Caras e caros,

 

um dos motivos pelos quais insistimos na rejeição ao discurso “trans” é o risco que ele causa para jovens lésbicas, gays e bissexuais. Sendo, frequentemente, o único ou um dos únicos “LGBs” de seu círculo de amigos, famílias e escola e vítimas de chacotas, a juventude “LGB” está a um passo de serem aliciada para ambulatórios de “identidade de gênero”, conforme expliquei no texto “Incongruência de gênero na infância ou repatologização da homossexualidade?” ,  escrito em parceria com o coletivo Gays pela Abolição de Gênero. Menores de idade também podem ser aliciados para a prostituição; esta matéria menciona uma operação na qual “entre as vítimas da exploração sexual havia vários adolescentes, um deles com 13 anos de idade”. Tenho na memória o relato de uma professora que ouviu de um conhecido aliciador do Rio que os alunos dela, entre os quais alguns eram rapazes assumidamente gays, “tinham muito potencial trans”… Esperemos que, cada vez mais, e sobretudo após o assassinato de um homem gay no Rio de Janeiro, supostamente por travestis, os “LGB”s declarem sua independência e criem suas próprias organizações.

E essa independência não será fácil; o discurso “trans” é majoritário na medicina, na mídia, nas universidades, nas instituições públicas há muito aparelhadas e nas gigantes de tecnologia. Google, Youtube, Instagram, Facebook e Twitter há muito eliminaram o nosso direito à liberdade de expressão sobre o que são homens e mulheres. Questionar a autopercepção (“identidade de gênero”) de alguém “viola as regras da Comunidade” (que na verdade são as imposições destas empresas). Para ficar apenas em dois exemplos, o ótimo canal de Youtube da Exulansic, que recomendei a vocês no nosso último artigo, foi banido da plataforma (quando não se tem argumentos, se censura…). Ela fez um novo, que você pode seguir aqui. E… em janeiro a nossa conta no Twitter foi obrigada a deletar um tuíte que dizia, simplesmente: “Tudo por dinheiro. Cortar genitais e seios saudáveis jamais deveria ser naturalizado”.

(#pratodosverem: print do nosso tuíte e da exigência do Twitter).

Seguimos, com a certeza de estarmos do lado certo da História. E, dando continuidade à série sobre como o discurso “trans” afeta lésbicas, trazemos o depoimento de Coral Palmeira, de São Paulo, cujo Instagram é este aqui. Muito obrigada, Coral! Seu depoimento mostra a importância de abraçarmos as meninas e meninos “fora da caixa”!

Abraços e até a próxima.

Eugênia Rodrigues

Jornalista

Porta-voz da campanha No Corpo Certo

 

Crescendo uma menina fora dos padrões

 

Prazer, sou uma mulher de 29 anos que nunca performou a feminilidade, nunca aceitou agradar à sociedade com o que ela esperava que fosse uma mulher e sempre foi ridicularizada.

Entre 3 e 5 anos, minha avó dava banho em mim junto com o meu primo da mesma idade; certa vez, ele olhou para A minha banheira e viu que eu não tinha “piu-piu”, o menino saiu correndo pela casa inteira gritando: “A Carol perdeu o Piu-Piu! A Carol perdeu o Piu-Piu!” Ele ficou chocado com tal descoberta.

Nasci com um monte de problemas de saúde, verdade. Aos 4 anos diagnosticada com uma pressão alta, aos 7 com pedras no rim que aos 9 evoluíram para uma doença crônica com tratamentos severos e alimentação balanceada por toda vida, além de estrabismo e miopia. Apesar disso, sempre fui nerd; vivia dando aulas aos meus bonecos após a escola. Por todo lugar que ia, estava com um caderno e lápis criando diversas histórias.

Na minha primeira infância, morávamos nos fundos da casa da minha avó paterna e, como meus pais trabalhavam o dia todo fora, fui criada por minha avó e seus filhos. Por volta dos 5 anos, meu tio desenhista ensinou-me a desenhar em casa. Outro, ensinou-me a andar de bicicleta e truques no skate. Quando o último tio casou, eu tinha 12 anos e também foi a última vez que eu usei um vestido social por obrigação como forma de agradecimento. O meu vestido favorito era um verde estampado com o personagem Cebolinha que usei até não poder mais, aos 9 anos, com muita alegria.

