Caro leitor ou cara leitora,

 

este artigo foi redigido com a finalidade de ser lido na audiência pública realizada no dia 21 de junho pela Câmara dos Deputados, evento sobre o qual falamos em nosso mais recente informativo e que você pode assistir na íntegra neste link. Devido ao limite máximo de tempo por palestrante, ele não pôde ser lido na íntegra; além do que, como é comum acontecer com manifestações orais, houve pequenas diferenças entre o texto falado e o escrito.

Reafirmando o agradecimento ao Movimento Infância Plena pela iniciativa de solicitar uma audiência pública sobre o tema da “transição” infanto-juvenil e à deputada federal Franciane Bayer (Republicanos-RS) por ter oficializado o requerimento, submeto a vocês o texto que se segue.

Com a satisfação do dever cumprido, me despeço.

 

Eugênia Rodrigues

Jornalista

Porta-voz da campanha No Corpo Certo

 

Por que ainda mutilamos crianças e adolescentes: uma reflexão à luz das lobotomias infanto-juvenis

 

(Fonte)

 

Boa tarde.

 

“Em 1947 os psiquiatras Mário Yahn, Stanislau Krynski e os neurocirurgiões Aloysio Mattos Pimenta e Afonso Sette Jr. operaram nove crianças, sendo todas meninas entre nove e 16 anos de idade, do pavilhão feminino infantil do Juquery. Não obstante o grande número de operações realizadas no mundo todo, este foi o primeiro estudo publicado com crianças que se tem notícia. Talvez seja o único (…) De acordo com a definição de Brodal (1984, pp. 662-3) psicocirurgias eram: ´operações sobre o cérebro intato para mitigar disfunções mentais e de comportamento (…) A ânsia experimentalista dos psiquiatras e neurocirurgiões entusiastas das psicocirurgias parecia não ter limites (…) A idéia básica era a de que quanto antes se tratasse a doença, melhor seria o prognóstico.” ”.  

Estes trechos foram retirados do artigo “A lobotomia e a leucotomia nos manicômios brasileiros”, publicado em 2003 pelo então doutorando André Luis Masiero, da USP (1). Estas e as demais referências citadas nesta fala estarão disponíveis no texto que publicaremos em nosso site com a transcrição da presente fala.

Não foi só no Brasil que as lobotomias infantis aconteceram. O caso mais famoso foi o do menino norte-americano Howard Dully. Ele foi levado por seu pai e sua madrasta ao ambulatório de Walter Freeman, um médico que operava em clínicas e também percorria os Estados Unidos em um veículo comercializando a “cura milagrosa”. Freeman utilizava nada mais nada menos que um picador de gelo na cabeça dos pacientes. Howard tinha apenas doze anos.

E qual seriam os comportamentos tão graves do jovem paciente a justificar esse procedimento? 

Howard, que perdeu a mãe muito cedo, era, de acordo com uma matéria do UOL sobre ele, “uma criança comum. Quando criança, ele gostava de andar de bicicleta e jogar xadrez, às vezes brigava com seu irmão mais novo, ocasionalmente desobedecia às ordens dos pais e roubava doces na dispensa, nada que fosse tão incomum para um menino de 12 anos, que perdeu a mãe cedo demais” (2).

Felizmente, Howard não só sobreviveu como chegou a escrever um livro sobre sua vida chamado “Minha lobotomia – uma memória” (3). E tenta não pensar como teria sido a vida dele se os pais não o tivessem levado ao ambulatório de Freeman: “Tentei reconstruir minha vida. Levei muito tempo (…) Tive muitos problemas quando era um jovem adulto: drogas, álcool e atividades criminosas, tentando roubar e ganhar dinheiro, vencer na vida, então não foi fácil (…) Eu nunca vou saber o que eu perdi naqueles 10 minutos com o Dr. Freeman e seu picador de gelo (…) Por algum milagre, isso não me transformou num zumbi, não esmagou meu espírito ou me matou. Mas isso me afetou. Profundamente. A operação de Walter Freeman deveria aliviar o sofrimento. No meu caso, fez o oposto. Desde a minha lobotomia eu tenho me sentindo como uma aberração, envergonhado” (4). Ou seja, a lobotomia não só não melhorou seu comportamento supostamente rebelde, como pode ter tornado a vida dele mais difícil. Houve casos de famílias que levam mais mais de uma criança para esse procedimento. Na entrevista que deu ao jornal Washington Post sobre seu livro “Matéria branca – uma memória sobre família e medicina”, a autora Janet Sternberg conta como foi a sua convivência com dois tios, um homem e uma mulher, que foram submetidos à lobotomia na infância:

