Era uma vez um rei que queria ser uma mulher. Ao menos, o que ele achava que é ser uma mulher. A corte e os súditos tratavam sua crença de maneiras variadas: alguns achavam que ele era gay, outros que teria um fetiche sexual, outros ainda que estavam diante de alguma séria questão de saúde mental. Fato é que, evidentemente, ninguém o levava a sério.

Um belo dia, chegou ao reino um bando de charlatões. O bando era formado por profissionais como médicos, psicólogos, psicanalistas, fonoaudiólogos e assistentes sociais. Eles se autodeclaravam uma  “equipe multidisciplinar” – ainda que soubessem que eram os médicos que “disciplinavam” a todos. Os doutores tinham ouvido falar do caso do rei e acharam que seria uma ótima oportunidade de negócios não só junto ao cliente ilustre mas também para que outros seguissem seu exemplo. Atuavam junto à “equipe multidisciplinar” acadêmicos, advogados e ativistas, entre outros.

Os charlatões foram prontamente recebidos pelo rei na sala do trono, diante do qual os serviçais haviam colocado luxuosas cadeiras acolchoadas e de espaldar alto. O médico que chefiava a “equipe multidisciplinar”, um psiquiatra chamado Alessandro, foi à frente e disse, pomposo: 

 – Majestade, estamos muito gratos por nos receber! Trazemos ao senhor e ao seu país um tratamento revolucionário, um grande passo para a Ciência! Queremos ter a honra de transformá-lo numa mulher… ou deveria dizer… transformá-la? – completou, sorrindo – Eu acho até que já é uma!

O rei se sentiu vingado. Finalmente alguém que legitimava o que ele sentia! E não qualquer um – médicos, profissionais que todos temos em alta conta! Todavia, logo caiu em si:

– Mas, doutor… isso não pode ser feito. Nós todos sabemos que seres humanos não mudam de sexo. Eu jamais serei uma mulher…

– Não será, mesmo… – concordou delicadamente o dr. Roberto, cirurgião e o integrante mais velho da equipe. -Talvez Vossa Majestade tenha um transtorno mental que o faz desejar desesperadamente a aparência do sexo oposto e que poderíamos chamar de “transexualismo”. Se o processo terapêutico não o ajudar a se reconhecer como o homem que é, o uso de hormônios sintéticos, a realização de cirurgias e medidas simples como a mudança de guarda-roupa poderão lhe trazer algum alívio…

O rei se sentiu novamente dividido. Por um lado, ficava aliviado de saber que haviam inventado um tratamento para o que ele tinha; por outro, não gostou de ouvir que poderia teria um transtorno mental e que deveria fazer terapia. O dr. Alessandro percebeu, desesperado, que os escrúpulos do dr. Roberto poriam a perder os lucros de sua classe profissional e tomou a frente:

-Majestade, eu respeito demais a experiência do meu colega, mas novíssimos estudos provaram que pessoas como o senhor não têm problema mental algum! Isso é um preconceito que afasta os pacientes dos cuidados em saúde de que vocês tanto precisam! Uma discriminação que causa de milhares de suicídios anualmente!

– A gente não muda de sexo, essa é a verdade – insistiu o monarca, conformado.

– Majestade… o senhor não mudará de sexo, fato. Mas o senhor poderia mudar…. – fez uma pausa teatral – …de “gênero”.

– “Gênero”… repetiu o rei, interessado. – Me conte mais. 

O psiquiatra sentenciou:

– Uma mulher não é um ser humano. Uma mulher é uma ideia. Que ideias vêm à sua cabeça quando o senhor se imagina como uma mulher?

Ah… que sou linda… glamourosa… que eu chamo a atenção de todo mundo quando eu passo na rua! Que as outras mulheres têm inveja de mim porque sou mais bonita que elas! Eu fico horas me olhando no espelho imaginando… sabe?

-E como o senhor se imagina vestido? Digo… a senhora?

