Cara leitora ou caro leitor,
Neste mês de maio, você certamente viu diversas notícias sobre “maternidade trans”. Era uma questão de tempo isso acontecer: a partir do momento em que homens são reconhecidos por leis e ou decisões judiciais como mulheres, consequentemente exigiriam ser reconhecidos como quaisquer derivações do ser mulher, como o ser mãe. Alguns destes indivíduos, inclusive, estão “amamentando” bebês (ou, ao menos, simulando isso em fotos nas redes sociais). Sempre digo que não sei o que é pior: o bebê chupar um peitoral masculino do qual nada sairá ou sorver uma mistura de hormônios sintéticos que não o nutrirá e ainda, certamente, prejudicará a sua saúde. Você também deve ter ouvido falar de uma suposta “paternidade trans”: fêmeas humanas com corpos modificados pela testosterona e cirurgia que se autodeclaram “pais” de seus bebês. Há inclusive “casais trans”, formados por “mulheres trans” com “homens trans” a quem a mídia louva como “revolucionários” e “símbolos de diversidade” quando casais heterossexuais existem há alguns milhares de anos e são provavelmente a esmagadora maioria dos pares no mundo… Lamentamos que médicos, psicólogos, fonoaudiólogos, doulas e outros profissionais, até mesmo os que se dizem ligados ao parto humanizado, estejam explorando esse nicho de mercado e que estes bebês não tenham tido a oportunidade de serem beneficiados por este alimento; a importância da amamentação já foi amplamente comprovada. Ainda que o bebê seja alimentado unicamente com leite artificial por ambos os genitores, sem a sucção dos mamilos, essa situação está longe de ser a ideal quando um dos dois tinha plenas condições de fazê-lo se tivesse sido ajudada a aceitar a realidade – de que ela é mulher.
Recebemos muitas mensagens indignadas em nosso Instagram sobre o apagamento de mães pela novilíngua (“pessoas grávidas”, “pessoa parturiente”, “pessoa lactante”…), as consequências para a saúde de bebês da paródia do aleitamento e a confusão que haverá na cabeça desses filhos e filhas. Esse foi, definitivamente, o #peaktrans de muita gente (“peak trans” ou “pico trans” é uma expressão que denota a tomada de consciência sobre o que é realmente o discurso “trans” e seu impacto nos direitos da população, particularmente de crianças, adolescentes e mulheres). Esperamos que essa onda de indignação se concretize em tomadas de decisão e que vocês não se calem diante da batida acusação de “transfobia”.
Providencialmente, neste mês, a leitora “A.M.” nos enviou uma resenha sobre o episódio “Leite materno é ouro líquido”, da série da Netflix “Indústria da Cura”. Segue abaixo a resenha, com ligeiras modificações – e leia ao final nossa breve observação sobre o que o episódio nos ensina sobre mais esta prática em nome da “diversidade e inclusão”. Ah, e não deixe de seguir e assistir os vídeos lançados este mês no nosso canal do Youtube, inclusive mais um sobre um tema que vocês sempre pedem: destransição.
Abraços e até a próxima,
Eugênia Rodrigues
Jornalista
Porta-voz da campanha No Corpo Certo
“Indústria da Cura”: o que o episódio sobre leite materno nos ensina sobre ciência e (ausência de) ética
(#pratodosverem : imagem do episódio retratando leite materno em vidrinhos).
“Indústria da Cura” é uma série documental da Netflix que investiga tratamentos alternativos populares – e muito lucrativos. Em seis episódios, o programa fala de óleos essenciais, sexo tântrico, jejum, ayahuasca, veneno de abelha e leite materno. Aqui, vamos comentar o episódio sobre leite materno sob um ponto de vista de proteção da saúde e da integridade física e psíquica de mulheres e bebês.
O título do capítulo já chama a atenção: “Leite materno é ouro líquido”. Até o momento, apenas ele e o das abelhas (“Veneno do bem”) receberam nomes que adjetivam a “terapia” apresentada e de maneira positiva, pois compara o leite materno com ouro e diz que o veneno de abelha é “do bem”. Os outros quatro episódios trazem como título apenas o assunto investigado: “Óleos essenciais”, “Sexo tântrico”, “Jejum” e “Ayahuasca”. Ou seja, pelos títulos, o espectador pode pensar que tanto o leite materno quanto o veneno de abelha seriam igualmente bons, e de fato o leite materno comprovadamente o é, para bebês. Mas o programa não tratará dos benefícios óbvios e amplamente comprovados da substância para recém-nascidos.
Um outro fato digno de nota é que, em inglês, ele usa diferentes termos para leite materno, a depender do entrevistado, e as legendas em português acompanham essa variedade de expressões. Além de breast milk (literalmente, “leite de peito”) e human breast milk (literalmente, “leite de peito humano”), que são traduzidos como leite materno, temos human milk, que é traduzido de maneira literal: “leite humano” – como se ambos os tipos de seres humanos engravidassem e como consequência da gravidez produzissem leite. Apenas dois entrevistados usam o termo mother’s milk, que literalmente significa “leite de mãe” e foi traduzido, corretamente, como leite materno. Ao utilizar essa terminologia variada, o documentário apaga a realidade material de que o leite vem de mulheres lactantes. Através da manipulação de linguagem, a obra te induz a acreditar que a condição de mãe é tangencial ao tema da amamentação e não central.
Feitas estas duas observações, sigamos.
