Mensagem para as nossas leitoras e leitores

Na Parte 1 desta série, explicamos a você o que são e como surgiram as políticas de “identidade de gênero” no mundo. Agora, é a vez de mostrar como elas foram impostas no Brasil – e, se você costuma acompanhar o que acontece em outros países, verá que foi muito semelhante ao aconteceu na Argentina, Chile, Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Austrália, Itália, Espanha, França…  Em nossas pesquisas e diálogos com pessoas de outros países, concluímos que foram praticamente os mesmos atores: organizações e ativistas da sigla “LGBTQIA+” (alguns financiados por fundações como Arcus Foundation e Open Society Foundation) e grupos pequenos mas influentes de médicos, psicólogos, acadêmicos e políticos.

Coincidentemente, este texto foi publicado no dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Nosso parabéns e nosso abraço às nossas queridas leitoras, que sei que apóiam realmente as meninas e mulheres e não estão celebrando a mutilação de seus corpos – incluindo os de garotas de apenas 13 anos. Esperamos que este artigo seja útil para que vocês consigam reverter estas políticas no nosso país.

Como as políticas de “identidade de gênero” foram impostas no Brasil?

As raízes das políticas de “identidade de gênero” no Brasil podem ser traçadas, de certa forma, a partir de 1979. Foi nesse ano que a Justiça brasileira inocentou um cirurgião, o dr. Roberto Farina, da acusação de lesionar um paciente com base no que, à época era chamado por nomenclaturas como “transtorno de identidade de gênero” e “transexualismo” (1). Sem saber, a Justiça legitimou a alegação de que existiria algo chamado “identidade de gênero”, que ela seria a fonte do sofrimento de alguns indivíduos com seus corpos (e não outras questões pessoais e sociais) e que esse sofrimento poderia ser “curado” com hormônios e cirurgias. Ainda que nossa campanha tenha um olhar crítico em relação a esse “tratamento” em todas as idades, é fato que, à época seria impensável oferecê-lo para crianças e adolescentes. Também era fato que tanto as modificações corporais quanto a posterior alteração de documentos configuravam mera ficção médico-legal e que antes desses procedimentos deveria haver um amplo gatekeeping, com investigações sobre os motivos subjacentes para o desconforto e diálogo sobre outras possibilidades para além da intervenção física.

Contudo, o decisivo ano de 2013 marcaria a publicação de três documentos que estão intimamente ligados entre si e operariam profundas modificações no país, com consequências extremamente graves e que estão sendo sentidas, literalmente, na pele dos nossos meninos e meninas. O primeiro foi a Portaria nº 2803/2013 do Ministério da Saúde. Ela consolidou o lucrativo — e, já à época, comprovadamente ineficaz — modelo de “tratamento” exportado pelo citado endocrinologista Harry Benjamin baseado na existência de “identidades de gênero”, obrigando o Estado a custear hormônios sintéticos e cirurgias para os pacientes com esse tipo de diagnóstico. Ainda que estivesse prevista a idade mínima de 18 anos para hormônios sintéticos e 21 para as cirurgias irreversíveis e uma avaliação profissional, estudos recentes dizem que o cérebro humano finaliza sua formação entre os 20 e os 25 anos, de modo que aos 21 a pessoa é ainda imatura demais para decidir por uma mudança tão drástica (2). Outro problema é que as históricas mazelas do país na área da saúde tornam pouco crível que o paciente teria um número mínimo de consultas com psicólogos e ou psiquiatras antes de se submeter a essas modificações. 

O segundo documento foi o Parecer nº 8/2013 do Conselho Federal de Medicina.  No mesmo ano em que o Ministério da Saúde estabelecia as idades mínimas retrocitadas, o CFM autorizou médicos brasileiros a fazerem modificações corporais em crianças e adolescentes abaixo dos 18 anos. Finalmente, o terceiro documento nesse ano foi um projeto que exigiu que esses hormônios e cirurgias fossem custeados a qualquer pessoa que se declare “trans” independente de qualquer triagem, terapia ou gatekeeping e novamente sem estabelecer idade mínima: o Projeto de Lei João Nery de Identidade de Gênero, protocolado pelos parlamentares Jean Wyllis (PSOL-RJ) e Erika Kokay (PT-DF). Este projeto de lei exigia também que, independente de diagnóstico, qualquer pessoa tenha o direito de impor sua “identidade de gênero” a outrem, evidenciando que a partir daí o prefixo “trans” não se refere mais ao “transexual” enquanto categoria médica. O projeto, assim como seus congêneres de outros países, basicamente repetiu a redação dos “Princípios de Yogyakarta” (3)

“Artigo 2º – Entende-se por identidade de gênero a vivência interna e individual do gênero tal como cada pessoa o sente, a qual pode corresponder ou não com o sexo atribuído após o nascimento, incluindo a vivência pessoal do corpo.