“Enquanto minha avó cozinhava e minhas tias e tios conversavam e jogavam cartas, os dois irmãos lobotomizados ´sentavam inexpressivos no sofá – Bennie em uma ponta, praticamente sem se mexer, e minha tia largada na outra ponta… Com a aguda volta das memórias veio a percepção de que mesmo sendo uma criança eu tinha alguma consciência… de que alguma coisa errada havia sido feita´”. ” MAS – continua o jornal, ela sabia que seus parentes eram “pessoas boas e generosas” (5).

A ideia de que médicos do Estado de São Paulo machucaram os corpos de crianças e adolescentes a partir de nove anos choca – e, lá fora, de acordo com a BBC, há casos de cirurgias feitas em crianças de até mesmo quatro anos (6). E por que famílias compostas por pessoas “boas e generosas” levariam seus filhos para um procedimento como esse? Porque médicos adotariam essa prática? Existem muitos motivos para isso e um deles é a dificuldade que temos, enquanto sociedade, em lidar com questões de saúde mental e até mesmo com simples comportamentos fora do padrão ou opiniões diferentes. Conforme a mesma matéria da BBC, Walter Freeman, o lobotomista com maior número de vítimas conhecidas, anunciou inicialmente que o recurso seria para “pacientes psiquiátricas com os quais todos os outros tratamentos fracassaram”, mas logo “começou a promover a lobotomia como uma cura para tudo, desde doenças mentais graves a depressão pós-parto e fortes dores de cabeça, dor crônica, indigestão nervosa, insônia e dificuldades comportamentais” (7). Nos Estados Unidos, foram lobotomizadas pessoas por serem simplesmente ateias e ou comunistas, como a atriz Frances Farmer, bem como gays e lésbicas. De acordo com a pesquisadora Eliza Toledo, que investigou intervenções cirúrgicas realizadas em pacientes do já citado Hospital Psiquiátrico do Juquery, em São Paulo, 

“Os ditos ´comportamentos desviantes´, isto é, comportamentos que fugiam dos padrões estabelecidos pela sociedade, eram quase sempre classificados como distúrbios psiquiátricos (…) e o “controle comportamental” estava intimamente ligado às psicocirurgias”(…) “As melhores candidatas à cirurgia eram as moças de ‘mau comportamento’ […]’, cuja resistência a outras terapêuticas era compreendida como prova de sua patologia, assim como certas características consideradas pelos médicos como amorais” (8) (9) .

De fato, pesquisar sobre lobotomias é ler justificativas como as fornecidas para a paciente mais famosa do mesmo Walter Freeman, Rosemary Kennedy, irmã do ex-presidente John F. Kennedy. Consultando o próprio site da Fundação Kennedy, ela foi “mais lenta para engatinhar e mais lenta para andar e falar do que seus irmãos, e experimentou dificuldades de aprendizagem quando ela chegou até a idade escolar (…)” (10). Na vida adulta, ela apresentava comportamentos rebeldes e violentos e seu pai autorizou ela fosse lobotomizada aos 23 anos; ainda conforme o site da Fundação, o “tratamento” foi oferecido como algo “novo e promissor”. Ela nunca mais conseguiu mais andar ou falar e viveu o resto de sua vida em instituições de saúde mental. É importante registrar que, aos 23 anos, Rosemary já era uma adulta. Ou seja, adultos também podem se encontrar em situação vulnerável e portanto também precisam ser protegidos de suas escolhas, da atuação de profissionais e das decisões de seus familiares.

As lobotomias continuaram a ser praticadas inclusive após a publicação do Código de Nuremberg, em 1947, que prevê diretrizes éticas para experiências médicas. Nas palavras de Masiero,

 “A publicação deste documento parece não ter sido suficiente para conter de imediato a experimentação indiscriminada ou a sujeição de seres humanos a procedimentos médicos de alto risco ou mesmo aviltantes, fossem em situação de guerra ou não. As psicocirurgias são exemplo do completo desrespeito ao código que fora ratificado internacionalmente em 1947. Nos manicômios brasileiros ainda foram feitas por pelo menos mais nove anos. Mesmo com as mortes, com as seqüelas deixadas ou os grandes riscos a que estavam sujeitos os doentes mentais lobotomizados, nenhum dos envolvidos nesta prática preocupou-se com a discussão ética destes procedimentos, limitando-se a taxar de ´pessimistas´ (Longo et al., 1956) os poucos opositores. A crítica do procedimento viria depois do seu abandono” (11).

