Caros leitores e leitoras,

este é o primeiro texto de uma série contando a história da ideia de “identidade de gênero”, criada a partir da comercialização de serviços de modificação corporal oferecidos pela medicina européia e norte-americana. Narramos como o diagnóstico de “transtorno de identidade de gênero” foi transformado rapidamente em um “direito” e imposto nas legislações de tantos países, inclusive o Brasil, com pouco ou nenhum diálogo com a população. Explicaremos, capítulo após capítulo, as colisões de direitos geradas pelo “direito à identidade de gênero” e como ele prejudica toda a sociedade, sobretudo crianças, adolescentes e mulheres. As informações que traremos nesta série dificilmente são mostradas na grande mídia ou chegam até aqueles que podem revertê-las; assim, encorajamos você a encaminhar este e os próximos artigos ao maior número de pessoas possível, sobretudo políticos. Eles podem e devem assegurar os nossos direitos; conforme explicamos em um texto anterior

É compreensível que os partidos e seus filiados não queiram ser acusados de “transfobia”, mas nós, os 99,9% da Humanidade que ainda definimos homens, meninos, mulheres e meninas pelo sexo biológico e que reconhecemos a condição das crianças e adolescentes de seres humanos em formação também queremos ser ouvidos, respeitados e exigimos ter os nossos direitos assegurados. É preciso que todos nós reconheçamos, com urgência, que da forma como colocado na atualidade o direito à “identidade de gênero” retira direitos de toda a população, sobretudo de crianças, adolescentes e mulheres. Solicitamos aos políticos de todos os partidos e aos operadores do Direito, encarecidamente, que reconheçam essas colisões e se empenhem em resolvê-las”.

 

Parte 1 – O que é “identidade de gênero” e qual o real objetivo dessas políticas? O diagnóstico de “transtorno de identidade de gênero”, os “Princípios de Yogyakarta” e o lobby internacional pela “garantia do direito à identidade de gênero

Pessoas com comportamentos, gostos e preferências fora do padrão, provavelmente, sempre existiram ao longo da História. E, certamente, uma pequena parcela, devido a esses comportamentos, a como eram vistos ou a outros fatores,  experimentou sofrimento extremo com seus corpos e ou profundo desejo de pertencer ao sexo oposto. A partir do momento em que médicos começaram a comercializar serviços de modificação corporal decorrentes de descobertas científicas ocorridas entre a segunda metade do século XIX e o início do século XX, começaram a diagnosticar estes indivíduos como portadores de um transtorno que já recebeu nomes como “transexualismo”, “transtorno de identidade de gênero”, “disforia de gênero” e, mais recentemente, foi denominado “incongruência de gênero”. Como a própria palavra “transtorno” sugeria, estes indivíduos padeceriam de um sofrimento psíquico/psiquiátrico que os levava a experimentar profunda rejeição ao próprio corpo e a desejar ser alguém do sexo oposto (eles poderiam se ver, por exemplo, como “mulheres presas em corpos de homens”). De acordo com estes médicos, o transtorno poderia ser minimizado e ou curado com a aplicação de hormônios artificiais e a realização de cirurgias, a fim de que o paciente emulasse algumas das características físicas do outro sexo (1). Criado o diagnóstico, criado estava o paciente; o “transexual” é, portanto, uma criação médica.

Estas modificações corporais tiveram como um marco inicial conhecido o caso do pintor Einar Wegener, que assumiria o nome de Lili Elbe, inspiraria o filme “A garota Dinamarquesa” e cujas cirurgias lhe levariam à morte em 1931. Porém, foi na década de 50, já na era da televisão e a partir do sucesso midiático da operação realizada em Christine Jorgensen (1926-1989), nos Estados Unidos, que seria estabelecido um verdadeiro nicho de mercado seguindo-se os paradigmas estabelecidos por profissionais como o endocrinologista germano-americano Harry Benjamin (1885-1986) e o psicólogo neozelandês radicado nos Estados Unidos, John Money (1921-2006) (2). Este nicho de mercado seria exportado para outros países e, subsequentemente, exigiu-se que as legislações locais permitissem aos pacientes a alteração de documentos civis para ali constar um nome do sexo oposto e, mais tarde, até mesmo constar que o indivíduo seria do sexo oposto. As definições de Benjamin de “travestismo” e “transexualismo” seriam adotadas mundialmente: o termo “travestismo” seria usado para designar (3)

“(…) o desejo de alguns indivíduos – homens muito mais que mulheres – de se vestirem com as roupas do sexo oposto. É, portanto, também descrito como “cross-dressing” (…) o problema do transvestismo quase que exclusivamente diz respeito a homens nos quais o desejo de cross-dress é frequentemente combinado com outros desvios, particularmente fetichismo, narcisismo e o desejo de ser amarrado (bondage) ou, de alguma forma, humilhado”.