Acordava cedo para assistir Fórmula 1 domingo de manhã e passava a madrugada assistindo esportes. Amava futebol; o Palmeiras era a coisa mais importante para mim, ao ponto de recusar entrar ou passar próximo a estádio ou lojas dos adversários. Mamãe proibiu meu pai de falar sobre futebol e comprar camisas de time. Meu pai me matriculou na escolinha de futebol e me treinava como goleira em suas folgas; o Palmeiras era o único elo que tínhamos como pai e filha.

Quando entrei na escola, estava sempre à frente dos colegas e acabava a lição primeiro. Me chamavam de pirata, pois usava um tampão no olho esquerdo, óculos e ficava sempre no meu canto. Apesar de sempre ser reservada, cumpria todos os compromissos de eventos sociais da escola e me destacava, pois cumpria todas regras. Por isso, podia escolher as fantasias e sempre escolhia ser o porco da Parmalat, patrocinadora do Palmeiras nos anos 90.

Nos mudamos para uma cidade vizinha e na transição foi tudo maravilhoso: o quintal parecia um
campo de futebol, uma pista de skate e tudo mais que eu pudesse imaginar. Estava com 9 para 10 anos e jogava bola na rua com os outros meninos que achavam que eu também era um; quando souberam que eu era menina, se afastaram porque, modéstia à parte, eu era muito boa no gol. Assim, eu passei a treinar sozinha em casa e quando meus tios e primos vinham nos visitar criávamos campeonatos.

Minha mãe me matriculou na natação, que eu adorava; participava das competições. Vez ou outra,
essa rotina era interrompia por causa das internações médicas, não havia regularidade. Enquanto eu estava internada, levava todos os meus companheiros bonecos, livros e cadernos comigo e criava um ambiente leve e divertido. Seguia acompanhando as aulas da escola, não perdia um dia. Meu caderno sempre estava em dia e assim foi até finalizar a graduação. Todo final de semana, ia ao teatro, shows e passeios culturais com minha tia. Hábitos mantidos, independentes de ter companhia ou não.

Mamãe, quando se mudou, foi transformada por pessoas conservadoras que colocavam a religião como cura de tudo e foi se apagando toda a mulher politizada que era, deixou de ouvir as músicas que adorava e passava a ouvir louvores o tempo todo. Ela acreditava e depositava toda esperança que eles iam me curar. Eu me dediquei à igreja durante 17 anos da minha vida e sempre era vista como a menina que vestia colorido, não passava maquiagem, sorria o tempo todo, dedicada e que nunca teve oportunidade de falar na frente dos outros jovens por causa dos questionamentos que gerava. Uma boba da corte. Ah, assim que tínhamos nos mudado, eu fui prometida em casamento ao filho do pastor que havia acabado de assumir a igreja local. Ele, que era meu melhor amigo, deixou de ser meu amigo quando eu comentei toda feliz que trabalharia com teatro. Ele, sendo músico e talentoso, disse: “Cuidado para não se contaminar lá, porque eles são estranhos.” Eu acreditava que era apaixonada por ele. Nunca mais nos falamos desde então.

Mamãe se incomodava muito com meu jeito de ser, pois ela visualizava sempre a menina como uma princesinha de vestido e cabelo arrumadinho, sentando em uma postura de bailarina. Eu sempre me jogava para sentar e nunca gostei de me depilar. Um dia, na praia da Riviera, litoral sul de São Paulo em 2018, eu tirei a camisa para me banhar de maiô e ela viu que eu não havia me depilado. Ela teve um surto e disse: “Que falta de higiene, menina! Coloca essa blusa de volta!” Me olhou com nojo, como se eu fosse uma impura. Desde esse dia, eu nunca mais entrei em um banho de mar com mamãe; apenas sozinha em minhas viagens.

Era 2004, estava com 12 anos, uma pré-adolescente com a pele cheia de espinha tomando remédio para transplantados, o qual fazia meu cabelo ficar lindo para os padrões femininos: cacheado e longo. Fazia um ano que havia ganhado uma irmã. Meus pais estavam praticamente separados e ele, envolvido com namoradas, vendo pornografia de madrugada.

