Foi quinta-feira da semana passada, dia 16, por volta das 7 da manhã. Recebi uma mensagem no Whatsapp: “Viu isso?”.

Recebo mensagens com essa pergunta (ou variações) há anos. São matérias de jornal, posts de redes sociais, artigos, livros, propagandas e até memes que exemplificam a histeria coletiva em que vivemos. Na qual, subitamente, fingimos que não sabemos mais o que são meninas e mulheres, meninos e homens. Mas, naquela manhã, se tratava de algo diferente: um arquivo em PDF com uma lista de mulheres acusadas de “transfobia” no Brasil. O nome do arquivo era: “Mais violentas Feminists Transfóbicas CIS .” e o título do texto era “Alguns exemplos de mulheres cisgêneras que tem contribuído para tornar a vida de pessoas trans cada vez pior”. Há, conforme você pode ver da imagem abaixo, um subtítulo. Elas foram expostas com nome, sobrenome, foto e uma pequena biografia. Detectei muitos de erros de português. 

 

(Fonte: Whatsapp. #pratodosverem: imagem contendo o nome do arquivo PDF, o título do texto e o subtítulo, no qual se lê: “Note as semelhanças e aproximações dos discursos vindo de mulheres cisgêneras que se uniram contra os direitos trans, embora aparentemente estejam em campos distintos – algumas na extrema-direita, fundamentalistas religiosas, feministas de esquerda e TERF/RADFEM que divergem sobre pautas como aborto e direitos sexuais e reprodutivos, estão de mãos dadas na luta contra as exustências e os direitos trans”).

 

Minutos depois, o arquivo me foi enviado por dezenas de mulheres e por alguns homens aliados. O texto não era assinado, evidenciando a má-fé de quem o escreveu e divulgou – se o autor realmente acredita no que diz, por que não se identificou?

Eu conhecia todas as mulheres da lista e já tinha conversado virtualmente com ou visto pessoalmente algumas delas. Era um grupo heterogêneo: conservadoras, progressistas, figuras famosas nacionalmente ou internacionalmente, semi-anônimas, profissionais de diferentes áreas. Algumas, inclusive, são transaliadas e ousaram apenas apontar um único aspecto da ideologia transgenerista que, para elas, seria absurdo demais. E, entre elas, estava eu, mencionada ao lado do meu antigo site Não Existe Criança Trans e da campanha da qual sou porta-voz, a No Corpo Certo. Ao menos, e pedindo licença para uma pequena futilidade, registro que escolheram uma ótima foto:

(Fonte: Whatsapp. #pratodosverem: mulher negra maquiada, de cabelos aparentemente lisos mas na verdade eu tinha feito escova).

 

Como não sei se todas as citadas gostariam de ver seus nomes e rostos (ainda mais) divulgados, me limito a informar, além da minha aparição, as de dois nomes que voluntariamente expuseram o ocorrido em suas redes sociais, além de mim mesma: a jornalista Patrícia Lélis, com quem fiz uma live dias atrás, e a advogada Eloisa Samy. Patrícia declarou em seu Instagram que, aparentemente, a autoria do PDF seria de “Bruna Benevides”, transativista que atua como “Secretária de Articulação Política” da ANTRA, a “Associação Nacional de Travestis e Transexuais”, conforme o próprio site da entidade. Não vou afirmar nada, mas o estilo de escrever é o mesmo dessa organização, a qual foi, de fato, responsável direta pelo cancelamento das duas palestras que eu daria na UFF. A ANTRA, aliás, se enfiou no Ministério das Mulheres do governo Lula, conforme já denunciamos, e espero que mais gente aponte ao Ministério a contradição. 

(Fonte #pratodosverem: print do post).

(Fonte).

 

Até o momento, o post de Patrícia tem 4.710 likes. Eloisa, por sua vez, declarou em suas redes que enviará o caso para a Polícia Federal, a fim de que o fato seja investigado por expor mulheres à violência e discriminação.

(Fonte. #pratodosverem: print do post).

 

A sensação, para mim e certamente para muitas outras “das antigas”, foi de déjà vu. Se você estava no Facebook entre 2010 e 2018, talvez se lembre das famosas “Listas TERFs”. Eram exposições de mulheres com nome, sobrenome, perfil naquela rede social e outras informações que eles haviam conseguido obter, frequentemente com a ajuda de alguém que a vítima tinha adicionada. Algumas das expostas mal haviam saído da adolescência ou eram, até mesmo, adolescentes. As citadas eram, invariavelmente, acusadas de “transfobia”; às vezes, tudo o que a mulher havia feito era curtir um post no Face ou comentar algo num post de uma amiga ou de um perfil público, razão pela qual, em algumas listas, havia muitas desconhecidas. Muitas ficavam apavoradas com as consequências da exposição e excluíam o perfil, mudavam de nome ou abandonavam a militância virtual. Por outro lado, a uma certa altura algumas começaram a ridicularizar as listas e respondiam algo como “obrigada, vou seguir todas elas”. De qualquer forma, a essa altura do campeonado, acredito que você saiba que “transfobia” foi uma palavra inventada para rotular de “fobia” falas e fatos que são simplesmente fatos biológicos (como: “mulheres são seres humanos do sexo feminino e homens, seres humanos do sexo masculino”), o pleno exercício do direito à orientação sexual (como por exemplo você dizer que se interessa unicamente por pessoas do sexo oposto ou do mesmo sexo) e a proteção à infância (exemplificável pela luta contra as intervenções médicas em corpos saudáveis de crianças, adolescentes e adultos praticadas em ambulatórios de “identidade de gênero”).

Não é difícil reconhecer, nesse arquivo em PDF e em outras exposições, os padrões da “caça às bruxas” que, durante centenas de anos, matou mulheres na Europa, Estados Unidos e até mesmo no Brasil. Essa caça está acontecendo no nosso país e nos Estados Unidos, na Suécia e na Índia, no Reino Unido e na Argentina, com poucas diferenças. Temos, novamente, um grupo pequeno e poderoso de homens perseguindo mulheres. Temos, novamente, as instituições trabalhando a favor desse pequeno grupo e contra elas. Temos, novamente, um verniz de boas intenções cobrindo a torpeza dessa perseguição. 

Na nova caça às bruxas, somos também perseguidas, linchadas, processadas e presas. Somos agredidas física e psicologicamente e, em alguns casos, até mesmo mortas, como no caso do senhor David Warfield, que usa o nome “Dana Rivers”” e assassinou um casal de lésbicas e o filho delas – aliás, é sintomático que após o triplo assassinato ele tenha ateado fogo à casa onde a família residia – mulheres na fogueira. O objetivo de quem elabora listas como essas é jogar mulheres na fogueira pública para que se amedrontem e para estimular e legitimar a agressão a elas, física ou psicológica. De minha parte, reafirmo que continuarei a lutar.

Quando essa caça terminará?

Quando aceitarmos, de uma vez por todas, que as mulheres estão certas quando insistem que são seres humanos e não sentimentos, “gêneros”, estereótipos. 

Quando aceitarmos que não há conciliação possível entre preservar o sexo como critério definidor do que são homens e mulheres, meninos e meninas, com o discurso “trans”. Ou somos seres humanos, ou meros sentimentos. Ou a diferença sexual da nossa espécie é real, ou “trans” é que é real. 

E, uma vez que aceitemos isso, conscientizemos outras pessoas e também autoridades para que escolham o lado das mulheres e não dos inquisidores. Como diz a escritora Helen Joyce, “we just have to win” – nós simplesmente precisamos ganhar.