Caras e caros,

 

Um dos temas que vocês mais pedem para nós é o da destransição. E hoje trazemos a você o discurso da Charlie Evans, que quem segue o nosso canal do Youtube já conhece deste vídeo aqui. Ela é a fundadora da primeira organização internacional de pessoas que destransicionaram, a Detrans Advocacy Network, e proferiu essa fala quando do lançamento do ótimo livro “Inventing transgender children and young people” (“Inventando crianças e jovens trans”, listado em nossa seção de Referências). O evento se deu sob a égide da Women´s Declaration International, o novo nome da Women´s Human Rights Campaign e que tem uma representação no Brasil e você pode assistir ao vídeo em inglês no canal do Youtube da WDI e ler as palavras dela, deletadas do Medium, no link salvo no Web.Archive. Como ela não deu um título ao seu discurso, tomei a liberdade de escolher uma das frases que melhor resume a nossa posição sobre estas intervenções.

Eu espero que mais e mais relatos venham a público. Grande é a censura aos e às destransicionadas porque, ao ouvir suas histórias, pessoas em conflito com seu sexo e suas famílias pensam duas vezes antes de se dirigir a um ambulatório ou clínica de “identidade de gênero” – quantas vezes você já viu relatos de destransição nas redes sociais de organizações do tipo “Mães pela Diversidade”, “ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais” ou de órgãos públicos que deveriam zelar pelos direito à saúde de nós e de nossos meninos e meninas, como o Ministério da Saúde, os Ministérios Públicos e as Defensorias Públicas? As políticas transativistas foram implementadas sem que as narrativas contramajoritárias fossem ouvidas e conto com você para fazer este texto se espalhar. As instituições internacionais e nacionais, aparentemente, já foram todas cooptadas; o Brasil está entre um Ministério Público Federal que redefine o que é ser homem e mulher para os efeitos da Lei Maria da Penha e legitima linguagem fantasiosa a Tribunais de Justiça que também redefinem o que somos para finalidades previdenciárias e também para, rejeitando tudo o que sabemos sobre biologia e segurança jurídica, instituir documentos que atestam a existência de um terceiro tipo de ser humano, tão único e diferenciado que não seria homem e nem mulher: o “não-binárie”. Vivenciando a histeria coletiva de negacionismo do sexo vigente no século 21, nós assistimos à materialização de clássicos da ficção como “1984”, “A nova roupa do rei”, “Admirável Mundo Novo”, “O processo” e “As bruxas de Salem”, bem como de novidades como “Não olhe para cima” – sem falar nos paralelos com o documentário “A Terra é plana”.

Encerramos, contudo, com uma boa notícia: fui convidadada para o I Fórum Nacional Mulher e Infância, no qual falarei sobre hormonização infanto-juvenil e a importância de desafiarmos o discurso médico. As inscrições são gratuitas e minha fala acontecerá na mesa “Violência médica contra mulheres e crianças” no dia 11 de março das 11 horas da manhã até o meio-dia. A mesa contará também com as presenças de Julia Mattos, Veronica Linder e Lena Rúbia.

Abraços e até a próxima.

Eugênia Rodrigues
Jornalista
Porta-voz da campanha No Corpo Certo

 

“Ela precisa fazer uma mastectomia dupla para obter essa liberdade?”

 

Olá! Meu nome é Charlie Evans e sou a fundadora de uma nova instituição sem fins lucrativos para apoiar pessoas que foram prejudicadas pela ideologia da “identidade de gênero”: The Detransition Advocacy Network (Rede de Apoio para a Destransição). A primeira instituição sem fins lucrativos, até onde sei, a reconhecer e apoiar pessoas em processo de destransição e desistentes e a alocar fundos para as necessidades de saúde e jurídicas de pessoas que interromperam, ou reverteram, a transição de gênero, médica ou social.

Não sou filósofa, especialista em gênero ou psicóloga e imagino que muito do que eu irei dizer hoje já tenha sido dito por pessoas muito mais experientes e muito mais instruídas no assunto do que eu, mas falo por experiência própria por na infância e adolescência ter sido cooptada pela ideologia de que “eu nasci no corpo errado”.

