Caras e caros,

 

submetemos a vocês mais um artigo da série “Resenhas” reforçando o convite para que vocês também nos enviem suas críticas de séries, filmes, livros ou outras obras que abordem o tema “trans”. Desta vez, a crítica vem à festejada série “Sex Education”, da Netflix, e foi enviada pela pedagoga Katyane Souza, responsável pelo perfil “Pedagoga Braba” do Instagram. Inclusive, Katyane está oferecendo descontos para as leitoras e leitores da No Corpo Certo na compra de seu recém-lançado livro “Novas Infâncias: reflexões para promover a autoestima de crianças e adolescentes na era digital”. Clique aqui ou aqui e digite o código NOCORPOCERTO para ganhar 10% de desconto. Espero que mais profissionais de educação tenham a coragem de falar de infância e adolescência a partir da realidade material.

“Sex Education” série gira em torno do tema sexualidade na adolescência e tem como protagonista um rapaz cuja mãe é terapeuta sexual. Infelizmente, conforme você verá adiante, ela tem pelo menos duas “bolas fora”: o incentivo ao uso de binders e a legitimação de que seres humanos possam ser “não-binários”. A imagem abaixo retrata uma das cenas da série, claramente de teor propagandístico. A personagem Cal diz a Layla: “Nossa, você está resplandecente, sério! Como você se sente?” Layla responde: “Me sinto muito melhor”.

Sex Education Best Moments For Diversity And Inclusion

Isso reforça a importância de termos uma conversa honesta com nossos filhos e filhas, bem como entre nós adultos, sobre a diferença abissal entre sexualidade e negacionismo de sexo, entre experimentar sentimentos normais de amor e desejo e acreditar que se pode ser do “sexo/gênero” oposto ou de um “terceiro gênero”, entre o desconforto das mudanças corporais trazidas pela puberdade e um diagnóstico de “incongruência de gênero”, entre celebrar a potência do corpo e machucá-lo com binders, hormônios sintéticos e cirurgias mutilatórias. Em geral, profissionais de saúde que lucram com pacientes em desconforto com seu sexo, ativistas e a própria mídia costumam disfarçar a propaganda “trans” entre discussões sobre outros assuntos, como na invenção da sigla “LGBT”, que propositalmente mistura orientação sexual (lésbicas, gays e bissexuais) com “identidade de gênero” (“T”).

A nossa campanha, é claro, condena qualquer prática que machuque os corpos de crianças, jovens e adultos, incluindo o uso de binders . Convido você a refletir sobre a semelhança entre essa prática e a de achatar os seios das garotas em certos locais da África, bem como a assistir ao vídeo “Destrua Seu Binder”. O nascimento dos seios e as outras mudanças corporais trazidas pela puberdade, bem como o assédio de homens adultos nas ruas, podem trazer sentimentos de desconforto e estes sentimentos podem evoluir para a disforia, mas de forma alguma a solução é danificar a saúde das nossas meninas. Lamentamos que mulheres adultas que se autodeclaram homens incentivem diariamente em redes sociais o uso de binders nas redes sociais e que adultos de ambos os sexos os vendam e ou façam “vaquinhas” e outras ações para “doá-los” (ou seja, a comprá-los para meninas e mulheres). Ironicamente, empresas como Youtube, Facebook, Instagram e Twitter têm regras contra conteúdos sobre automutilação. Ou seja, sabemos, todos nós, que a mutilação é algo ruim, mas fingimos que ela pode ser aceita caso realizada em nome da crença em “identidades de gênero”.

 

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(#pratodosverem: menina negra com os seios achatados).

Lamentamos também o aparelhamento de órgãos públicos como defensorias e promotorias no Brasil e no mundo, sobre o qual falaremos oportunamente. Será um motivo de vergonha no futuro ver defensores, promotores e procuradores legitimando um negacionismo do sexo que já chegou às raias de uma histeria coletiva.