Realmente, demorou muito tempo até a sociedade se dar conta de que os supostos resultados positivos de alguns pacientes não justificaram os danos causados à maior parte deles – inclusive a morte. Masiero pesquisou os resultados reais desse tipo de intervenção (12):

“Em um de seus trabalhos, Freeman e Watts (1942) apresentaram um índice de óbito de 8%. Das 136 pessoas operadas exclusivamente para a feitura deste trabalho, 11 morreram até o momento da publicação” (…) De acordo com Barreto (op. cit., p. 353), até aquele momento ele teria conseguido 24% de ´remissões completas ou de melhoras muito nítidas´. ´Apenas” um paciente teria falecido, número baixíssimo se comparado com a literatura internacional´ “

“No Brasil, foi feita apenas uma tentativa de intervenção deste tipo, em 22 pacientes, todas mulheres, sendo que 17 delas já haviam passado pela técnica tradicional de Freeman e outros tratamentos. Os resultados não foram satisfatórios, por isso esta técnica foi abandonada. Apenas dois casos de esquizofrenia crônica teriam apresentado melhora” 

“A evolução do pós-operatório era cuidadosamente observada por uma equipe de enfermeiros, psiquiatras e estagiários que avaliavam se teriam ocorrido melhoras significativas no quadro psicopatológico e comportamental. No começo as observações eram diárias e individuais, mas com o aumento rápido do número de cirurgias isto se tornou mais raro e difícil.”

“A conclusão de que menos de 1/3 dos pacientes tinham melhoras significativas gerou um certo pessimismo entre os médicos brasileiros no final da década de 1940. Impossível saber quantas cirurgias foram realizadas nos hospitais brasileiros, mas apenas no Juquery, até 1949, foram cerca de setecentas, quase todas em mulheres (Yahn et alii, 1948-49). Nas estatísticas dificilmente eram contabilizados os casos “piorados”, isto é, que ficaram com seqüelas irreversíveis, mesmo porque ninguém se interessava por métodos de avaliação psicológica mais eficientes que a simples e rápida observação diária”.

Hoje, ficamos chocados em imaginar que menores de idade, assim como adultos, eram submetidos a intervenções físicas para curar ou amenizar SUPOSTOS problemas mentais ou problemas mentais reais. Mas elas foram comercializadas, lembre-se como o último grito da ciência; a imprensa não cumpriu seu papel de investigar. O jornal norte-americano The New York Times se referiu à operação como “a nova ‘cirurgia da alma” (13).

Bem. Vocês imaginam por que eu comecei esta fala rememorando as intervenções corporais denominadas lobotomias: pessoas e organizações como a nossa questionam que  destruir partes do corpo e funções biológicas de seres humanos configurem, de fato, um “tratamento”. Mesmo que ALGUNS pacientes, como os do passado, digam que estas intervenções os ajudaram. Consideramos a prática antiética, sobretudo, quando estamos falando de menores de idade, os quais não têm maturidade para expressar um consentimento real – aliás, é por essa mesma razão que condenamos a pedofilia, lembram? A 4th Wave Now, uma campanha norte-americana similar à No Corpo Certo, tem um artigo cujo título, em português, pode ser traduzido como “Lobotomia: ascensão e queda de uma cura milagrosa” (14). Eu vou ler um trecho pra vocês:

“Muitos pais do 4thWaveNow estão preocupados que nós podemos estar no meio de outra desastrosa moda médica. A mudança súbita de ´identidade de gênero´ em nossas crianças foi facilmente aceita por seus colegas, escolas, terapeutas e médicos. Bloqueadores de puberdade, hormônios cruzados e cirurgias são rotineiramente encorajadas como os próximos e necessários passos. O nível de entusiasmo é incrível. Há uma ausência de cautela. Nós não sabemos quantos jovens irão crescer e lamentar seus corpos permanentemente alterados. Quantos deles irão imaginar como suas vidas teriam sido se eles não tivessem tomado esse caminho?”

O que está acontecendo no Brasil do ano de 2023?

