Caro leitor ou cara leitora,

 

é com um misto de tristeza e alegria que publico o depoimento de Fabrício Santos, um jovem do Rio de Janeiro com quem conversei dias atrás pelo Google Meet. Tristeza porque a história dele mostra o quanto as pessoas se aproveitam de crianças e jovens vulneráveis e alegria porque ele sobreviveu para contar a história, teve a coragem de buscar ajuda e está tentando construir um mundo melhor para pessoas que destransicionaram. Fabrício inclusive procurou políticos para que eles protocolassem projetos de lei ou tomassem outras iniciativas para garantir recursos do SUS para reverter as modificações corporais realizadas por esta população – infelizmente, até agora, sem sucesso. O comprometimento dos poderosos, hoje, é com a indústria da (impossível) “transição’ (impossível porque seres humanos não mudam de sexo). Se você conhece um (a) que seja diferente, entre em contato conosco.

 

Repare na conexão que a história dele mostra entre o lobby transativista/LGBTQIAP+ com o lobby da prostituição – que lobistas e seus apoiadores chamam de “trabalho sexual”. Já falamos dessa conexão em textos como este. Lamentamos profundamente o recente falecimento de Cleone Santos, militante pelos direitos das mulheres em situação de prostituição e idealizadora do coletivo Mulheres da Luz, em São Paulo. Cleone é uma das pouquíssimas militantes de renome que não se vendeu ao lobby cafetão, que tanta entrada tem em partidos ditos progressistas, no meio acadêmico e em movimentos sociais, na atualidade. A pouca atenção dada à sua morte é um sinal dessa colonização.

 

Abraços e até a próxima.

Eugênia Rodrigues

Jornalista

Porta-voz da campanha No Corpo Certo

 

A história de Fabrício

 

Sofri um abuso quando criança e isso marcou a minha vida pra sempre.  Esse trauma corroborou problemas emocionais e psicológicos. Tentei suicídio, tive depressão, tive síndrome do pânico e diversos vícios como drogas, pornografia e masturbação compulsiva.

Fugi de casa na adolescência para viver a minha vida, era inquieto, mas não sabia que era por conta dos traumas, achei que solucionaria isso se fosse morar longe, então fui buscar a minha liberdade. Ao trilhar o meu próprio caminho, conheci algumas pessoas que me levaram a conhecer outras pessoas, e assim ingressei no mundo LGBTQIA+ (antigo GLS).

Alguns anos nesses grupinhos, onde o certo vira errado e o errado vira certo, conheci um travesti que me apresentou as ruas, a prostituição e as drogas.

Pelo fato de eu ter “traços  finos”, diziam, despertava neles a fantasia e a curiosidade em me ver em trajes femininos E essa influência verbal me estimulava a curiosidade.

Eu não medi esforços para agradar aos outros e tentar ser aceito. E, a partir disso, passei a me transformar e me vestir “como mulher”.

O meu primeiro contato com hormônios foi por meio dos anticoncepcionais. Um rapaz que tomava me induziu a começar a tomar para desenvolver mamas femininas. Ele queria me levar pras ruas para me cafetinar, ele dizia que meu rosto era feminino e que eu tinha passabilidade como mulher.

Após esse início do meu processo de transição de gênero, diversas outras pessoas me influenciaram para que eu me tornasse um verdadeiro transexual. Numa dessas, me persuadiram a colocar implantes de silicone nas mamas. Eu não tinha condições de pagar cirurgia clínica nem cirurgião plástico, foi então que me indicaram um travesti conhecido como “bombadeira”. Juntei R$200 na época e lá fui eu pagar a “operação”.

Foram duas medidas de um copo (de boteco) de silicone líquido misturados. Me foram injetados em agulhas grossas perfurando-me em cada mama, meu tórax foi envolvido com faixas de atadura e algodão em formato de sutiã sem bojo com um pedaço de cano PVC partido transpassado no meio dos meus peitos, para que o silicone não vazasse e eu não ficasse com “peito de pombo”. Mas vazou pelos furinhos das agulhadas, e para cicatrizar colaram com cola tipo “superbonder”. Foi uma dor intensa e insuportável de suar frio e deixar febril. Eram como cacos de vidro e fogo me rasgando e ardendo por dentro da pele. De fato minha pele descolou dos músculos do toráx para formar as mamas, e o travesti usou suas mãos para modelá-los, assim como um padeiro amassa o pão e forma uma bola de massa.

Confesso que pensei que iria morrer naquele dia, até tomei dipirona pra amenizar, foi um tremendo sufoco, os primeiros dias dormia sentado e não tomava banho direito. Esse procedimento clandestino era o mais comum entre os travestis das décadas anteriores aos anos 2000. Esse modo ilegal e perigoso era usado para enxertar qualquer parte do corpo, pesquise no Google e verá  muitos casos de deformidades.

Depois de alguns meses as coisas pioraram; placas de silicone “andavam” pelo meu corpo. Estou certo de que estou vivo por um milagre e estou aqui pra contar a você.

Eu senti na pele a “dor da beleza”, a consequência disso no meu corpo, muito tempo sem dormir de bruços, porque os peitos doem e coçam, e em tempos frios surge uma vermelhidão abaixo dos peitos e hematomas roxos.

Foram longos onze anos tentando sustentar uma tese de que eu nasci no corpo errado e que a minha família estava errada, que eles eram preconceituosos comigo. Mas, eu quem os abandonei, eu é quem fui o preconceituoso com eles, pelo modo diferente de pensar deles. Por isso, pensava que eles haviam me abandonado. Foi essa ideologia que me impediu de pedir ajuda aos meus pais, de voltar pra minha casa junto a minha família.

Procurei médicos depois da destransição, me deparei com diversas barreiras pra encontrar ajuda; a maioria dos médicos no âmbito público não sabem tratar destes problemas.

Depois de vencer os pensamentos negativos de que meus pais me odiavam e tinham vergonha de mim, consegui pedir ajuda a eles, e assim voltar pra casa. Fui recebido com muito amor. Aqueles pensamentos eram apenas suposições que me mantinham aprisionado numa mentira, só me livrando do autoengano que pude ver um caminho de esperança, decidi voltar pra minha família e fortalecer os laços afetivos. Foi uma escolha certa. Hoje, livre de tudo aquilo que afligia a minha alma e o meu corpo, vivo uma vida normal em família.

A minha mudança não aconteceu do dia pra noite. Ainda tenho coisas em mim que quero mudar, mas não pra tentar ser quem eu não sou, pelo contrário – pra ser melhor do jeito que eu nasci pra ser: um homem melhor, um filho melhor, um marido melhor (sim, eu quero me casar, rs), um estudante melhor, um profissional melhor, um voluntário melhor, e quem sabe um pai melhor.

Encontrei pouquíssimas histórias de destransição na internet, grande parte estrangeira, e nenhuma política pública voltada pra saúde dos destransicionados. Mas pra transicionar tem de montes, inclusive pra crianças. Isso é chocante.

Nessa busca, encontrei o blog No Corpo Certo que pra mim é como uma centelha de luz, através das orientações deles alimento a esperança de que vou conseguir, agora com a mente certa, estar no corpo certo. Não posso mudar meu passado, as marcas que carrego são uma lembrança de onde fui resgatado, mas a partir disso, posso construir um futuro pra mim adequadamente no corpo certo.

Receba um forte abraço, com carinho.

Fabricio Santos