Que os bons ventos deste ano nos inspire a não só aceitarmos a realidade dos nossos corpos mas também a ajudar outros seres humanos, principalmente as crianças e adolescentes, a também aceitá-la.

Abraços e até a próxima.

Eugênia Rodrigues

Jornalista

Porta-voz da campanha No Corpo Certo

 

“Sex education”: série da Netflix levanta discussões sobre sexualidade na adolescência, mas derrapa na propaganda “trans”

 

No início do último episódio da terceira temporada da série, a personagem Layla aparece usando ataduras, bem apertadas na região dos seios, fixadas com alfinete à própria pele. Um pouco depois, ela então é “salva” por outra menina que se autodeclara “não-binária”, Cal, que apresenta a ela o binder, uma forma “segura” de comprimir os seios. Layla sorri e acena feliz com um forte “é sobre isso”. 

(#pratodosverem : imagem da personagem “Layla”, uma menina branca de cabelos na altura do queixo usando uniforme de colégio).

O jornalismo do entretenimento foi à loucura com essa “representatividade”. Há matérias sobre o acontecido no NY Times, no BuzzFeed e na Vogue. Todos celebram a primeira aparição do binder na televisão. “Representatividade importa”, dizem. As atrizes da série deram entrevistas onde disseram terem se sentido muito honradas em fazer a cena. Não há críticas sobre o auto-ódio feminino. Afinal, na realidade misógina em que vivemos, e que é representada cinematograficamente, mutilar o próprio corpo significa deixar vir à tona a própria “essência”, seja lá o que isso significa. Não importa o quanto essas ações possam prejudicar a própria saúde.

É preciso lembrar que o desconforto com o próprio corpo, especialmente para as meninas que estão na puberdade, é algo bastante comum. Isso se deve ao fato de vivermos em uma sociedade misógina, o que torna realmente perturbador quando, nessa idade, começamos a perceber os olhares masculinos sobre os nossos corpos femininos, como se fôssemos pedaços de carne. É quando passamos a entender, na própria pele, o que é ser mulher. Mesmo que ainda sejamos crianças. 

Mas a série e o ativismo LGBTQ+ não estão interessados na saúde e bem-estar das crianças e adolescentes. Não há preocupações legítimas em transformar essa sociedade para que as meninas possam passar pela puberdade de forma segura, sem sofrer violência sexual e sem odiar o próprio corpo. Afinal, isso não dá lucro para a indústria farmacêutica ou da cirurgia plástica. Também não valida as disforias e/ou fetiches particulares dos adultos que defendem a ideia de gênero como autoidentificação. 

Esse é só um (forte) exemplo de como a ideia anticientífica de “identidade de gênero” é nociva aos jovens, principalmente porque estão em processo de desenvolvimento cognitivo e ainda não possuem condições de compreender as sequelas a longo prazo que o uso de binder e hormônios bloqueadores de puberdade, por exemplo, podem causar. Essas adolescentes não precisam de roupas especiais, nem remédios ou cirurgias. Não há nada de errado com seus corpos saudáveis. 

Não existem pessoas “não-binárias” porque gênero é uma imposição sobre o sexo biológico e só existem dois sexos (sim, mesmo para pessoas intersexo). A misoginia e seus produtos – violência sexual, homofobia e lesbofobia – podem fazer com que algumas meninas e meninos pensem que nasceram no corpo errado ou que precisam se machucar para serem aceitas. Nós, enquanto sociedade, deveríamos estar acolhendo essas pessoas e buscando alterar as estruturas sociais que produzem essas violências e auto-aversões. 

Não consigo pensar em outra forma de terminar esse texto que não seja com um apelo urgente às pessoas adultas que me leem: por favor, contribuam para que as crianças e adolescentes amem seus corpos. Combata o discurso de “corpo errado” e mutilação como “empoderamento”. Seja exemplo de pessoa que respeita e cuida do próprio corpo de forma saudável. Se engaje politicamente para barrar o avanço do identitarismo e transformar a sociedade em que vivemos.