Eu gostaria de falar da experiência das meninas e mulheres que transicionaram, as razões pelas quais elas fizeram isso e por que elas não mais sentem que a ideologia da “identidade de gênero” seria saudável e progressista. Estou aqui para falar hoje porque há décadas mulheres e meninas que não se aderem aos estereótipos atribuídos ao sexo feminino têm sido prejudicadas por um sistema que as diagnosticou com uma condição médica que é tratada com hormônios e cirurgias. Em vez de abraçar a não conformidade de gênero, esse sistema forçou estas mulheres e meninas a entrar em caixas, fazendo poucas tentativas para ajudá-las a superar seus problemas com seus corpos e achando muito mais fácil usar um bisturi.

O sistema vê a cirurgia como uma solução fácil para as meninas que não se adequam. Suas personalidades, roupas e hobbies foram vistos como um sintoma de que nasceram no corpo errado. Em vez de serem aceitas por quem elas são, elas foram informadas de que, se sentem que seu corpo está errado então, sim, seu corpo está errado. Elas foram prejudicadas por organizações como Stonewall [1] e Mermaids [2] – prejudicadas até mesmo pelo próprio Sistema Nacional de Saúde [3]. Essas organizações nos venderam uma mentira. Que “identidade de gênero” – o “sentimento de ser menina ou menino” – é um sentimento inato em nossas mentes. Que o sexo biológico não nos torna menina ou menino. Que na verdade é esse sentimento. Eles nos venderam a mentira de que, se não nos adequamos aos estereótipos de gênero, então na verdade não somos mulheres, e que hormônios e cirurgias serão nosso caminho para nos transformarmos em nosso “eu autêntico”.

Muitas destransicionadas e desistentes agora reconhecem isso como uma mentira e que na verdade agimos não por livre arbítrio quando decidimos fazer a transição, mas como resultado direto da opressão sofrida pelas mulheres – a sociedade nos faz odiar nossos corpos desde muito jovens; não tolera desvios da norma. Muitas de nós percebem isso depois de anos de testosterona. Algumas, após mastectomias e histerectomias. Nossa comunidade, a comunidade LGBT, nos deu as costas. Nós fomos expulsas. Disseram-nos que nunca fomos realmente “trans”, que apenas fomos erroneamente diagnosticadas e que somos apenas danos colaterais para o “bem maior”.

Rejeito a ideia de que a qualidade de vida de qualquer mulher seja chamada de “dano colateral”. Não acredito que nasci no corpo errado. Ou que haja algo no meu corpo que precise ser corrigido. Mesmo que em alguns dias eu realmente, realmente, sinta que há.

Depois que comecei a falar sobre minhas experiências como uma jovem que fez transição social, fui contatada por centenas mais. A maioria mulheres jovens, muitas já fizeram cirurgias invasivas e irreversíveis. Essa não é a única forma em que corpos femininos são alterados pelo bisturi na tentativa de ajustá-los. Existem enormes violações dos Direitos Humanos de meninas e mulheres em todo o mundo com esse objetivo. No entanto, poucos são incentivados, apoiados e até demandados por serviços de saúde, escolas e políticas governamentais. Eu suspeito que esse seja o único tipo de violação que é celebrada como progressista e liberal. E por isso é tão aterrorizante.

“Você nasceu no corpo errado” tornou-se uma narrativa aceita.

Há uma pequena diferença entre gerações quando falamos sobre esse assunto. Quando falo com outras feministas, feministas que respeito e admiro, às vezes fico surpresa ao ouvir que elas chamam as meninas que transicionam de fracas. Nós não somos fracas; nós fomos doutrinadas. Uma experiência que vocês não entenderão, a menos que sejam saturadas por ela desde o momento em que entrou na escola. Creio que seja ainda pior para a geração posterior à minha.

Além da confusão e do clima tóxico em que as meninas estão sendo criadas, e talvez também pela primeira vez na História, temos dois grupos opostos e ambos se dizem feministas. Um grupo diz que ser mulher é um sentimento que pode ser sentido tenha você tem um corpo feminino ou masculino. Esse sentimento é indefinível, mas é caracterizado por “pensar, agir e sentir-se como uma mulher”. Se você não “se sente como uma mulher”, você não é uma mulher. O grupo oposto diz que ser mulher se refere apenas ao sexo biológico. Que isso não é uma barreira para a sua personalidade, roupas, relacionamentos ou escolhas de carreira.

Infelizmente, o primeiro desses dois, que diz que ser mulher ou menina é um sentimento dentro de sua cabeça, é de longe a visão dominante. É este o “feminismo” ensinado nas escolas. Existem livros que explicam o conceito de “identidade de gênero”, há aulas inteiras sobre “identidade de gênero”, existem até gráficos úteis com uma mulher com um vestido cor-de-rosa brilhante de um lado com a legenda “menina” e um GI Joe de roupa cáqui do outro lado, com a legenda “menino” [4]. Nas salas de aula em todo o país isso está sendo ensinado. E há meninas que não se adequam a esses estereótipos vendo essas informações e sentindo – fortemente – que elas, então, devem ser meninos.

