Cara ou caro,

este é o segundo texto da série “Lésbicas e o ´discurso trans´, iniciada com este texto. Convidamos você a buscar outros no site com a tag “lésbicas”, os relatos de destransicionadas e verificar por si o quanto elas, assim como jovens gays, estão vulneráveis à ação de ativistas e profissionais que legitimam a crença em “identidades trans”. Muitas ouviram desde meninas, antes mesmo que soubessem o que é orientação sexual, que “pareciam meninos” e depois que “queriam ser homens”. Para acreditar que poderiam sê-lo, é um pulo – um pulo bem lucrativo para certos profissionais.

Lamentamos a captura institucional que se verifica no país, sobretudo, no Estado de São Paulo. Não só com a inauguração de ambulatórios a toque de caixa, mas também com estímulos à (inexistente) “transição”, como vantagens em editais e cotas para o ingresso em cursos universitários. Esse Estado não está “garantindo direitos a pessoas trans”, está fabricando “pessoas trans”.

Até a próxima,

Eugênia Rodrigues

Porta-voz da campanha No Corpo Certo

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“A garota que eu gosto se declara um homem”

 

Há algum tempo, conheci uma moça no trabalho. Ela presta serviço pro órgão em que trabalho. Pela aparência dela, imaginei que se tratava de uma lésbica desfem (1). Até questionei com um homem se realmente ela era uma lésbica desfem ou se seria mais um “homem” trans, tendo em vista que lésbicas não femininas virou meio que uma espécie rara de se encontrar hoje em dia. 

Troquei ideia com o menino que trabalha com ela e ele disse que seu nome era “Sarah” (nome fictício). Sarah tinha um relacionamento um tanto conturbado, mas mesmo assim eu tive interesse. 

Trocamos Instagram e iniciamos uma amizade. Sempre que ela ia ao meu trabalho me avisava, conversamos muito pelo Instagram. Ela foi partilhando sua história até que…

Comecei a observar que ela seguia páginas transativistas. Páginas que falavam sobre binder, packer, e tudo relacionado ao mundo trans.  

Acabei descobrindo que ela é frequentadora de uma igreja “inclusiva”. Essas igrejas em sua maioria adotam a Teoria Queer como uma religião mesmo. E usam a Bíblia pra justificar questões sobre sexualidade, “identidade de gênero” e afins.

Até que um dia eu vi que Sarah é amiga de um homem trans que eu conheci anos atrás quando ele ainda era só uma lésbica desfem. Então um dia eu perguntei se Sarah era lésbica desfem ou se ela se declarava homem trans. A resposta não me surpreendeu. Sarah que até então é vista pelos parceiros de trabalho como uma lésbica desfem acabará me dizendo que é um homem trans. Vou chama-lo de Bruno! 

A princípio a minha ideia foi dizer a Sarah que ela deveria procurar ajuda psicológica pra se entender. Que nesses casos a ajuda é extremamente bem-vinda. Até por que conflitos de identidade todo mundo tem.

Mas Sarah parecia firme em relação ao que imagina ser. Ela começou a me dizer que já havia pensando em se hormonizar clandestinamente. Porque ela odeia menstruar. E até disse também que o seu colega trans que mora com ela super incentivou isso.

Eu incentivei o oposto. Que ela buscasse primeiro ajuda psicológica, fizesse exames. E que se depois disso tudo sua ideia sobre si mesma não mudasse, aí sim ela poderia recorrer aos hormônios. Sarah é uma pessoa bem manipulável, então foi fácil encaminhar ela pra terapia. O problema é que, ao mesmo tempo que eu estava incentivando ela pra terapia, existiam diversas outras pessoas fortalecendo a ideia de que Sarah é um homem.

Depois da nossa primeira saída e primeira conversa franca. Sarah terminou o relacionamento e viu em mim alguém que apoia, escuta, e entende. E sim, eu entendo!! Aos meus 19 anos eu também tive disforia com o meu corpo. Também usei roupas largas, também odiava menstruar e ainda odeio. Também quis ser homem!

E, talvez por essa razão, eu entenda o conflito pelo qual ela está passando. Sarah conseguiu um encaminhamento pro ambulatório trans da minha cidade. Foi encaminhada pra fazer todos os exames. E, aparentemente, parece bem disposta a mudar o nome, tirar os seios, útero, e visivelmente se transformar em um homem.

Sarah se abriu muito comigo e me falou sobre a família, sobre os amigos, sobre os relacionamentos. Não me parece ser má pessoa. Mas está passando por um momento difícil. Eu fui com ela no ambulatório trans e confesso que só segurei a mão dela porque ela está me fazendo um bem danado.

Ela contou que sofre de ansiedade, que já pensou em suicídio e o pior, que a família nunca a tratou como uma menina. O irmão dela é pastor da igreja que ela frequenta. Então consecutivamente ele fortalece a ideia de que ela é um homem trans. 

Nos últimos dias, eu e Sarah estamos mais afastadas. Não que eu tenha problema em me relacionar com alguém que me faz bem. Mas decidi dar um tempo até pra ela mesmo se entender. Não quero ser apoiadora disso e sinto muito se ela realmente continuar por esse caminho. Só desejo que ela não se perca.

Mas decidi me afastar porque acho que ela precisa se encontrar. O que eu poderia fazer, eu fiz. Conversei, trouxe outra perspectiva, mas é muito difícil mudar a ideia de quem já tem ela fortalecida. 

Ao que me parece, Sarah é uma pessoa solitária. Tem muitos amigos, mas nenhum a escuta. A família parece ser um pouco disfuncional. Segundo ela, que é a filha do meio, ela sempre foi desprezada pelos pais. Só teve relacionamentos tóxicos, morou junto com todas as namoradas. É uma pessoa que guarda tudo pra si. Então, a única coisa que posso fazer nesse momento é me afastar e esperar que o Universo dite o que de fato irá acontecer.

Espero muito que Sarah reflita sobre si mesma e perceba que qualquer mudança que ela faça jamais a deixará como homem. Esteticamente, ela poderá até parecer um homem, mas socialmente nunca será aceita e vista como um.

(1) “desfem” significa desfeminilizada, “butch” ou “caminhoneira”.