Nosso país permite a prática de mutilar adultos que rejeitam a realidade de seus corpos desde 1979, quando o médico Roberto Farina, também do Estado de São Paulo, foi absolvido de mutilar seu paciente pelo fato de haver um diagnóstico de “gênero”. E faz DEZ ANOS que mutilamos crianças e adolescentes com base no mesmo diagnóstico. Desde 2013, quando da publicação do Parecer nº 8 de 2013 pelo Conselho Federal de Medicina (15). Seu conteúdo foi reforçado e ampliado pela Resolução nº 2265 de 2019 (16), do mesmo órgão, bem como da Resolução nº 1 de 2018, do Conselho Federal de Psicologia (17), que impôs penalidades aos psicólogos e psicólogas que questionem a crença em “identidades de gênero”.

E eu falo mutilação – bem como uso “mudança de gênero” ou “transição de gênero” entre aspas  – porque precisamos utilizar uma linguagem honesta. Sermos honestos e honestas é uma das melhores coisas que podemos fazer para que – ao contrário das lobotomias infanto-juvenis – os efeitos das normas publicadas pelo CFM não se prolonguem por tanto tempo. É precisamente mutilações que médicos – ajudados por ativistas, pelas instituições públicas, universidades, políticos e famílias de meninos e meninas “fora da caixa” – estão fazendo. De acordo com dicionários, mutilar significa amputar membros e ou danificá-los, e é isso que médicos estão fazendo. Impedindo os corpos infantis de amadurecer com hormônios bloqueadores de puberdade, fornecendo hormônios do sexo oposto dos quais estes corpos não precisam e não foram feitos para receber – e amputando membros tão logo estes meninos e meninas alcancem os 18 anos.

Talvez, para você, autoridade ou cidadãos e cidadãs conscientes que estão acompanhando esta audiência pública, esta comparação pareça exagerada. Então eu trouxe para vocês, cinco semelhanças entre as lobotomias e o chamado “processo transexualizador” – entre aspas, pois sendo o sexo biológico imutável, é charlatanismo dizer que se está “transexualizando” alguém.

 