O “transexualismo”, por sua vez, configuraria uma outra condição:

O transexual (TS) homem ou mulher está profundamente infeliz enquanto um membro do sexo (ou gênero) ao qual ele ou ela foi assinalado pela estrutura anatômica do corpo, particularmente os genitais. Para evitar mal-entendidos: isto não tem nada a ver com hermafroditismo. O transexual é fisicamente normal (embora ocasionalmente com desenvolvimento incompleto). Estas pessoas podem de alguma forma acalmar sua infelicidade vestindo as roupas do sexo oposto, ou seja, pelo cross-dressing, e elas são, portanto, tranvestites também. Mas quanto o “vestir” satisfaria o verdadeiro transvestite (que está satisfeito com seu sexo morfológico) é apenas acidental e nada mais que uma ajuda parcial ou temporária para o transexual. Os verdadeiros transexuais sentem que pertencem ao outro sexo, eles querem ser e funcionar como membros do sexo oposto, não só se parecer com ele. Para eles, seus órgãos sexuais, os primários (testículos) e os secundários (pênis e outros) são deformidades nojentas que precisam ser mudadas pela faca do cirurgião. Esta atitude parece ser o principal ponto de diferença no diagnóstico das duas síndromes (conjunto de sintomas) – a do transvestismo e do transexualismo“. (Id.ib.)

As definições de Benjamin seriam reavaliadas em 1989 pelo dr. Ray Blanchard (4), o qual dividiria o transexualismo em homossexual e não-homossexual (autoginefilia), no que seria seguido por psicólogos como Michael J. Bailey (5). De qualquer forma, claro estava para todos (médicos, pacientes, operadores do Direito e sociedade) que os serviços de modificação corporal e as alterações de documentos estavam criando, tão-somente, uma ficção médico-jurídica. Qualquer adulto sabe que é impossível mudar o sexo biológico de alguém e que portanto homens não podem ser transformados em mulheres e vice-versa; médicos e pacientes esperavam apenas que, na medida do possível, operássemos uma “suspensão da descrença” e cooperássemos com essa ficção para otimizar os resultados do tratamento que comercializavam. Não se exigia da sociedade que esta abrisse mão da definição do que são homens e mulheres, meninos e meninas.

Ocorre que, ao longo dos anos, por diversos fatores (políticos, acadêmicos, ideológicos mas sobretudo pela alta lucratividade dos serviços de modificação corporal e da sua ampliação para abranger crianças e adolescentes), o que era reconhecido como um transtorno (o “transtorno de identidade de gênero”) foi progressivamente promovido a “direito à identidade de gênero”. A categoria médica do “transexual” foi substituída pela categoria ideológica “transgênero”, muito maior, que abrangeria não só esses pacientes mas qualquer homem ou mulher (inclusive meros crossdressers eventuais e os transvestites descritos por Harry Benjamin) que, por qualquer motivo, exija ser reconhecido como algo que não é — alguém do sexo oposto. O que era uma ficção médico-legal criada para minimizar o sofrimento de um pequeno grupo de pacientes foi alçado a um assalto, a nível global, do direito de toda a sociedade a afirmar a realidade do que são homens e mulheres, meninos e meninas, em uma pressão diária para que todos parem de definir essas duas classes com base no critério objetivo do sexo biológico pelo critério subjetivo da “identidade de gênero”. Na prática, o “direito à identidade de gênero” é o de exigir de toda a sociedade, em quaisquer circunstâncias e inclusive independente de diagnóstico médico, que finja que homens poderiam se transformar em mulheres e mulheres em homens — o que todos sabemos ser impossível. Mais recentemente, exige-se que a sociedade finja até mesmo que existiriam seres humanos que não seriam nem homens nem mulheres, mas supostamente “não-binários”, “gênero fluido”, “genderqueer” ou outras “identidades de gênero” inventadas na era das redes sociais. 