-Vestido… saia… Às vezes uma calça, mas tem que ser bem apertadinha pra mostrar bem o meu novo corpo… e blusa justinha também… Maquiagem… cabelos longos… eu quero bater cabelo!

-Então… isso é “gênero”! – exultou o psiquiatra. – O senhor pode até ser biologicamente do sexo masculino, embora teóricos queer mais modernos considerem o sexo biológico uma invenção… mas o senhor, digo, senhora, é do GÊNERO feminino!

-Eu sou do “gênero” feminino… – repetiu o monarca, animado.

-Todos nós temos dentro de nós algo chamado “identidade de gênero” – garantiu o dr. Alessandro. – Alguns chamam de “alma feminina”, “essência masculina”, “espírito de mulher” ou “de homem”…. nós, médicos, e também os ativistas e acadêmicos mais evoluídos, chamamos de “identidade de gênero”! E é ela que vale, ela está acima do sexo!

O paciente (que não sabia que já era um paciente) ainda não estava plenamente convencido:

-Mas nem toda mulher gosta de vestido e saia. Aqui no reino muitas usam calça, bermuda, andam sem maquiagem e têm cabelos curtos.

O dr. Alessandro então olhou para a professora Débora, uma das acadêmicas da área de “estudos de gênero” que trabalhavam em conjunto com a equipe. Era o sinal para que ela se valesse de seu “local de fala” de mulher e feminista para validar o discurso médico. Débora conduziu gentilmente o rei à janela do palácio e perguntou:

-O que o senhor vê quando olha os seus súditos e súditas? Eles são todos iguais?”

Sem saber o que ela queria dizer com a pergunta, ele respondeu:

-Não, claro. Tem gente de todo tipo.

-As mulheres, elas são todas iguais?”

Ainda sem entender, ele insistiu:

-Claro que não, cada uma é de um jeito!

A pesquisadora sorriu:

Exatamente! Há mulheres brancas, negras, gordas, magras, heterossexuais, lésbicas, bissexuais, pobres, ricas, e… 

-E….? – repetiu ele, impaciente.

-“Trans”!!!” – exclamou a professora, sorrindo e segurando a mão dele. – Vossa Majestade é sim uma mulher… assim como eu sou… Só que eu sou “cisgênero”, que podemos abreviar para “cis”… eu estou “de acordo” com o “meu “gênero”… e a senhora é “transgênero”, que podemos abreviar para “trans”… a senhora mudou, “transicionou” de “gênero”… A senhora é uma “mulher trans”… 

– Eu sou uma “mulher trans” – repetiu o rei, maravilhado.

Um jovem psicólogo da “equipe multidisciplinar” chamado Paulo se aproximou. Era um rapaz que até mesmo a equipe achava bem esquisito e que dizia pesquisar sobre “infâncias trans e queer“. O dr. Paulo disse com o dedinho levantado:

Apenas as pessoas inteligentes e bondosas são capazes de ver que o que nos faz homens e mulheres não é o sexo biológico e sim a nossa “identidade de gênero”. O que importa é como a gente se sente. Nem todo mundo vê isso… porque as pessoas em geral são “transfóbicas”!

Pessoas “trans” existem e resistem! – gritou alguém levantando o punho.

-Pessoas “trans” existem e resistem! – gritou também o rei.

-Pessoas “trans” existem e resistem! – repetiram todos.

– Não à “transfobia!”, clamou um.

-Não à “transfobia”! – urraram todos. E abraçaram o rei, que chorava emocionado.

Horas depois, o dr. Alessandro sorria deitado na cama de um luxuoso hotel. Imaginava de quantos dígitos seria sua nova renda mensal.