Imagine uma dessas garotas. Talvez ela tenha o cabelo curtinho. Ela não suporta usar maquiagem, mas à medida que vai se tornando adulta, ela se sente desleixada ao sair de casa com a cara limpa. Tudo, desde a revista que ela lê até os programas de TV que assiste, anúncios, amigos, professores, até a própria mãe, a incentiva a “se orgulhar de sua aparência”. Ela é ensinada a cobrir seu perfume natural com vinte e tantos produtos de beleza que revestem as prateleiras do banheiro. Tudo, da pele ao cabelo e aos pés, cada parte do seu corpo tem um produto diferente – morango, baunilha, hortelã, tea tree, qualquer perfume que não seja o dela. Ela odeia todos. Ela detesta se depilar, mas após ser zoada pelos amigos da escola, ela tolera. Mas ela sente que é assim que uma jovem equilibrada e bem-sucedida atua.

Ela nunca se veste da forma certa. Suas roupas são muito reveladoras ou muito desarrumadas, sua vida sexual é “muito promíscua ou muito frígida”, seu corpo “muito gordo ou muito magro”. O ódio que ela sente pelo próprio corpo cresce. Quando ela terminar o ensino médio, homens adultos mexendo com ela na rua se tornarão uma parte normal da vida. Nos próximos anos, ela será apalpada em boates e, eventualmente, não reagirá mais às piadas ditas sobre seu corpo. Ela aprenderá que essas piadas são apenas “garotos sendo garotos”. Ela aprenderá a não dizer nada, porque ela poderia chateá-los e os sentimentos deles são importantes.

Ela sabe também que não se encaixa com os meninos. Foi-lhe dito que ela também não se encaixa com as meninas. Ela tem permissão para jogar futebol na escola, mas sabe que não é vista como igual. Ela quer lutar boxe, mas riram dela por “bater como uma garota”. Ela quer desesperadamente ser vista como igual – ela quer ser “bonito”, ter barba, usar terno. Ela quer que as meninas olhem para ela da maneira como olham para os meninos. Ela começa a dizer – e até certo ponto, sente – que ela é um menino.

Isso soa familiar?

Talvez todas as mulheres nesta sala tenham sido aquela garota, de uma maneira ou de outra.

Em uma sociedade saudável, esta garota seria incentivada a mandar os meninos se lascarem, abandonar os produtos de beleza caros, não fazer nada que ela odeie e a aceitar seu corpo como ele é. Talvez tenha sido isso que você fez, se você foi aquela garota uma vez. Hoje, porém, uma criança assim é rapidamente reconhecida como “transgênero”. Ela não se identifica com o que a sociedade a ensinou sobre o que ser uma garota significa, então ela acredita que não é uma.

Ela sente que começou a juntar os pedaços do quebra-cabeça… Ela odeia seu corpo, ela nunca se identificou como menina, ela sabe o que significa “transgênero”, ela sabe que pode literalmente nascer no corpo errado porque essa é a posição de nossos sistemas de saúde – dos nossos clínicos gerais, hospitais, do currículo escolar. Dizem a ela que automutilação, talvez sua anorexia ou mesmo o autismo seriam “sintomas”. Ela continua a dizer que é um menino e ela é continuamente “afirmada”.

Ela sabe que é um menino porque, a essa altura, ela odeia o modo como seus seios atraem atenção. Ela odeia sua menstruação, odeia a atenção dos meninos. Ela sabe que é um menino porque ela não “age” como uma garota – nada sobre sua persona é “feminino”, e a ideologia “trans” diz que todo mundo “sente seu gênero”.

Ela sabe que é um menino porque atende aos critérios de diagnóstico da disforia de gênero – uma forte rejeição a brinquedos tipicamente femininos e a roupas tipicamente femininas, ter principalmente amigos do sexo masculino, uma sensação de que seus sentimentos e reações são típicos de meninos, o desejo de ser tratado como um menino.
Se ela vai seguir em frente com a transição ou não e se será feliz após a transição é uma aposta. Eu mantenho meus comentários anteriores de que ….não há evidências reais de que a transição amenize a disforia de gênero em lugar da terapia para aliviar o ódio e o trauma sexual e familiares e amigos apoiando a sua não conformidade de gênero.