  1. Assim como os que comercializavam lobotomias, os profissionais e organizações envolvidos nessas práticas utilizam  linguagem sensacionalista, vaga e alarmista. As lobotomias seriam “revolucionárias”, assim como a chamada “saúde trans” Mas há bem pouco embasamento científico real comprovando, de fato, a melhora da disforia e que essa suposta melhora se deveu às intervenções. Masiero concluiu que “Talvez nenhuma outra técnica cirúrgica tenha dado um salto tão grande partindo-se de estudos ainda não conclusivos.” (18). Pelo contrário, há pelo menos dois grandes estudos, que duraram décadas, mostrando o alto número de suicídios e tentativas de suicídio entre pessoa que passaram pelo chamado “processo transexualizador” – eu cito estes estudos no nosso site www.nocorpocerto.com no artigo “O que há por trás das estatísticas de ´suicídios trans´?” (19). Sobre o alarmismo, assim como os profissionais que comercializavam as intervenções corporais do passado, os atuais utilizam falas alarmistas, tentando nos apressar, nos convencendo de que devemos, rapidamente, mudar o nome das nossas crianças, mudar seus corpos, rotulá-las de “trans” tão logo elas digam que o são. Somos acusadas e acusados de estarmos “matando pessoas trans”, de sermos “transfóbicos”, “extremistas”, “nazistas”, “fascistas”. No mínimo desinformados e desinformadas sobre “questões de gênero”. Sabemos que apressar o comprador é uma das mais batidas táticas de venda – quem nunca sucumbiu a avisos de vendedores é melhor levar logo porque aquela peça era a última, a promoção iria acabar no outro dia etc.? Prestem atenção em como os médicos convenciam as famílias: “Outra justificativa era a de que se não fossem tratadas com rapidez, estas crianças com “perversões instintivas” e “desvios de conduta”, que tantos infortúnios causavam às famílias, à sociedade e ao próprio hospital, futuramente não teriam mais cura, e passariam a depender da família ou de alguma instituição pelo resto da vida. Ao contrário dos adultos, para os quais a indicação da leucotomia era uma solução final depois de esgotados outros tratamentos, estas nove crianças escolhidas para a operação eram aquelas com os “piores prognósticos” e que ainda não tinham passado por outros procedimentos terapêuticos” (20). É a mesma retórica dos profissionais que defendem a “transição” infanto-juvenil: “se você não aceitar que o seu filho ´é trans´” ele pode se matar”, “se você esperar para trazer a criança para nós, os sinais da puberdade vão aparecer e vai ser mais difícil ele ter uma aparência do outro sexo”… Aliás, até bem pouco tempo atrás, a sociedade sabia muito bem a quem interessaria fabricar adolescentes – os quais, no Brasil, podem ter relações sexuais a partir dos 14 anos – com aparência de criança.
  2. Assim como as famílias e profissionais do passado, nós também não aprendemos a desenvolver o nosso espírito crítico – em especial em relação aos médicos. Médicos, assim como qualquer outra profissão, não são deuses supremos e infalíveis – embora muitos se achem. Qualquer classe de profissionais tem pessoas gananciosas, antiéticas ou que, pelo menos, não se deram ao trabalho de pesquisar a fundo o que estão comercializando. Nós não aprendemos a confiar em nossa experiência, conhecimento e instintos e desafiar determinadas categorias profissionais prestigiadas, como médicos, e instituições de renome como a USP e seu Hospital das Clínicas, na qual se localiza o primeiro ambulatório a fazer essas intervenções em corpos de menores de idade. Essa falta de espírito crítico pode vir inclusive de outros médicos; vale a pena ler a entrevista que o cirurgião Henry Marsh, que chegou a participar por um breve tempo dessas cirurgias nos anos 70 no Reino Unido, forneceu à BBC. Ele não só denuncia que os pacientes submetidos à lobotomia eram os mais apáticos, como admite seu constrangimento em questionar o que estava acontecendo.  “A geração de cirurgiões que me treinou tinha, eu não diria poderes divinos, mas uma autoridade enorme, ninguém os questionava ou interrogava, e posso pensar em algumas das pessoas que me treinaram que eram, acima de tudo, pessoas decentes, e foram corrompidos por este poder e se tornaram um pouco monstros como resultado” (20).
  3. Assim como as lobotomias, as mutilações em seres humanos disfóricos e ou com comportamentos fora do padrão ignoram o Código de Nuremberg. Relembrando: após a Segunda Guerra Mundial, ocasião em que médicos nazistas realizaram experiências desumanas nos campos de concentração, inclusive em crianças, esses profissionais foram julgados por crimes contra a humanidade e também foi elaborado, em 1947, esse importante código de ética para pesquisas em seres humanos. O Código diz, em seu item 1: “O consentimento voluntário do ser humano é absolutamente essencial. Isso significa que as pessoas que serão submetidas ao experimento devem ser legalmente capazes de dar consentimento; essas pessoas devem exercer o livre direito de escolha sem qualquer intervenção de elementos de força, fraude, mentira, coação, astúcia ou outra forma de restrição posterior; devem ter conhecimento