Os próximos tempos foram de muito trabalho para o rei, a equipe multidisciplinar e os acadêmicos e ativistas que gravitavam em torno deles. Depois de comunicarem publicamente que seu líder agora era a “Rainha Erika”, eles obrigaram os membros da corte a fazerem uma formação em “diversidade e inclusão” que legitimava a pseudociência praticada pela “equipe multidisciplinar” e cujas referências maiores eram teóricos queer como Judith Butler e Beatriz Preciado – a qual, depois de ouvir falar na história do rei, mudou seu nome para “Paul Preciado”. Os médicos da equipe que trabalhavam como consultores para laboratórios se articularam para descriminalizar a mutilação de seres humanos saudáveis em caso de diagnóstico baseado em “identidade de gênero”. Depois, atuaram junto ao Ministério da Saúde para desviar o dinheiro do povo para a construção de ambulatórios de “identidade de gênero”, para pagar o que eles chamavam de “processo transexualizador” e para a compra de produtos como hormônios sintéticos e implantes de silicone – coincidentemente, vendidos pelos mesmos laboratórios que os financiavam. Num primeiro momento, apenas os pacientes com diagnósticos de “gênero” tinham autorização para mudar seus documentos, mas depois qualquer um podia fazê-lo alegando seu direito à “identidade de gênero”. Rapidamente, “identidade de gênero” foi reconhecida como parte dos “Direitos Humanos”. A mídia abriu mão de seu dever de informar em prol do que se transformou rapidamente numa indústria – a indústria da “identidade de gênero”.

As referências a sexo biológico foram trocadas por termos como “gênero” e “identidade de gênero”, o que na prática destruiu todos os direitos baseados no sexo das meninas e mulheres, inclusive os espaços separados por sexo. Destruiu também a liberdade de expressão do povo, a confiabilidade das estatísticas e a seriedade de estudos, artigos, manuais e outros documentos públicos e privados. O grupo também mudou o currículo de cursos universitários e acadêmicos começaram a publicar artigos com termos inventados e sem a menor comprovação científica como “transgeneridade”, “transexualidade”, “trans-inclusivo” e “transfeminismo”. Organizações de lésbicas, gays e bissexuais foram convencidas a se transformarem em “LGBT”, pois era muito mais lucrativo, e convenceram políticos que o “T” era uma extensão do “LGB”, que “ser trans” era como ser “LGB”, que o “direito à identidade de gênero” seria tão válido quanto o à orientação sexual. Eles criaram uma novilíngua; assim, o reino começou a repetir que existiriam “homens de vagina” e “mulheres de pênis”, que “homens engravidavam” e que “mulheres trans” deveriam ter o direito de serem “reconhecidas” como “mães” – alguns destes indivíduos inclusive começaram a tomar hormônios sintéticos para simularem a “amamentação” de bebês, nomeando isso de “maternidade trans”. Chegou a um ponto em que inventaram até mesmo que existiriam “não-binários”, indivíduos nem homem e nem mulher (como se isso fosse possível). Ensinavam nas redes sociais a crianças e adolescentes que haveria “muitos gêneros”, que cada um poderia “escolher o seu gênero”. Convenceram muita gente a usar uma linguagem fantasiosa, que eles chamavam de “inclusiva”, com termos como “todes”, “amigues” e “menines”. Cafetões começaram a convencer rapazes gays pobres de que eles seriam “travestis ou mulheres trans” para explorá-los na prostituição, pois travestidos rendiam mais dinheiro que os rapazes comuns. Articulados junto a políticos, utilizavam abrigos que eles diziam ser “para LGBTs” como isca. Militantes de movimentos sociais temiam perder verbas e editais, já que as fundações internacionais que os financiavam começaram a financiar também as políticas de “identidade de gênero” e as instituições públicas haviam sido capturadas pelo lobby.