Como as duas classes de seres humanos diferenciadas há milhares de anos pela capacidade de produzir um dos dois gametas possíveis, macho ou fêmea, foram redefinidas em diplomas legais e diretrizes internacionais num piscar de olhos? Antes que fosse compreendida toda a gama de conflitos que ela traria? Uma das táticas utilizadas foi a da mimetização: a ideia de “identidade de gênero” foi misturada a outras que já haviam obtido maior aceitação nos anos 1990 adiante, como a orientação sexual; assim, as mudanças passaram under the radar (“sob o radar”). A metáfora, que alude a um avião que voa baixo para não ser percebido pelo radar, consta no manual de lobbyOnly adults? Good Practices in legal gender recognition for youth” (“Só adultos? Boas práticas para o reconhecimento legal de gênero para a juventude”), elaborado pela organização “LGBTQIA+” internacional IGLYO em conjunto com a Fundação Thomas Reuters (da famosa agência internacional de notícias Reuters) e o escritório de advocacia Dentons, um dos maiores do mundo. O guia ensina, na página 55: “A lição mais importante da experiência irlandesa é provavelmente que os ativistas trans conseguirão passar as legislações ´sob o radar´ mais estrategicamente se amarrarem as leis de direitos trans em reformas legais mais populares (por exemplo, o casamento igualitário) em vez de usar abordagens mais combativas e públicas (grifos nossos) (6). Em outras palavras, o manual não só admite que a ideologia da “identidade de gênero” tenta se associar maliciosamente a outras demandas mas também que essa associação é feita com o objetivo de esconder suas ações.

O direito à orientação sexual foi o mais usado para a tática da mimetização em primeiro lugar porque muitos dos que exigiam ser reconhecidos como alguém do sexo oposto (fossem eles pacientes médicos ou apenas crossdressers, transvestites, travestis etc.) eram gays ou lésbicas; já havia uma proximidade natural e social entre estes grupos, institucionalizada com as demandas de serviços relativas à epidemia do HIV nos anos 1980 e 1990. Em segundo lugar porque no início do século XXI boa parte dos países do norte global já havia reconhecido o direito à orientação sexual através de alterações jurídicas e médicas como a descriminalização das relações entre pessoas do mesmo sexo e a despatologização da homossexualidade. Assim, progressivamente, o que era conhecido como “movimento homossexual”, “movimento gay” (e, mais informalmente no Brasil, “GLS”) foi remodelado como “ativismo LGBT”, a luta pelo direito à orientação sexual e contra as discriminações com base na orientação sexual (homofobia) agregou a “luta pelo direito à identidade de gênero” e contra as discriminações com base em “identidade de gênero” e foram cunhados neologismos como “transfobia” “LGBTfobia”, “homotransfobia” e “pessoas LGBT”).

A letra “T” foi inicialmente associada aos “transexuais” (à época entendidos como aqueles que tiveram um diagnóstico médico de “transexualismo”, “transtorno de identidade de gênero” ou similares e passaram pela “transição” médica); após, adviria mais um “T”, de “travestis”, homens que se travestem de estereótipos associados ao sexo oposto e que não necessariamente fazem modificações corporais; esta palavra à época no Brasil era associada unicamente a homens gays enquanto nos países anglófonos o termo transvestite se confunde com o crossdresser, que pode ter qualquer orientação sexual. Finalmente, chegou-se à invenção do termo “transgênero” ou simplesmente “trans”; este ora é usado como um terceiro “T”, de onde adviria a sigla “LGBTTT”, ora como um termo “guarda-chuva” que abrangeria um grupo heterogênero formado pelos “transexuais”, pelos travestis e por muitas outras pessoas que não necessariamenkte experimentam qualquer desconforto com seus corpos: travestis, transvestites, crossdressers, andróginos, homens com autoginefilia e praticamente qualquer um que não esteja dentro dos padrões visuais e/ou comportamentais associados ao seu sexo. O uso da palavra “trans”, prefixo que está tanto em “transgênero” quanto em “transexual” e o próprio fato de que esses termos são usados frequentemente de forma intercambiável ajudaram na mimetização da categoria ideológico-identitária “transgênero” com a categoria médica “transexual”; muitos incautos acreditam ainda hoje que o “direito à identidade de gênero” pode ser manejado exclusivamente por transexuais médicos, que passaram pelo “processo transexualizador” e não a qualquer um que se declare “trans”, até mesmo, repita-se, um crossdresser eventual. Dentro da clase dos “transgênero”, ou, para outros, em separado, está o grupo representado pela letra “Q” de queer, que originalmente  significava “estranho” mas atualmente pode significar desde homossexual ou bissexual até qualquer pessoa, de qualquer orientação sexual, que use eventualmente algum item associado ao sexo oposto. “Queer”, como “trangênero”, não tem materialidade alguma (como comprovar juridicamente que um homem ou mulher seria queer?). Após, acrescentou-se aos “Ts” e ao “Q” um novo “Q”, de questioning (“questionando”) — como se o simples fato de alguém interrogar-se sobre algo pudesse fazer dele uma minoria oprimida alvo de discriminação. Adveio então o “I” de intersexo, palavra que substituiu “hermafrodita” e que conta com uma designação ainda mais moderna e acertada que é pessoa com DSD, sigla em inglês para “desordem do desenvolvimento sexual”. Conforme alertam diversos ativistas intersexo sérios, organizações “LGBTTTQQIA+” ou simplesmente “LGBTQIA+” procederam a uma apropriação indevida de sua condição, pois intersexos, ao contrário dos homens e mulheres que acreditam “ser transgênero”, têm uma condição biológica comprovável. O termo “pessoas com DSD”, inclusive, vem sendo preferido justamente para desfazer a impressão que o termo “intersexo” dá (e que a associação ao “T” reforça) de que elas configurariam um “terceiro sexo”. Esta população representa uma fração mínima de todos os humanos, dependendo da definição dada por cada cientista, e cada um deles também pertence ou ao sexo masculino ou ao sexo feminino, sendo portanto ou homens ou mulheres; a intersexualidade, longe de negar que o sexo seja binário, o reafirma, pois o indivíduo intersexo só pode ser macho ou fêmea. Mais: ao contrário dos genderistas, que conforme relataremos nos próximos artigos da série fazem lobby pela hormonização e cirurgias em menores de idade, ativistas intersexo lutam justamente para que bebês, crianças e adolescentes não sejam submetidos a cirurgias desnecessárias numa idade em que não têm capacidade e maturidade para consentir. Após agregar o “T”, os dois “Qs” e o “I”, juntou-se a letra “A” de “assexual”: pessoas que “não têm orientação sexual”. Ora, esse direito já não existe? Em que países democráticos as pessoas são demitidas, mortas, impedidas de ingressar num estabelecimento, de concorrer a cargos eletivos etc. por “não ter orientação sexual”? Outra junção sem sentido foi a da letra “P” de “pansexualidade”, um mero eufemismo para bissexualidade, já que ou alguém se relaciona com alguém do mesmo sexo (homossexualidade), ou do sexo oposto (heterossexualidade) ou de ambos os sexos (bissexualidade).

