Cara leitora ou caro leitor,

que nomes vêm à sua mente quando você tenta lembrar de pessoas que sofreram com transtornos alimentares como anorexia e bulimia? A depender da sua idade, você pode ter pensado em Karen Carpenter, Brooke Shields, na Princesa Diana ou Jane Fonda; na Bruna Marquezine, Leka (participante do BBB), Cássia Kiss, Lady Gaga ou Taylor Swift (ou em alguma anônima). Fato é que, muito provavelmente, apenas nomes femininos vieram à sua mente.

(#pratodosverem : imagens da cantora Karen Carpenter antes e depois da anorexia).

Esses problemas não são raros: no Estado de São Paulo, “Levantamento realizado pela Secretaria de Estado da Saúde revela que 77% das jovens entrevistadas apresentam propensão a desenvolver algum tipo de distúrbio alimentar, como anorexia, bulimia e compulsão por comer” (1). As entrevistadas tinham entre 10 e 24 anos. Não é difícil entender o motivo: ainda que a pressão para um inexistente “corpo perfeito” se dê sobre ambos os sexos, ela é ainda mais feroz contra o sexo feminino. E a puberdade traz mudanças radicais na vida das garotas: assédio masculino nas ruas, pressão dos pais para que ela abandone certas brincadeiras e liberdades porque “agora ela é uma mocinha”, cobranças da indústria da “beleza”, o despertar da sexualidade. Em 2020, escrevi um artigo (2) em conjunto com o coletivo Gays pela Abolição de Gênero denominado “´Incongruência de gênero na infância´ ou repatologização da homossexualidade” que foi apresentado na Universidade Federal do Ceará no II Seminário História e Gênero em versão reduzida. Atente para o trecho do nosso artigo original:

 

Em 2016, em sua revisão denominada Será que os diagnósticos para transgeneridade na juventude colocam gays, lésbicas e bissexuais adultos em risco de intervenção médica desnecessária?, Kreher destaca a permissividade de médicos e pesquisadores destes estudos para com a questão e levanta algumas possíveis explicações para o fenômeno:

´Eu argumentaria que foi negligente por parte dos autores deste estudo sequer considerar essa mudança de contexto com o fato de que as mulheres experimentam significativamente mais ódio em relação ao próprio corpo do que os homens. Isso se manifesta em mais cortes, dietas, anorexia, bulimia e cirurgia plástica. Labioplastia agora está se tornando mais popular entre adolescentes e mulheres jovens, de modo que seus órgãos genitais possam estar em conformidade com representações da pornografia. Todos estes comportamentos no sexo feminino costumavam ser inexistentes ou raros, mas tornaram-se populares através do contágio social devido ao aumento da atenção da mídia. Eu não estou dizendo que anorexia é o mesmo que disforia de gênero. Há semelhanças e há grandes diferenças´.

É importante destacar que os índices de dismorfia corporal em crianças é 7 vezes maior em meninas do que em meninos (NHS DIGITAL, 2017), o que indica uma maior vulnerabilidade do sexo feminino à pressão por normatizações em relação aos seus corpos. A organização australiana Pretty Foundation, que busca promover a autoestima em meninas, aponta dados preocupantes: 38% das meninas de 4 anos se sentem insatisfeitas com seus corpos, 34% das meninas de 5 anos sentem vontade de fazer dieta e 68% delas já sofreu bullying por sua aparência física (2019). Ao passo que traços dessa visão distorcida do próprio corpo são assimilados à construção da feminilidade, isso também afeta jovens não-heterossexuais em conflito com essas normas. Rapazes gays e bissexuais relataram três vezes mais problemas relacionados a distúrbios alimentares do que os heterossexuais, e o mesmo estudo ainda mostrou que não há diferenças significativas entre moças heterossexuais e lésbicas e bissexuais na prevalência de qualquer um dos transtornos alimentares (FELDMAN, 2017)” (os grifos são da No Corpo Certo).

 

Assim, ainda que, repita-se, transtornos alimentares não sejam “a mesma coisa” que disforia de “gênero” (que deveria ser chamada de disforia de sexo, mas isso é papo para outro texto), são ambas situações em que pacientes experimentam algum tipo de conflito com seu corpo que vai além da mera insatisfação com a própria aparência. E, assim como o primeiro atingia majoritariamente meninas, os diagnósticos de “gênero” também estão, conforme registramos no mesmo artigo, aumentando entre elas sem outra explicação:

 

3.4 A disforia e as nascidas meninas

Um aumento no número de casos entre pacientes do sexo feminino também chama a atenção. Wood já apontava para um aumento de 400% no número de casos de disforia no sexo feminino (WOOD et al., 2013).

