Mensagem para as leitoras e leitores
Caras e caros,
submetemos a vocês a resenha daquele que talvez seja o livro mais polêmico lançado no ano passado, “Irreversible Damage” (“Dano Irreversível”), da jornalista Abigail Shrier. O texto foi gentilmente escrito pela psicóloga Carolina Rabello Padovani (CRP-SP 93.638), a quem conheci depois que leitoras enviaram as postagens que ela fez sobre o assunto em seu Instagram, divididas em uma série de três: parte 1, parte 2 e parte 3 (vale a pena ler também o post em que ela recomenda outro livro que tem tudo a ver com o tema, o “IGen”, e também aquele em que ela introduz a série). Perguntei se ela poderia escrever uma resenha para o site e, para a nossa satisfação a resposta foi positiva. Muito obrigada, dra.!
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Abraços e até a próxima!
Resenha do livro “Irreversible Damage: the transgender craze seducing our daughters”
Em 15 de julho de 2020, Julian Vigo escreveu para a revista Spiked Online uma resenha sobre o recém-publicado livro de uma premiada jornalista do jornal Wall Street, Abigail Shrier. Lançado no dia 30 de junho de 2020, em pouquíssimo tempo o texto rendeu discussões. A Amazon informou à editora, Regnery, que não publicaria nenhum anúncio pago do livro. Segundo Vigo, a Amazon explicou que a obra continha elementos que podiam “não ser apropriados para todos os públicos”, como poder incluir um texto de anúncio conteúdo de livro que inferia ou afirmaria “diagnosticar, tratar ou questionar a orientação sexual”. Digno de destaque é que o livro não questiona a orientação sexual e, de qualquer maneira, apesar do posicionamento da empresa, ele continua à venda na Amazon.
Olhando a classificação do livro na página do Google podemos ver que há uma nítida polarização nas notas atribuídas pelos prováveis leitores (se assumirmos que todos os avaliadores leram tudo): a pessoa ama ou odeia o livro. De minha parte posso dizer que Shrier deu-me a impressão daquele jeito dos contadores de histórias, com o acréscimo do jornalismo informativo (o livro é cheio de referências). É como um documentário escrito capaz de cativar, porém seria realmente improvável que agradasse a gregos e troianos dado o assunto sobre o qual se debruça.
Que livro é esse? Trata-se de “Irreversible Damage: the transgender craze seducing our daughters” (em tradução livre, “Dano Irreversível: a moda transgênero seduzindo nossas filhas”). Podemos presumir que o título (“Dano Irreversível”) teve sua escolha orientada pelo marketing, afinal, livros novos têm que ganhar o leitor pela capa, diferentemente de um clássico. Porém, Shrier aponta diversos efeitos colaterais do processo de transição e muitos deles são, de fato, irreversíveis.
Antes de falar sobre o livro gostaria de informar sobre outro cuidado nessa tradução livre do título. Optei por traduzir “craze” como “moda” (e não para “loucura” como vi em outros lugares que fizeram resenhas sobre o livro) para não ser infiel à autora, que coloca o uso do termo “craze” vinculado à frequência estatística, como “um termo técnico em sociologia, não pejorativo”, que poderia ser descrito como “um entusiasmo cultural que se espalha como um vírus” (palavras de Shrier). O termo, assim, dá a sensação de contágio – o que, para a jornalista, seria um conceito preciso acerca do papel da internet na “epidemia trans”: “essas garotas agora constituem a maioria”.
Ainda sobre o título, observamos a preocupação de Shrier enquanto mãe ao dizer “nossas filhas”. Em muitos momentos a jornalista não apenas se identifica com as mães, mas retoma a própria adolescência. Suas percepções mesclam-se às conversas que teve com meninas, pais, conselheiros, terapeutas, médicos, bem como com aqueles que se arrependeram dos procedimentos de transição. Provavelmente em uma tentativa de abertura de diálogo, Shrier conversou com os dois lados, tanto contra quanto a favor, e logo no início do livro destaca seu compromisso com a liberdade de expressão. Penso nisso como um dos méritos de sua empreitada – zelo raro nesses dias correntes, isso de ouvir aqueles com os quais discordamos.
Separei alguns tópicos do livro para esta ocasião. Claro que não substituem a leitura e tampouco esgotam os assuntos abordados pela jornalista, mas espero que incentivem os futuros leitores. Sou da linha de João Pereira Coutinho quando ele afirma o motivo para se ler: “a vida é mais fácil quando lemos”.
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“Transgêneros adultos são um assunto diferente”, destaca Shrier. A autora conversa com Buck Angel, que é provavelmente o homem trans mais famoso do planeta. Na ocasião com 57 anos, Buck diz que adolescentes são adolescentes, que eles ainda estão tentando descobrir quem são e deveriam ser vistos assim (como adolescentes) pelos adultos.
Uma das questões levantadas pela autora é a mudança de frequência de uma condição rara (a disforia de gênero tem prevalência na literatura especializada de 0,01% da população e acomete na maioria meninos adolescentes) e que passou a aparecer em tantas adolescentes sem histórico na infância de desconforto com o sexo biológico.
O que aconteceu? Segundo o psicólogo Jonathan Haidt, o que mudou no cenário foi o aparecimento das mídias sociais. Com a presença dos smartphones dispararam as taxas de suicídio, depressão, anorexia e automutilação. O acesso constante à internet permite aos adolescentes terem contato com uma pluralidade de tutoriais sobre como emagrecer, como esconder a perda de peso ou os cortes, como informar os critérios diagnósticos “certos” para iniciar o ciclo de testosterona. Importante um cuidado: não podemos culpar a tesoura por cortar o papel; o problema aqui é sistêmico e, portanto, multifatorial. E ainda é momento oportuno para perguntar se alguém, por acaso, já viu algum adolescente feliz com o próprio corpo?
O que esse tutorais costumam vender é a garantia de uma nova vida, de uma nova identidade. A puberdade sempre foi e, arrisco dizer, sempre será um desafio. Ao que tudo indica (Shrier menciona em vários pontos o livro da psicóloga Jean Twenge, IGen – esse com tradução para o português e prefácio de Luiz Felipe Pondé) para os adolescentes de hoje está mais difícil: eles estão mais seguros fisicamente, mas muito mais vulneráveis emocionalmente.
Para Abigail Shrier não há dúvidas de que esses adolescentes estão em sofrimento e que as mídias sociais “não lhes dão um dia de sossego”. Um grande problema é que eles não estão recebendo o tratamento de que precisam, pois ninguém os está questionando. Uma vez que o adolescente diz ser “trans” o processo de transição é iniciado, conduta que não vemos quando alguém procura terapia porque pensa em suicídio ou em romper um relacionamento. Pelo contrário, o caminho da terapia é dialético, ele requer que lancemos olhares para diferentes lados para ganharmos perspectiva. Portanto, não se está dizendo que não existe disforia de gênero (ou outro termo que queiram usar), mas que não se trata conflito sem se encarar as contradições, e o ser humano é, como sempre foi, um grande punhado delas.
Carolina Rabello Padovani. Pós-doutorado em Ciências pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Doutorado e Mestrado em Ciências pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Psicóloga, bacharel e licenciada em Psicologia pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IPUSP). Especialista em Neuropsicologia pelo Centro de Estudos Psico-Cirúrgicos do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo (CEPSIC – HCFMUSP). Participante do Grupo de Pesquisa “Comportamento Político” do Laboratório de Comportamento, Política e Mídia (Labô) da PUC-SP. Escritora.