Eu precisava assumir a responsabilidade, cuidar da bebê; ela chorava copiosamente e tinha dificuldade de aceitar o leite materno. Meu pai, sem paciência, arrancava com o carro e sumia. Voltava depois que mamãe chegava, tarde da noite e ameaçava me bater porque eu anunciava a ela, mamãe, o que ele estava vendo no meu computador. Meu pai chegou a estourar a porta do meu quarto com um soco enquanto tentava me acertar.

Ainda em 2004, procurava meu estilo baseada nas séries da Disney; era uma mistura de Selena Gomez e Demi Lovato. Até que vi a personagem da Marjorie Estiano, de cabelo vermelho curtinho, tocando e cantando como protagonista na TV e me encantei pelo estilo. Desde esse momento, acompanhei sua trajetória. Em 2018, um dia fui ao salão com minha mãe para cortar o cabelo curtinho e vi a cara dela de desapontamento que expressava: “tá igual a um menino.” Eu também havia odiado o corte, mas cabelo cresce. Na época, eu estava realmente tentando parecer um menino e fiz diversas experiências para me encaixar nesse rótulo, tentar entender o que havia de errado comigo. Entrei em grupos e fóruns na internet sobre transativismo e cheguei até a prender meus seios com uma faixa, a qual dificultava a respiração.

Nunca tinha tido a intenção de “ser menino” e não assisto televisão. Mas teve um dia em que vi um comercial e uma atriz muito boa interpretava o roteiro que expressava todas as minhas dúvidas naquele momento. E comecei a questionar se eu era um homem no corpo errado e pensar em como seria chamado.

Uma verdadeira bobagem.

No âmbito profissional, as minhas referências, meus contatos profissionais e pessoais, a maioria, estava no transe do movimento queer, compartilhando tudo o que os militantes diziam ser a Verdade Absoluta. Afinal, eles se fazem de coitadinhos, sugam toda a energia das pessoas, se colam nas pautas raciais e agridem as mulheres que ousam dizer que eles são homens e que não são, muitas vezes, apenas gays. Eles precisam ridicularizar as mulheres na versão feminina que criam e todos precisam aplaudir.

Essa ingenuidade emocional toda durou aproximadamente menos de um mês. Eu acordei do
transe.

Quando me indicaram o perfil maravilhoso No Corpo Certo, percebi que eu estava certa em questionar. As outras pessoas que na verdade estão alucinadas com o discurso divertido e romântico de homens maquiados, de salto e vestido, performando uma feminilidade que poucas mulheres reais fazem no cotidiano, seja no ambiente profissional ou pessoal. Homens vendendo as mulheres como um objeto de desejo sexual. Tão anos 1500.

Em 2019, finalmente cortei e pintei meu cabelo de vermelho, como o da personagem da Marjorie. Estava envergonhada e com medo do que as pessoas iriam pensar e dizer e não tirava o chapéu. Quando o tirei, todos foram só elogios; eu havia me encontrado, estava forte, confiante e livre das crenças.

Na verdade, eu só queria ter a liberdade dos meninos, ser ouvida como eles são. Assumi nunca mais
usar sutiã, deixando sempre meus seios livres, me depilo se tenho vontade, usei biquini pela primeira
vez na vida em minha última viagem antes da crise sanitária da COVID-19 e adorei.

Recentemente, pela sociedade precisar encaixar as pessoas em rótulos, como ato político, escolhi me
assumir lésbica; afinal, eu sempre admirei apenas mulheres e conforme eu me debruço aos estudos
de Feminismo Radical e a história das mulheres, eu crio uma intolerância ao sexo masculino na qual a
possibilidade de qualquer envolvimento afetivo torna-se incompatível.

A pessoa precisa ser validada pelo seu caráter e não pela sexualidade; essa preocupação social que as pessoas têm com quem cada um se relaciona que é o problema. E as políticas públicas lgbtqiap (sopa de letrinhas ou ilusão colorida) é a prova; quem as defende acredita que a atração pelo mesmo sexo é uma doença, uma anomalia genética que precisa de cura e a cura é transformar meninas em meninos e formar em um casal heteronormativo dependente de hormônios e acompanhamento médico por toda vida.

Eu tenho orgulho de ser mulher e valorizo outras mulheres independente de com quem elas se relacionam.