Mães e pais foram convencidos de que seus filhos também “seriam trans” baseados em suas preferências e comportamentos e imediatamente as escolas foram obrigadas a ensinar “gênero e diversidade” do ponto de vista transativista. Pedófilos comemoraram quando os médicos dos ambulatórios obtiveram o direito de manter os corpos de crianças e adolescentes em um padrão infantil através do uso de hormônios sintéticos bloqueadores de puberdade – naquele reino, a idade mínima para a prática de sexo era 14 anos, o que significava que eles poderiam agora se relacionar sexualmente com meninos e meninas que já tinham idade legal para consentir, mas cujos corpos eram do jeito que estes adultos queriam – magros, sem seios, pêlos, com vozes finas e genitais pequeninos.  Qualquer resistência era sufocada com acusações de “transfobia”. Transativistas e seus apoiadores denunciavam para empresas trabalhadores rebeldes, pressionando os estabelecimentos a demiti-los. É claro que quase todos os moradores achavam secretamente que aquilo tudo era uma loucura, mas se sentiam obrigados a fingir. Alguns também foram levados a se sentir ignorantes e atrasados ouvindo os charlatões “ensinando sobre gênero”. Eles falavam muito bem.

O tempo passou. Finalmente, o rei tomou coragem para fazer uma aparição para seus súditos como “Rainha Erika”. Ele escolheu o dia 8 de março, Dia da Mulher, e exigiu que a marcha de mulheres programada para esse dia fosse cancelada (as que reclamaram foram prontamente acusadas de não serem “inclusivas” e de “terem sangue trans nas mãos”). A população foi convidada para comparecer à principal praça do reino, que estava enfeitada com as cores da bandeira do arco-íris originalmente criada para os “LGB” e também com as da bandeira transativista: azul e rosa. Tocava uma banda.

E então o rei chegou numa enorme carruagem decorada com o símbolo “trans”, uma mistura dos símbolos de macho e fêmea:

Trans symbol by Jp on Dribbble

E desceu da carruagem, ajudado por seus lacaios. Utilizava uma espécie de túnica azul e rosa que exibia o peito nu e as pernas, sapatos de salto alto, cabelos longos e rosto maquiado.

A população olhava a cena constrangida. Alguns tinham pena de ver um adulto de seus 50 anos tão dissociado da realidade, outros mal escondiam a raiva por tudo que ele havia feito com o reino. Um pequeno número de homens de vestido começou a aplaudir, mal disfarçando a alegria de finalmente ter acesso aos banheiros, vestiários, provadores de loja e outros espaços privados que sempre quiseram invadir; algumas mulheres aplaudiam também a própria destruição. O rei vibrava; estava tão fascinado por si mesmo que nem percebeu que os aplausos eram em número insignificante diante do número de habitantes ali presentes.

Mas então o impensável aconteceu. Um menino que estava perto da carruagem, de mãos dadas com a mãe, gritou:

– O rei é um homem!

Há duas versões conflitantes sobre o que se sucedeu. Alguns dizem que o garoto foi linchado e, quase morto, foi levado a uma delegacia e indiciado por crime de “transfobia”. Que inclusive que o rei ganhou na Justiça uma indenização da família do menino, que ele destinou a uma organização “LGBT” que dizia “cuidar de crianças trans”. Mas há quem garanta que a sinceridade infantil “quebrou o feitiço”: o rei caiu em si, pediu perdão à população e expulsou do reino os charlatões e seus apoiadores. Numa coisa as versões concordam: as consequências da mentira perduraram por anos. “Por que vocês não me disseram a verdade?” perguntavam, às lágrimas, aqueles a quem na infância os pais haviam encaminhado a ambulatórios de “identidade de gênero”.

Então, caro leitor ou cara leitora. Chegamos ao final da história. E eu acho que você sabe que a sociedade de hoje é esse reino.

E espero que você, dentre todos esses personagens, seja aquela criança que ousa dizer a verdade.

 

(#pratodosverem: imagem de um homem nu com batom e sapatos vermelhos usando uma coroa amarela e cercado por círculos pequeninos que sugerem uma multidão. Autoria: Nelleke Verhoeff)