Mais recentemente, inseriu-se um “+” ao final da sigla. Essa atitude mostra que qualquer pessoa, com qualquer demanda (inclusive ilegal ou reprovável) pode fazer parte desse “ativismo”, o que evidencia que não estamos diante de um movimento social verdadeiro e que não há interesse em atuar com transparência. Uma sigla com letras e conceituações que mudam de acordo com cada interlocutor e situação e que representa grupos com demandas diferentes, contraditórias e mesmo que não têm “opressão” alguma. Para muitos gays, lésbicas e bissexuais, trata-se de uma “sopa de letrinhas” que não os representa deste a adição do “T” e é por isso que, nos últimos anos, reconstruíram as alianças formadas exclusivamente por “LGBs” (alguns inclusive aderiram à tag #dropTheT). Registre-se também que há indivíduos que, mesmo se autodeclarando “trans”, discordam das “políticas trans” (7). Estas vozes evidenciam que não existe, na prática, uma “comunidade” ou um “movimento” “LGBTQIA+”, mas apenas organizações e indivíduos que aderiram a esta sigla com interesses variados, inclusive financeiros.

Ativistas pelo “direito à identidade de gênero” também se associaram à luta de mulheres pela equidade de direitos com os homens, como se todos fizessem parte de um mesmo movimento para garantir “equidade de gênero” e “mais inclusão e diversidade”. Mas, por exigir que o termo mulher passe a  englobar homens, até mesmo em searas nas quais o corpo é o centro de tudo como os esportes, a verdade inconveniente é que as políticas baseadas em “identidade de gênero” retiram os direitos de meninas e mulheres. Essa mimetização, assim como a realizada junto ao direito à orientação sexual, funcionou entre outros motivos pelo uso do termo “gênero”, dotado de grande ambiguidade e multiplicidade de definições – tanto que foi usado tando pelos médicos e psicólogos que fomentaram a categoria “transexual” a partir dos anos 50 quanto por acadêmicas a partir dos anos 1970 – estas, com o fim específico de analisar a situação de desigualdade de direitos em que vivem homens e mulheres. O uso dessa palavra dificultou — e isso foi proposital — que as pessoas entendessem que o que são, realmente, estas políticas; é por isso que recentes campanhas nas redes sociais internacionais como a #SexNotGender (“Sexo, não gênero”) foram lançadas. 