suficiente do assunto em estudo para tomarem uma decisão. Esse último aspecto exige que sejam explicados às pessoas a natureza, a duração e o propósito do experimento; os métodos segundo os quais será conduzido; as inconveniências e os riscos esperados; os efeitos sobre a saúde ou sobre a pessoa do participante, que eventualmente possam ocorrer, devido à sua participação no experimento. O dever e a responsabilidade de garantir a qualidade do consentimento repousam sobre o pesquisador que inicia ou dirige um experimento ou se compromete com ele. São deveres e responsabilidades pessoais que não podem ser delegados a outrem impunemente.” Como poderia o chamado “processo transexualizador” respeitar as exigências do Código de Nuremberg acerca de capacidade de consentimento se, de acordo com os próprios profissionais que comercializam esses serviços, seus pacientes experimentam, concomitantemente, questões de saúde mental, as quais podem prejudicar o discernimento, discernimento também ausente, total ou parcialmente, em menores de idade? Se o Código proíbe “fraude”, “mentira” e “astúcia”, por que estamos autorizando a comercialização ou oferecimento gratuito de algo chamado “processo transexualizador” ou “transição de gênero”, já que seres humanos não mudam de sexo?
  4. Assim como nossos antepassados, nós não aprendemos que estudos, artigos, entrevistas e o que é propagandeado por profissionais, organizações, autoridades e outros indivíduos sobre saúde pode não corresponder à verdade. Estudos não são provas; são informações que podem, devem e já foram, diversas vezes, contestadas e ou desacreditadas. Lembram do Walter Freeman, o médico que operou o menino Howard Dully? Ele mentia sobre seus resultados de suas operações. Na matéria da BBC que citamos, lemos o seguinte trecho: “Descobriu-se que Walter Freeman, que inicialmente alegava uma taxa de sucesso de 85%, tinha, na verdade, uma taxa de mortalidade de 15%. E quando os médicos investigaram os resultados de longo prazo de seus pacientes, eles descobriram que apenas um terço havia experimentado alguma melhora, enquanto outro terço estava significativamente pior” (20). Lembre-se também que a chamada “medicina de gênero” ou “cuidados em saúde trans” têm como principal nome John Money, um psicólogo pedófilo que foi o primeiro ambulatório de “identidade de gênero” do mundo e que enganou a opinião pública por anos, garantindo que o garotinho David Reimer, cujos pais ele convenceu a criar “como menina”, cresceu como uma alegre garota. Na verdade, Reimer teve uma infância e adolescência conturbada e se suicidou aos 38 anos.
  5. Finalmente, nós também não aprendemos ainda a verificar que o que é vendido (literalmente) como algo para melhorar a vida do ou da paciente pode visar, na verdade, a satisfazer os interesses de profissionais, instituições e ou seus familiares. Por exemplo, a experimentação científica, que é o que também guiava os médicos nazistas em suas experimentações com judeus de todas as faixas etárias. No caso do Brasil, preste atenção neste trecho: “Em última instância, esta experimentação com seres humanos incapazes de consentirem no tratamento a que foram submetidos, se não os curasse, poderia permitir que se conhecesse melhor o papel de cada região cerebral para o comportamento e doença mental. Pelo menos esta era a esperança dos lobotomizadores, como Pimenta (1936, p. 262) que aponta como uma das vantagens o “estudo fisiológico psiquiátrico”. E mais: “A falta de um critério de melhora do estado psicopatológico pode ser explicada pelo fato de este não ser o único objetivo. Se a cura fosse a única meta, a lobotomia e leucotomia não teriam prevalecido por vinte anos na psiquiatria brasileira, pois não foi preciso muito tempo para se concluir que os poucos benefícios advindos deste tratamento não compensavam os enormes riscos ou prejuízos físicos e psicológicos decorrentes, caso o paciente não morresse durante a intervenção ou de complicações futuras. Além da falta de opções terapêuticas, a insistência nesta prática era subsidiada por pelo menos dois outros objetivos: a diminuição da lotação manicomial e a experimentação” “. “A cronificação do doente e a conseqüente lotação das instituições manicomiais tornavam a prática psiquiátrica quase impossível na primeira metade do século XX. Um dos principais desafios era encontrar formas de diminuir a lotação e a cronificação.” (23). Na Suécia, descobriu-se, ao se pesquisar os arquivos do hospital de saúde mental Umedalen , que a operação era performada muito mais para o benefício do hospital do que do paciente, a fim de garantir “calma e ordem nos pavilhões indisciplinados” (24) Da mesma forma, oferecer modificações corporais como resposta às angústias de adultos, jovens e crianças atende, primordialmente, aos interesses financeiros de profissionais que têm nessa faixa uma fonte de lucro, bem como a mães e pais insatisfeitos por terem filhos e filhas fora do padrão. Embora falem muito em “diversidade”, são os transgeneristas que se recusam a aceitar a enorme diversidade de comportamentos que existe em meninos e meninas. 