O programa aborda como o leite materno está sendo usado como “complemento alimentar” por atletas e no tratamento de câncer e praticamente ignora as questões éticas do uso desse alimento por homens adultos. A primeira personagem é casada e mãe de duas meninas: Elisabeth Anderson-Sierra, que, segundo a própria, sofre de síndrome de hiper-lactação e há quatro anos e meio produz leite e gasta de quatro a cinco horas por dia bombeando os seios. O marido diz que a apoia porque isso é parte da “identidade” dela e a fala inicial do casal é que o leite é destinado, primeiro, ao consumo interno e o excesso, doado. Mas, com o desenrolar da entrevista, vemos que na verdade Elisabeth também vende seu leite na internet e, além das filhas, também o marido de Elisabeth consome o leite da esposa e a própria mulher também é consumidora.
Uma das desculpas de adultos para consumir o leite materno seria a de “suplementação para atletas”; assim, o segundo personagem é um fisiculturista, Jameson J. J., que faz uso dessa “suplementação”. Antes, ele consumia o leite da ex-mulher, mas depois de separado se viu obrigado a comprar. O episódio acompanha a negociação; quem vende para ele é Tiffany Kranz, que pretende ganhar uma renda extra com a venda de leite para adultos, já que 30ml valem US$0,50. A cena da venda é constrangedora com direito a uma piadinha de J.J. sobre a transação, comparando-a a venda de drogas. Segundo o programa, há quem acredite que o leite materno também seria eficaz contra o câncer e então conhecemos Howard Cohen, personagem que consome leite materno há mais de 20 anos supostamente para combater um câncer de próstata. Ele retira gratuitamente o leite que consome no banco de leite, ainda que o estoque não seja suficiente para os bebês da cidade, o que é sintomático para compreendermos o lugar de crianças e bebês no mundo.
(#pratodosverem: imagem de um homem branco de cabelo e barba castranhos bebendo um copo grande de leite).
Alguns profissionais são entrevistados para refutar as crenças de que leite materno serviria como suplemento para atletas e no combate ao câncer. A epidemiologista Sarah Keim explica que não se deve compartilhar leite materno, pois pode estar contaminado com doenças e contaminantes ambientais uma vez que não há pasteurização ou qualquer controle das condições de armazenamento. Ela comenta sobre uma pesquisa feita em 102 amostras de leite materno compradas pela internet e o resultado é assustador. O professor de Alimentos e Química da Universidade da Califórnia em Davis Bruce German estuda leite materno há 25 anos e é categórico em afirmar que o leite não é bom para atletas por ter um alto teor de açúcar, já que é rico em lactose. O pesquisador de medicina infecciosa experimental da Universidade de Lund, Anders Hakansson, explica que a proteína que em testes de laboratório foi eficaz contra células tumorais e bactérias mas é digerida pelo intestino e não há garantia de que ela consiga chegar ao tumor. Mas a especialista mais incisiva e a que aborda a questão ética do consumo de leite materno por adultos é Katie Hinde, professora da Universidade do Arizona. Segundo ela, não há que se discutir se leite materno é eficaz para atletas ou contra câncer, uma vez que mães e bebês ainda são negligenciados em nossa sociedade.
O episódio pecou por não problematizar um assunto tão complexo: pouco se falou da exploração de mulheres nos casos de compra e venda de leite (qual a classe social das que precisam vendê-los?) e nem do consumo por adultos ser apenas um fetiche sexual (inclusive, há diversos vídeos pornográficos sobre isso espalhados pela internet). Apesar de as falas dos especialistas contradizerem os personagens que fazem uso do leite materno, os exemplos apresentados dão a ilusão de que ele funciona: o fisiculturista garante que ganhou mais músculos e o paciente de câncer de próstata diz que está estabilizado sem fazer uso de medicações. Um episódio que se propõe a criticar, mas que mais parece uma propaganda.
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Nossa observação
A escravidão é execrada porque, sabemos, seres humanos não são mercadoria. Contudo, o século 21 mantém a comercialização e a cessão, legal ou ilegal, de partes do corpo, secreções e certas funções corporais – eventualmente, até mesmo dos próprios seres humanos inteiros, como no caso do tráfico de pessoas. Falar em venda de leite materno é falar de comodificação da biologia humana.
E a comodificação da biologia humana é o cerne da indústria da “identidade de gênero”: a homens, são vendidos (ou fornecidos gratuitamente, no caso de sistemas públicos de saúde) atributos biológicos femininos, a mulheres os atributos da biologia masculina e aos que se crêem “não-binários” é vendida até mesmo procedimentos de de “anulação” de genitais, criando-se eunucos modernos – os “nullum”. Depois de naturalizadas essas intervenções em adultos ao longo do século XX, elas se ampliaram no século XXI para abocanhar adolescentes e crianças, a quem ambulatórios de “identidade de gênero” performam cirurgias em determinados países, como os EUA, e ministram tanto os hormônios sintéticos do sexo oposto quanto os hormônios artificiais bloqueadores da puberdade – no Brasil, com recursos do SUS. Através dos bloqueadores, a medicina da “afirmação de gênero” criou um novo tipo de ser humano, que pode chegar à idade legal de consentimento para relações sexuais (no Brasil, 14 anos) com a aparência física e eventualmente a mentalidade de uma criança de 10. Nós sabemos a quem isso interessa, ainda mais quando estas mesmas pessoas e instituições defendem a prática de homens de colocarem, bebês para sugarem seus mamilos.