Em 2015, mais um estudo canadense mostraria um aumento local no número de diagnósticos em adolescentes do sexo feminino, assim como verificado em 2013 (AITKEN et al., 2015). Em 2018, no Reino Unido, dos 256 casos analisados, 83% eram meninas (LITTMAN, 2018).

No mesmo ano, um grupo finlandês que observou a mesma desproporção reconheceu uma prevalência de comorbidades psíquicas e psiquiátricas em seus pacientes, de ambos os sexos (KALTIALA-HEINO, 2015).

Observou-se, também, que mais meninas persistiram em seus diagnósticos e entraram de fato em transição: 38,5% das meninas contra 27% dos meninos (STEENSA; COHEN-KETTENIS, 2015).

Dos indivíduos que deixaram de apresentar o diagnóstico, uma porção significativa — todas as mulheres e metade dos homens — passou a expressar orientações não heterossexuais (VAN SCHALKWYK et al., 2015).

Milrod e Karasic destacaram, em 2017, que um número crescente de adolescentes do sexo feminino está recebendo hormônios análogos ao liberador de gonadotropina na infância e puberdade e, posteriormente, hormônios do sexo oposto, tendo a mastectomia e a faloplastia como possibilidades ao completarem 18 anos. Há registros de cirurgias transexualizadoras sendo realizadas antes dessa idade, violando os padrões de atendimento da própria Associação Profissional Mundial para a Saúde Transgênero (WPATH) (MILROD, 2017).

A psicóloga Lisa Marchiano (2017) se posicionou criticamente à transição infantojuvenil denunciando que adolescentes de 14 anos estão passando por processos de mastectomia (ROWE, 2016) e que um médico prescreveu a uma menina de 12 anos hormônios do sexo oposto por ela se recusar a usar vestidos (LYONS, 2016).

Aitken et al. (2015) também apontam uma mudança na proporção entre meninos e meninas na busca por tratamento da incongruência de gênero. Até 2006, tinha-se uma maioria de meninos (sexo biológico), invertendo-se o cenário, de 2006 a 2013, para uma prevalência de meninas.

De Graaf e colaboradores (2018) encontraram um número ligeiramente maior de meninos, 50,6%, (2000–2017), mas esse número representa uma diminuição de 20% do período anterior (2000–2006)”.

 

Ironicamente, apenas nos diagnósticos de “gênero” a visão irreal do paciente sobre si é “afirmada” e explorada comercialmente. Conforme tantos já salientaram, médicos não fazem lipoaspiração em jovens anoréxicas (afinal, elas iriam a óbito) e, em regra, não realizam as modificações corporais exigidas por pacientes com o chamado “transtorno de identidade corporal” ou “body identity disorder” – aqueles em que um indivíduo se “identifica” como uma pessoa com deficiência visual ou paraplégica, por exemplo. Assim, considerando:

a) a subjetividade dos critérios de diagnósticos de “gênero” (a simples pergunta sobre o que seria “gênero” recebe as respostas mais variadas, incluindo “não respostas” do tipo “é muito complexo, você não iria entender”);

b) a redução da idade mínima para diagnósticos e intervenções físicas;

c) o modelo de “cuidado” imposto por esses profissionais ativistas (“afirmação de gênero”), o qual proíbe outras abordagens e ou as rotula de “transfobia”;

d) a impossibilidade de controlar os materiais que chegam até nossos meninos e meninas pela internet;

e) a propaganda midiática diária (Folha, O Globo, Netflix etc.),

f) a atuação de organizações da sigla “LGBTQIAP+” em escolas, abrigos e oferecendo “capacitações” para professores…

…era previsível que um número crescente de meninas veria na autoidentificação como “trans” – e, pior, em modificações corporais – uma saída para seus sofrimentos, confusões e questões da adolescência. Insistimos: assim como aconteceu com a anorexia, a bulimia e a automutilação, estamos diante de um contágio social. Reiteramos a importância de que que todos se familiarizem com o termo ROGD – “rapid onset gender dysphoria” ou “disforia de gênero de surgimento repentino”, criado pela dra. Lisa Littman e sobre a qual já falamos em nosso canal no Youtube (3).

Finalmente, apresento a vocês agora a tradução do texto “A queerização da bulimia”. Ele foi escrito por uma mulher chamada Mia originalmente em seu Twitter (4) e publicado no ótimo blog do humorista britânico Graham Lineham (5). Vale a pena segui-la e assinar o blog dele mesmo que você não fale inglês: no Twitter, utilize a tradução automática; no blog, clique com o botão direito do seu mouse. Leia, converse sobre ele com outras pessoas, procure fazer com que ele chegue a mais gente. Estamos falhando com as nossas meninas e, no Brasil, a tragédia será ainda maior no Estado de São Paulo, no qual a capitulação das instituições parece total. Podemos esperar para os próximos anos imagens como as chocantes imagens que coloquei ao final deste artigo – reflita se quer mesmo descer a tela até o fim. 

