mesmo meninos e meninas com menos de 15 anos. Esta matéria noticia que o Senador Bob Hall, autor do projeto da lei, declarou: “Acredito que nós temos a responsabilidade de proteger as crianças. Acredito que é nosso dever proteger aqueles que não podem proteger a si mesmos”. A matéria também reporta que ativistas da sigla “LGBTQIA+” criticaram a iniciativa.
Austrália
No dia 9 de maio de 2021, a National Association of Practising Psychiatrists publicou novas diretrizes para tratar “disforia ou incongruência de gênero em jovens”. O guia para profissionais de saúde, que foi construído em conjunto com psicólogos sugere, entre outras medidas:
> Que jovens devem ser vistos em sua totalidade, de maneira holística, e que um assessoramento biopsicosocial compreensivo deve ser conduzido antes de recomendar tratamentos específicos;
> Que a infância e a adolescência é uma época de rápido crescimento físico e psicossocial em que questionamos nossa identidade, orientação sexual e gênero e que a maioria aceita o sexo e o corpo antes da idade adulta;
> Que disforia/incongruência de gênero pode ser tanto um sintoma quanto uma síndrome e que para um jovem ter a síndrome é preciso haver um padrão significativo, estabilizado e prolongado e que pode ser a manifestação de complexas condições familiares, sociais, psicológicas e psiquiátricas e que quando presentes o tratamento de condições subjacentes é uma prioridade;
As novas diretrizes australianas prevêem que que as intervenções psicossociais (psicoeducação, terapia individual, ligações escola-família, terapia familiar) sejam os tratamentos de primeira linha para estes jovens e antes que intervenções físicas sejam consideradas e, repetindo o que falamos no nosso site, que “intervenções médicas para bloquear a puberdade e tratamento com hormônios cruzados para obter feminização e masculinização de acordo com o gênero percebido pelos jovens não são totalmente reversíveis e podem causar significativos efeitos adversos no desenvolvimento físico, cognitivo, reprodutivo e psicosexual”. Finaliza lembrando que não há consenso entre especialistas sobre os benefícios a longo prazo, que cada vez mais indivíduos que passaram por esse processo se arrependem e avisa que os profissionais de saúde estão expostos a um significativo risco de ações judiciais ao prescrever essas intervenções.
Para finalizar…
Quando se pesquisa as notícias acima no Google, encontramos matérias tendenciosas, com expressões do tipo “impedir acesso a saúde de crianças trans”, “projetos de leis anti-trans” e “banir tratamentos de afirmação de gênero”. Essa linguagem sugere que o sentimento de inadequação seria fixo – uma “identidade de gênero” “trans” em vez de um estado de confusão ou sofrimento psíquico que em geral é provisório. Além do que, “afirmação de gênero” e “transição de gênero” são eufemismos para esconder que, dado que seres humanos não podem mudar de sexo, estes médicos estão, tecnicamente, oferecendo serviço estéticos, que mudam algumas partes do corpo mas que não têm o condão de transformar meninos e homens e meninas e mulheres e vice-versa. Um serviço que pode ter um grande custo para a saúde física e mental do paciente.
Houve também exploração da imagem de crianças recitando falas adultas, como foi o caso de Kai Shappley, de apenas 10 anos. As declarações de sua mãe, inclusive, sugerem que o motivo de a família declará-lo uma menina foi o medo de “ter um filho gay”.
Finalmente, verifica-se que organizações transativistas e “LGBTQIA+” atuaram e atuam contra os interesses dos pacientes e da sociedade em geral, pois apressam um processo que deveria ser extremamente cauteloso e que obriga todos a, em algum nível, priorizar a ideia de “identidade de gênero” em detrimento da realidade do sexo biológico. As pressões desses grupos dentro dos serviços de saúde em particular e na vida pública em geral deveriam ser vistas de forma mais crítica e corajosa por todos nós.
Ainda que estes ventos sejam encorajadores, estamos muito longe de uma reviravolta a nível mundial. Já existem clínicas que oferecem até mesmo um procedimento batizado de “nulificação”, eufemismo para castração cirúrgica de homens sem a realização de “vaginoplastia” – ou seja, o paciente fica com a região genital sem nada, “nula”. Estes homens, que se declaram “não-binários”, “nullos” ou outras nomenclaturas, são os eunucos no século 21; se tirarmos o jargão de “gênero”, estes “tratamentos” seriam considerados lesão corporal gravíssima em qualquer país do mudo. Há também clínicas que fazem a “vaginoplastia” mantendo o pênis do paciente, que fica então com dois genitais aparentes.
O que acontecerá quando médicos e ativistas da sigla “LGBTQIA+” brasileiros clamarem que o SUS deve oferecer essas modificações, alegando que, caso contrário, estes pacientes irão se suicidar? O que responderemos, já que a partir dos 18 anos as cirurgias irreversíveis são permitidas no Brasil e os especialistas locais também legitimam as ideias de “não-binariedade” e “fluidez de gênero”? Como ficará um país que sofre há décadas com mazelas na saúde pública tendo que fornecer cada vez mais serviços de modificação corporal, durante anos, para pessoas fisicamente saudáveis? A prefeitura de São Paulo, tão cooptada quanto o Estado de mesmo nome, está planejando – em plena pandemia! – construir mais um ambulatório de “identidade de gênero”. Ao invés de investir realmente em saúde mental, propiciando aos pacientes uma abordagem cuidadosa e holística, o foco é segregá-los num local e sob diretrizes que beneficiam os interesses financeiros, políticos e ideológicos de laboratórios, médicos, acadêmicos queer e ativistas da sigla “LGBTQIA+”. Talvez muitos meninos, meninas e adultos vulneráveis do Brasil e do mundo sejam machucados antes que a sociedade compreenda as consequências de olhá-los como objetos modificáveis e não seres humanos inteiros.