Assim, associando-se a direitos mais aceitos e fagocitando grupos com situações e demandas radicalmente diferentes, utilizando um agressivo marketing emocional que sugere algo positivo (“diversidade”, “inclusão”, “não-discriminação”, “modelo afirmativo de gênero”), estatísticas duvidosas (8) e com forte aporte financeiro e político de grandes corporações e organizações internacionais como ONU, Anistia Internacional, Google, Arcus Foundation e Fundação Ford, com destaque no Brasil para a Open Society Foundation (9), bem como multinacionais (incluindo as dirigidas por bilionários que são eles próprios ativistas “LGBTQIA+”) (10), as ONGs “LGBTQIA+” se transformaram, elas mesmas, em corporações bem-sucedidas local e internacionalmente. Elas e outros ativistas pelo “direito à identidade de gênero” cooptaram a academia, transformando ambientes historicamente dedicados ao saber e ao saudável dissenso em espaços de censura e intimidação (nos quais a Teoria Queer é quase um dogma), cooptaram organizações locais (entidades de classe, conselhos profissionais, partidos políticos, outras ONGs), moldaram políticas governamentais através de lobbies (inclusive atuando como representantes indiretas de laboratórios) junto a políticos, operadores do Direito, órgãos públicos e privados, mídia, escolas e as mais variadas organizações e indivíduos, auferindo verbas públicas e privadas (através de editais públicos e projetos variados) e compondo a própria Administração Pública, na medida em que pressionaram para a criação de secretarias de governo, setoriais, comitês e núcleos de “direitos “LGBTQIA+” e de “diversidade”. Se é verdade que fazer lobby e institucionalizar-se são ações realizadas por outros ativistas, também é verdade que nenhum movimento social jamais advogou para mudar a definição legal do que significa ser homem ou mulher

O marco mundial do “direito à identidade de gênero” e que exemplifica o uso da tática de mimetização foram os “Princípios de Yogyakarta”, autodenominados “Princípios sobre a aplicação da legislação internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e identidade de gênero”. Ao contrário do que alguns propagandeiam, os “Princípios de Yogyakarta” não são um tratado internacional de Direitos Humanos, não foi assinado pelos Estados, não passou pelas formalidades previstas em regras internacionais e não é vinculante. É apenas uma carta produzida após uma “reunião de especialistas realizada em Yogyakarta, Indonésia, entre 06 e 09 de novembro de 2006” liderada pelos advogados transativistas Martine Rothblatt, Phyllis Frie, Stephen Whittle e Christine Burns, entre outros. “Estes quatro advogados, todos transexuais, foram os principais geradores do projeto de descontruir ´sexo´ na lei em escala global e substitui-lo por uma ideia subjetiva e ambígua de como as pessoas se sentem a respeito de seus corpos — suas autopercebidas ´identidades de gênero´. Desses quatro, Martine Rothblatt tem sido o jogador chave nesse processo de desconstrução (11).

A “definição” de “identidade de gênero” dos “Princípios” seria propagandeada maciçamente e imposta em legislações e diretrizes com pouca ou nenhuma alteração, disseminando-se com a velocidade dos pleitos nascidos na era da internet:

Compreendemos identidade de gênero como sendo experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, profundamente sentida, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de falar e maneirismos.

Depreende-se dessa “definição” que:

  1. “Identidade de gênero”, ao contrário do sexo biológico, é meramente uma ideia, uma suposição, uma ideologia – com muito esforço, poderíamos dizer que é uma hipótese. Algo inteiramente subjetivo, cuja existência é impossível de ser comprovada. Portanto, adotá-la ou não deveria ser uma escolha pessoal, como adotar uma crença religiosa, um posicionamento político, ideológico ou partidário, uma postura filosóficas ou uma opinião qualquer. Como uma escolha que, em países democráticos, é protegida pelo direito à liberdade de expressão e de crença mas que, felizmente, não é em regra oponível a terceiros. 
  2. É impossível provar se um indivíduo experimentaria ou não uma “identidade de gênero”, se ela seria “sua” ou do sexo oposto (sendo certo que ele não sabe como é ser de fato do sexo oposto) bem como é impossível se certificar se ele está a exigir o reconhecimento deste direito com objetivos reprováveis, como já aconteceu nos casos de estupros cometidos em prisões
  3. Ao contrário dos outros direitos aos quais o “direito à identidade de gênero” se associou, que pressupõem o reconhecimento do sexo biológico (direito à orientação sexual, direitos de meninas e mulheres, direito à saúde de pessoas intersexo etc.), a ideia de “identidade de gênero”, na prática, renega a biologia, as inúmeras diferenças entre os sexos e as experiências fisiológicas, sociais e históricas únicas decorrentes de cada um dele, o que o torna provavelmente o único direito já visto que, se concedido, obriga toda a sociedade a mentir sobre a realidade material. Mentir sobre aquilo que somos e sabemos que somos, que nos faz humanos, que fez com que chegássemos até aqui — que é a diferença sexual. Trazê-lo para o campo cogente do direito obriga a todos nós a, em maior ou menor grau, a renegar o que sabemos, a exercer a “suspensão da descrença” a um nível muito além do que era exigido para acomodar o (à época) pequeno número de indivíduos categorizados como “transexuais” e que eram definidos, genericamente, como pessoas que tiveram um diagnóstico médico de “transexualismo”, “transtorno de identidade de gênero” ou uma nomenclatura similar e que passaram por modificações corporais radicais.
  4. Ao contrário de outros direitos, não tem de fato uma conceituação, pois seus defensores ou fornecem definições circulares (“identidade de gênero é como alguém vivencia individualmente o seu gênero”, “mulher é toda pessoa que busca o reconhecimento como mulher”), ou admitem ser algo indefinível (“só mesmo quem é trans sabe o que é ser trans”) ou, finalmente, recaem em estereótipos ultrapassados como o uso de brinquedos na infância, a preferência por determinados vestuários etc.
  5. Ao adotar o entendimento de que “gênero” seria uma experiência interna, individual e praticamente metafísica (e, contraditoriamente, repetir que “o gênero é uma construção social”), o transativismo contradiz as discussões acadêmicas sobre o termo às quais alegam ser filiados. De uma maneira geral, esses estudos relacionavam “gênero” a características associadas culturalmente a cada sexo biológico e que variam no tempo e espaço, o que faz muito mais sentido, pois reconhece tanto a realidade biológica quanto o fato de sermos seres sociais e influenciáveis pelo meio externo desde o berço. Sendo impossível viver sem incorporar, em algum nível, o que o meio nos diz sobre comportamentos ideais, é previsível que alguns experimentem extrema dificuldade em viver como um homem com preferências associadas a mulheres e vice-versa. Enquanto o sexo biológico é descritivo (macho ou fêmea) o “gênero”, enquanto estereótipos culturalmente atribuídos a cada sexo, é prescritivo: o primeiro descreve a potencial capacidade de um organismo de produzir o gameta óvulo ou espermatozóide e a forma que esse organismo tomará com base nessa diferenciação e o segundo prescreve os papéis sociais de cada um deles. Assim, homens e mulheres são e sempre serão homens e mulheres e isso independe de estarem mais próximos ou mais distantes dos estereótipos de “gênero” e de fazerem modificações corporais (que, obviamente, não mudam o sexo; expressões como “processo transexualizador” e “afirmação de gênero” configuram meros eufemismos médicos). De se registrar, de qualquer forma, que ninguém deveria ser compelido a adotar um conceito acadêmico, ainda mais quando seu significado é controverso até para estudiosos do ramo. Qualquer pessoa, física ou jurídica, deveria ter o direito de não usar a palavra “gênero”; ela não é insubstituível (expressões como “papéis sexuais” ou “estereótipos sexuais” já cumpriam esse papel).

Os defensores do direito à “identidade de gênero” exigem que a sociedade passe a reconhecer que homens e mulheres não são duas classes de seres humanos, mas sim duas das muitas “identidades de gênero” que existiriam e que deveriam ser “respeitadas” a todo custo, como se estivéssemos submetidos a uma nova religião mundial e obrigatória. Assim, homens que exigem o reconhecimento de suas “identidades de gênero” exigem ser tratados como mulheres, sob a denominação “mulheres transgênero”, “mulheres transexuais” ou simplesmente “mulheres trans”; da mesma forma, mulheres que se declaram homens querem que todos as reconheçam como “homens transgênero”, “homens transexuais” ou apenas “homens trans”. Alguns também exigem que sejam vistos como “travestis”, mas não mais como homens travestis e sim como uma outra categoria, como se fosse possível existir seres humanos que não fossem homens e nem mulheres; há também a demanda para que “travestis”, ainda que materialmente homens, sejam tratados compulsoriamente no feminino (“as travestis”) e que, quando lhes interessar, sejam tratados como se fossem mulheres (por exemplo, para usar o banheiro feminino). Todas essas exigências devem ser obedecidas por todos independente de estes indivíduos terem ou não diagnóstico médico, alterações física ou aparência que lembre alguém do sexo oposto. Além das “identidades de gênero” “mulher trans”, “homem trans” e “travestis”, cada vez mais surgem outras “identidades de gênero” — para alguns, mais de 100! (12) — e muitas chegaram a ser reconhecidas legalmente ou por organizações públicas e privadas. O poder de influência destes grupos e o medo das autoridades de serem vistas como “transfóbicas” chegaram ao ponto de conceder até mesmo o direito a documentos dizendo que seriam “sem gênero” ou até mesmo “não-binários” — ou seja, seres tão únicos que, ao contrário de todos que já passaram pela Terra, não caberiam nas reles categorias de homem e mulher. Diariamente, instituições sérias como universidades são motivo de piada nas redes sociais por se dobrarem à exigência de alunos para o uso do “todos, todas e todes”, influenciados pelo que lêem na internet.