Abraços e até a próxima. Vou lá assistir ao pioneiro evento da Genspect sobre destransição, neste  #DetransAwarenessDay (“Dia de Conscientização sobre Destransição).

Eugênia Rodrigues

Jornalista

Porta-voz da campanha No Corpo Certo

A queerização da bulimia

Em 1972, o psicólogo britânico Gerald Russell tratou uma mulher com um transtorno alimentar incomum envolvendo compulsão e vômito. Ao longo dos próximos 7 anos, ele viu mais 30 mulheres apresentando a mesma condição.

Em 1979, ele escreveu um artigo publicado na Psychological Medicine, no qual deu o nome de bulimia nervosa. A condição foi incluída no DSM-III no ano seguinte. Então algo notável aconteceu. A doença varreu o mundo como um incêndio… afetando cerca de 30 milhões de pessoas em meados da década de 1990, a maioria das quais eram adolescentes e mulheres jovens.

A explicação para essa rápida disseminação é o que o filósofo Ian Hacking chama de “contágio semântico” – como o processo de nomear e descrever uma condição cria os meios pelos quais a condição se espalha. A epidemia de transtorno de personalidade múltipla nos anos 90 se espalhou dessa maneira

A bulimia entrou no léxico através de revistas femininas como Mademoiselle e Better Homes and Gardens, que publicaram histórias sobre esse novo e preocupante distúrbio que afeta mulheres e meninas. Vários estudos demonstram a culpabilidade da mídia na disseminação de contágios sociais.

Na primeira década do século 21, as sementes foram lançadas para outro contágio global. Um movimento de direitos que começou com o objetivo de melhorar a vida das pessoas transgênero deu origem a um novo tipo de disforia de gênero com todas as características de um contágio social.

Assim como a bulimia, a disforia de gênero era praticamente desconhecida na população de adolescentes antes de 2010 e, de repente, países em todo o mundo industrializado viram uma explosão de meninas adolescentes se identificando como transgênero.

Foi a tempestade perfeita. Nos anos 2010, o fascínio da mídia pelo transgenerismo começou com ‘Caitlyn’ Jenner e I Am Jazz; a esquerda política se apaixonou pelos direitos dos trans e as escolas começaram a ensinar ideologia de gênero para crianças desde o Jardim de Infância.

As redes sociais entraram em cena e proporcionaram o ambiente perfeito de superdifusão. As adolescentes estão agora a apenas um clique de milhares de vídeos do TikTok e do YouTube de mulheres jovens mostrando orgulhosamente suas cicatrizes de mastectomia e exaltando a alegria de tomar testosterona.

Assim como esse novo tipo atípico de disforia de gênero estava surgindo, as clínicas de gênero, a mando de grupos ativistas, abandonaram a abordagem psicoterapêutica da espera vigilante e adotaram o modelo afirmativo – acelerando esses adolescentes para procedimentos médicos irreversíveis.

Estamos no olho da tempestade agora, então a maioria das pessoas não pode ver o estrago que está sendo feito. Mas, em breve, todos os jovens que emergem desse contágio estéreis e com partes do corpo ausentes serão visíveis para todos verem e as pessoas ficarão horrorizadas por terem apoiado tal mal.

  1. http://www.saude.sp.gov.br/ses/noticias/2014/janeiro/disturbio-alimentar-ameaca-77-das-jovens-de-sp
  2. https://gayantiqueer.medium.com/incongru%C3%AAncia-de-g%C3%AAnero-na-inf%C3%A2ncia-ou-repatologiza%C3%A7%C3%A3o-da-homossexualidade-7620024f32ba
  3. https://www.youtube.com/watch?v=NhzkUbdgRNQ&t=9s
  4. https://twitter.com/_CryMiaRiver 
  5. https://grahamlinehan.substack.com/p/the-queering-of-bulimia?utm_source=url 

 

AG – AVISO DE GATILHO PARA O TRECHO ABAIXO

 

Imagens divulgadas pela internet de meninas e mulheres submetidas à masctectomia e “faloplastia” (os cirurgiões de clínicas e ambulatórios de “identidade de gênero” tiram pedaços do braço e da perna da paciente para fabricar o apêndice que eles anunciam, eufemisticamente, como um “neofalo”). Note que uma das moças também tem sinais de automutilação nos seios, sugerindo a masctectomia como uma continuação, agora legitimada pela medicina, da automutilação: uma mutilação por procuração.