Se pensarmos nesta jovem, é claro que ela se sentirá infeliz o tempo todo, sendo forçada a usar vestidos, a sorrir e ir à aula de balé. É a “transição” que irá fazê-la feliz? Ou é a liberdade de ser ela mesma – de abraçar sua personalidade e seus hobbies – que a fará feliz? Ela precisa fazer uma mastectomia dupla para obter essa liberdade? Se nós podemos fazer algo para ajudá-la a viver e aceitar seu próprio corpo, não deveríamos estar fazendo isso? Qualquer pessoa que tenha um coração desejaria aumentar a taxa de desistência em vez de incentivar as jovens a seguir um caminho que as levarão e se tornarem pacientes médicas para o resto da vida. Da mesma forma que fazemos com qualquer outro transtorno que afeta a maneira como vemos nosso corpo, não deveríamos estar tentando ajudar crianças e jovens a viverem felizes livres sem os efeitos colaterais de hormônios e cirurgias sérias? Não acho que eu consiga nomear nenhuma outra condição que afeta a maneira como vemos nosso corpo que seja tratada com “afirmação” e cirurgias.

O que estou dizendo é que, atualmente, é considerado terapia de conversão acreditar que todas as outras opções devem ser esgotadas antes de passarmos a faca em nossos corpos. Eu argumentaria que a cirurgia de transição de gênero é a verdadeira terapia de conversão do nosso tempo. É criminoso que tenha havido tão pouca pesquisa de outras formas de se tratar a disforia de gênero além desse “padrão de excelência”. Certamente, quando confrontados com a escolha entre mudar os corpos das pessoas não conformes para que estas se encaixem na sociedade ou mudar a sociedade para que esta se adeque as pessoas não conformes, devemos apoiar a segunda opção.

Onde estão os estudos, onde estão as pesquisas, onde há alguma tentativa de encontrar ajuda não cirúrgica para nós?
Se podemos encontrar formas de tratar e ajudar as pessoas a viverem vidas que não envolvam esterilidade, perda de função sexual, grandes cirurgias e tratamentos hormonais, devemos celebrar esse tratamento. Se a taxa de desistência de “crianças trans” for de 2% a 85% (a estimativa é ampla, porque não existem estudos bons o suficiente para determinar o número com certeza), deveríamos estar trabalhando para aumentar isso.

O criticismo de que isso seria “terapia de conversão”,;;;;;;;;;;;;;;;;. Essas críticas têm algo de verdade. A conversão gay ainda prospera no século XXI. Mas acredito que essas pessoas que nos criticam por apoiar opções alternativas para viver com disforia de gênero estão procurando conversão gay no lugar errado. A terapia de conversão de hoje é a prescrição de hormônios sexuais cruzados, mastectomias e histerectomias como tratamento para meninas e mulheres que não se encaixam nos estereótipos de gênero.

Eu normalmente não encerro minhas conversas de forma negativa. Mas hoje isso se faz necessário. Esta questão tem sido ignorada e nós ficamos em silêncio por muito tempo. É um direito humano básico viver sem dor – é um Direito Humano básico viver a vida livremente, sem coerção, sem ser informado de que há algo errado com seu corpo, sem ser sem ter seu corpo “corrigido” por cirurgias.

Dizer às meninas que elas têm uma incompatibilidade entre seu corpo e seu cérebro se elas agem / se sentem mais tradicionalmente como meninos – comportamento ‘tratado’ com mastectomias e histerectomias – não é progressista. É um ataque subreptício e manipulador contra mulheres e meninas.

Obrigada.

[1] Organização “LGBTQ+”
[2] A “Mermaids” (“Sereias”) é uma organização transativista, presidida por uma “mãe de ´criança trans´”, cujo alvo são crianças e adolescentes.
[3] O National Health Service (“Serviço Nacional de Saúde”) é o “SUS” da Inglaterra

[4] Charlie está se referindo à utilização por organizações da sigla “LGBT” do quadro abaixo, com a boneca Barbie num extremo e o boneco G.I. Joe de outro e a pergunta: “Onde no espectro a sua identidade de gênero poderia estar?”. A ideia é ensinar a crianças que homem e mulher não são seres humanos mas sim estereótipos; assim, uma garota ou garoto que estejam, por exemplo, entre os números 5 e 8 acreditaria que poderia ser “trans” ou “não binário”. O quadro ainda pode ser visto no Twitter da organizaão “LGBT” “Gender Space”, aqui. Link fixo aqui:

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