Pois bem. Gostaria de trazer um trecho que encontrei no site da Fiocruz, instituição renomada que, lamentavelmente, foi uma das sequestrada pelos adeptos da medicina de “gênero” no Brasil.

A pandemia e a psicocirurgia, cada uma a seu modo, mostram que a doença e a forma como ela é vivida e tratada é sempre social, pontua a historiadora [Eliza Toledo]. ´Se pensarmos na questão do coronavírus, por exemplo, as experiências e condições de vida também interferem na forma como a doença afeta as pessoas. Os aspectos sociais e não apenas biológicos têm que ser pensados em escala local e global. Vejo nisso um paralelo com a psicocirurgia, pois a noção puramente biológica das doenças mentais condicionou seu tratamento por meio de intervenções cirúrgicas que desconsideraram aspectos sociais do sofrimento ou do adoecimento”, diz (25).

Frequentemente, nos perguntamos como as pessoas do passado puderam incinerar crianças como oferendas aos deuses, matar crianças que nasciam com problemas físicos e mentais, escravizar crianças, castrar crianças para garantirem vozes finas ao cantar na igreja (os famosos castratti), dar crianças em casamento. Temos a certeza (ou a ilusão) de que faríamos diferente. Seremos, todos e todas nós, indagados no futuro sobre por que permitimos a mutilação de crianças, adolescentes e adultos em ambulatórios que se baseiam na ideologia – jamais provada – da “identidade de gênero”. O que você irá responder?

 

Muito obrigada.  

 

  1. MASIERO, André Luis, em “A lobotomia e a leucotomia nos manicômios brasileiros”. Artigo publicado na revista História, Ciências, Saúde no ano de 2003. Link:  https://www.scielo.br/j/hcsm/a/Lg63Lg8vPjHT4v3TLvYmpyG/ 
  2.  [ https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/howard-dully-o-jovem-sobreviveu-aos-horrores-lobotomia.phtml?utm_source=site&utm_medium=txt&utm_campaign=copypaste&utm_source=site&utm_medium=txt&utm_campaign=copypaste ]
  3. [ https://www.amazon.com.br/My-Lobotomy-English-Howard-Dully-ebook/dp/B000VMHHL2/ref=as_li_ss_tl?__mk_pt_BR=%C3%85M%C3%85%C5%BD%C3%95%C3%91&keywords=My+Lobotomy&qid=1590152815&s=amazon-devices&sr=8-1&linkCode=sl1&tag=site-aventurasnahistoria-20&linkId=3c76fd148d28a9ec0c970b1e71c142e7&language=pt_BR ]  
  4. [ https://www.britannica.com/story/how-many-people-actually-got-lobotomized 
  5.   [ https://www.washingtonpost.com/national/health-science/a-memoir-investigates-how-a-family-lobotomized-two-of-its-children/2015/07/31/163eb076-2f0f-11e5-97ae-30a30cca95d7_story.html ]
  6. “Ao longo de sua carreira, Freeman realizou lobotomias em 3,5 mil pacientes, incluindo 19 crianças, a mais jovem com apenas 4 anos de idade” [ https://www.bbc.com/portuguese/geral-56147209 ].
  7. Idem [ https://www.bbc.com/portuguese/geral-56147209 ]
  8.  [ https://www.cafehistoria.com.br/estudo-de-historia-sobre-lobotomia-premiado/ ]
  9. [https://coc.fiocruz.br/index.php/pt/todas-as-noticias/1892-no-juquery-mulheres-foram-alvo-preferencial-das-lobotomias.html ]
  10. https://www.jfklibrary.org/learn/about-jfk/the-kennedy-family/rosemary-kennedy 
  11. Masiero, idem
  12. Masiero, ibidem
  13.  [ https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2021/02/21/lobotomia-o-polemico-procedimento-no-cerebro-que-era-considerado-mais-facil-do-que-tratar-uma-dor-de-dente.ghtml ]. 
  14. [ https://4thwavenow.com/2017/02/10/lobotomy-the-rise-and-fall-of-a-miracle-cure/ ]
  15. [ https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/pareceres/BR/2013/8
  16. https://sistemas.cfm.org.br/normas/visualizar/resolucoes/BR/2019/2265 ]. A resolução, conforme explicamos no nosso site, autoriza que médicos mutilem pacientes já a partir dos 18 anos, quando a Portaria do SUS de 2013 previa a idade mínima de 21 anos.
  17. https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/01/Resolu%C3%A7%C3%A3o-CFP-01-2018.pdf
  18. Masiero, ibidem
  19. [ https://nocorpocerto.com/o-que-ha-por-tras-das-estatisticas-de-suicidios-trans/ ]
  20. [ https://www.scielo.br/j/hcsm/a/Lg63Lg8vPjHT4v3TLvYmpyG/  
  21. [ https://www.bbc.com/news/stories-55854145
  22.  [ https://www.bbc.com/portuguese/geral-56147209#:~:text=A%20lobotomia%20teve%20seus%20cr%C3%ADticos,taxa%20de%20mortalidade%20de%2015%25. ] 
  23. Idem
  24. [ https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11016206/ ] (em português, o título seria “A história desconhecida da lobotomia: mulheres, crianças e idiotas foram lobotomizados”). 
  25. [ https://coc.fiocruz.br/index.php/pt/todas-as-noticias/1892-no-juquery-mulheres-foram-alvo-preferencial-das-lobotomias.html ]