E mais: como estes indivíduos exigem ser reconhecidos como “mulheres e homens transgênero”, rebatizaram as mulheres e homens comuns como “cisgênero” ou “mulheres e homens biológicos” (sendo que há “transgêneros” que sequer admitem o sexo biológico que têm, alegando que o sexo, como o “gênero”, também seria uma “construção social”). Decidiram, unilateralmente, que a classe dos homens agora compreende os “homens trangênero” (materialmente, mulheres) e os “homens cisgênero” (biologicamente macho), bem como a classe das mulheres seria formada pelas “mulheres transgênero” (na verdade, homens)  e as “mulheres cisgênero”. Os 99% da Humanidade que reconhecem a realidade do próprio sexo biológico foram compulsoriamente transformados numa subclasse de sua própria classe e não aceitar essa renomeação compulsória é recriminado como prova do nosso “privilégio cisgênero”.

Somos todos obrigados a afirmar a crença em uma entidade invisível (a ideia de “identidade de gênero”) e a agir de acordo, proferindo palavras nas quais não acreditamos. Como sabemos, todos nós, o sexo biológico é uma característica imutável, comum a todos os habitantes da Terra e a praticamente todos os animais e protegido na legislação internacional: as Nações Unidas definem (ou costumava definir…) o sexo biológico como “as características físicas e biológicas que distinguem os machos das fêmeas. Somos, antes mesmo que compuséssemos a espécie homo sapiens, seres dimórficos, diferenciados pela capacidade em produzir o gameta óvulo ou o gameta espermatozóide e por inúmeras outras diferenças visíveis e invisíveis. Dentro desta nova ideia entre o kafkiano e o orwelliano, em que tanto uma mulher quanto um homem que se declara mulher são igualmente “mulheres” perante a lei e para as mais variadas situações legais e do dia a dia, e o mesmo ocorre com homens, então não existe diferença visível entre homens e mulheres; o sexo biológico não existe ou não importa. A existência e experiências próprias de meninas e mulheres, assim como as de meninos e homens, suas vidas moldadas a partir de seus corpos… se tornam uma ficção, com o consequente apagamento de oito bilhões de pessoas enquanto duas classes distintas de seres humanos. De todos os que vivem no planeta e os que viveram antes de nós, não podemos sequer dizer que aproximadamente metade seria do sexo masculino e metade do sexo feminino, uma vez que não foi indagada, de cada um, qual seria sua “identidade de gênero”. A verdade é que, embora a palavra “gênero” seja martelada incessantemente, o objetivo final destas políticas é o apagamento legal, social e histórico do sexo biológico

Registramos que houve um outro fator decisivo para a rápida incorporação do “direito à identidade de gênero” à legislação local (além do citado uso da técnica da mimetização, do atrelamento a interesses financeiros médico-farmacêuticos, censura acadêmica da facilidade de disseminação gerada pela internet etc.). É que foram e são utilizados métodos tão ou mais questionáveis como vagas acusações de “transfobia”, assassinato de reputações, ameaças de expulsão de organizações e até mesmo agressão física. Após a recente criminalização por parte do Supremo Tribunal Federal da vaga conduta de “discriminar em razão de identidade de gênero”, transativistas ameaçam de processo todos aqueles que, como o obstinado Winston Smith, personagem principal do livro 1984, insistem em dizer que dois mais dois são quatro.

Como a promulgação destas leis e desenvolvimento destas políticas ocorreram, lembremo-nos, under the radar, sem debate social ou conhecimento público acerca do tema, as populações desconhecem ou minimizam as implicações práticas e jurídicas da sua implementação, e tendo em vista a relevância do tema para a sociedade de um modo geral, o processo de criação legal esteve aquém do idealizado para a forma democrática de governo. Não foram observados procedimentos de participação popular, como as consultas populares e audiências públicas devidamente acessíveis e publicizadas, dentre outros, os quais, além de tornarem o processo de criação legal mais legítimo, por garantirem a participação dos destinatários da norma e dos possíveis afetados por ela, reforçam a responsabilidade e o compromisso impostos sobre o legislador para a produção de leis que possuam, em maior grau possível, qualidade e técnica. Foi assim que chegamos a colisões de direitos que configuram talvez, conforme outros países estão reconhecendo agora da pior maneira possível, a mais grave da atualidade. Resultados negativos já foram verificados e muitas destas normas foram questionadas e até alteradas. Essas consequências atingem a todos nós e os impactos jurídicos, conforme explicitaremos nos textos que se seguirão, são incontáveis.

Atualmente, a situação atual em boa parte dos países ocidentais é bastante similar. Organizações “LGBTQIA+” (inclusive algumas que não utilizam essa sigla e sim expressões como “pela diversidade”, “pela inclusão”, “Direitos Humanos”, “gênero e sexualidade” etc.) realizaram e realizam pressão direta sobre políticos, operadores do Direito, movimentos sociais,  acadêmicos, jornalistas e qualquer dissenso é tratado com reações histéricas e extremadas. Mas a resistência nunca deixou de acontecer: é exemplar a reação de britânicas e britânicos: as intervenções da medicina trans em menores de idade estão sendo discutidas judicialmente, o “reconhecimento de gênero” baseado apenas em autodeclaração foi freado e o ensino de “identidade de gênero”, revertido em diversas cidades.

Defendemos que todos e todas, homens e mulheres, têm direito à vida, à segurança, à incolumidade física e a se vestir e portar como desejarem, bem como a expressar suas opiniões e autopercepções. Acreditamos também que a maior parte das pessoas que defenderam a introdução desta ideia nas legislações e normas estavam de boa-fé e que imaginavam sinceramente que estariam colaborando para um mundo melhor. Desta forma, registramos que os fatos descritos aqui, todos devidamente comprovados, não devem ser interpretados como acusações a indivíduos, organizações e instituições específicos, mas sim como o resultado de investigações jornalísticas e pesquisas acadêmicas sobre o impacto dessas medidas — e como um chamado ao bom-senso, ao respeito de direitos anteriormente assegurados à população, ao cumprimento dos altos princípios éticos que devem nortear a medicina e a educação e, sobretudo, da alta relevância dos direitos das crianças e adolescentes.

(1)  RAYMOND, Janice. The Transsexual Empire. Nova York: Teachers College Press, 1994; JEFFREYS, Sheila. Gender Hurts. Londres e Nova York: Routledge, 2014; JEFFREYS, Sheila. Unpacking Queer Politics. Cambridge: Polity Press, 2002; SHRIER, Abigail. Irreversible Damage: the transgender craze seducing our daughters. Washington: Regnery Books, 2020.

(2) Money foi um dos responsáveis por cunhar a hipótese de “identidade de gênero” e pelo estabelecimento da clínica de “identidade de gênero” John Hopkins. Ele também foi responsável por uma das mais chocantes experiências já feitas em seres humanos, orientando os pais do menino David Reimer, o qual havia perdido um pedaço do pênis numa cirurgia de fimose, a “criá-lo como menina”. Anos depois, o mundo descobriria que David nunca foi feliz como “Brenda”, contradizendo os resultados positivos da experiência alardeados por Money, e que o famoso especialista havia abusado sexualmente de David e seu irmão gêmeo. Ambos se suicidaram anos depois. A história é contada no livro “As Nature Made Him: The Boy Who Was Raised as a Girl”, do jornalista John Colapinto.

(3)  BENJAMIN, H. The Transsexual Phenomenon. Edição eletrônica: Symposium Publishing, 1999. Disponível em: http://www.mut23.de/texte/Harry%20Benjamin%20-%20The%20Transsexual%20Phenomenon.pdf (acesso em 1.3.2021)

(4) BLANCHARD, R. (1989). The Concept of Autogynephilia and the Typology of Male Gender Dysphoria. The Journal of Nervous and Mental Disease, 177(10), 616-623. Retrieved [today], from http://www.genderpsychology.org/autogynephilia/male_gender_dysphoria

(5) BAILEY, J. M. The man who would be queen: the science of gender bending and transsexualism.
Washington, DC: Joseph Henry Press, 2003.

(6) Manual de lobby “LGBTQIA+”

(7) Matéria sobre Scott Newgent, “transexual” crítico ao transativismo

(8) Matéria questionando as estatísticas propagandeadas por transativistas durante anos

(9) Open Society Foundation, financiadora de boa parte da militância brasileira, defende políticas de “identidade de gênero” até mesmo para crianças

(10) Os bilionários por trás do ativismo “LGBT”

(11) Um olhar crítico sobre os Princípios de Yogakarta

(12) Professora ensina às crianças que “existem mais de 100 gêneros”