Parágrafo único: O exercício do direito à identidade de gênero pode envolver a modificação da aparência ou da função corporal através de meios farmacológicos, cirúrgicos ou de outra índole, desde que isso seja livremente escolhido, e outras expressões de gênero, inclusive vestimenta, modo de fala e maneirismos”.

Registre-se que antes desses documentos, no ano de 2011, já havia sido publicado o maior estudo realizado até então com pessoas que passaram pelo chamado “processo transexualizador”: foram monitorados 324 pacientes que passaram pelo “processo transexualizador” na Suécia ao longo de trinta anos, entre 1973 e 2003. A conclusão: “Pessoas com transexualismo, após redesignação sexual, têm riscos consideravelmente mais altos de mortalidade, comportamento suicida e morbidade psiquiátrica que a população em geral(4) (grifos nossos). Ou seja, essas políticas foram implementadas no Brasil quando esses resultados já eram, ou deveriam ser, de conhecimento da classe médica.

Embora arquivado em 2019, o PL João Nery serviu para sedimentar a partir daí a ideia de que “identidade de gênero” seria um “direito” a ser respeitado tanto quanto o direito à orientação sexual (novamente, a técnica da mimetização). Que deveria ser reconhecido urgentemente, sem maiores indagações, debates ou ressalvas, pois qualquer demora iria “matar pessoas trans” no “país que mais mata pessoas trans do mundo” – o que não é comprovado, é bom repetir (5). Assim, o “tratamento” começou a ser propagandeado transformado em pauta político-partidária por indivíduos e organizações, inclusive as que lucram com isso, como um “direito à saúde” de crianças, adolescentes e adultos, e o direito à “identidade de gênero” lhes deveria ser conferido com urgência e também a qualquer um que o exigisse, tivesse ou não passado por quaisquer consultas e tratamentos. Em 2018, o Conselho Federal de Psicologia publicou a Resolução nº 1/2018, que imporia penalidades aos profissionais que não “legitimassem” “identidades de gênero” e, em 2019, o Conselho Federal de Medicina assinaria a Resolução nº 2265/2019, que não só reiterou as práticas introduzidas pelo Parecer nº 8/2013 em menores abaixo dos 18 anos como também diminuiu de 21 para 18 a idade mínima para cirurgias irreversíveis. Da mesma forma como o Parecer de 2013, a Resolução assinada em 2019 e publicada em 2020 já foi posta em prática pelos médicos, que seguem as idades mínimas sugeridas pelo CFM e não as que constam da Portaria do Ministério da Saúde sobre essas práticas dentro do SUS (6). No início de 2021, foi protocolado mais um projeto de lei baseado em “identidade de gênero” por parlamentar do PSOL: o PL nº 9/21, proposto por Benny Briolly (PSOL-Niterói), que exige o uso de “nome social” (leia-se, nome do sexo oposto) por crianças e adolescentes.

Como leis baseadas em “identidade de gênero” são impopulares e dificilmente são aprovadas democraticamente pelos parlamentares eleitos pelo povo, o Judiciário foi utilizado diversas vezes; assim, em vez da discussão pública sobre os riscos da autodeclaração proposta no PL João Nery, como houve no Reino Unido (7), tivemos as decisões na ADI 4.275 e no RE 670422 (8), nas quais o Supremo Tribunal Federal declarou que qualquer indivíduo, quando quisesse, poderia mudar o nome e o “sexo” que constam em seus documentos, sem diagnóstico médico ou cirurgias. Legitimou, assim, a invenção no Brasil da categoria “transgênero”, composta por homens e mulheres que exigem ser reconhecidos como alguém do sexo oposto sem diagnóstico médico (diferentemente da categoria do “transexual” médico, que já podia mudar os documentos). Em vez de ouvirmos mulheres encarceradas sobre o que pensam sobre dividir as celas com homens biológicos, foi manejada a ADPF 527 (9). Em vez de ouvirmos as meninas e mulheres brasileiras sobre como se sentem dividindo banheiros com indivíduos biologicamente homens, tivemos a RE 845779 (e, mais recentemente, a Resolução nº 348/2020, do Conselho Nacional de Justiça (10). Em vez do debate público sobre o PL 7582/2014, que caso aprovado pode transformar a definição de homem e mulher baseada em sexo biológico num “crime de ódio e intolerância”, tivemos as ações ADO 26 e MI 4.733 (11), que conforme explicamos na Parte 1 desta série, dão margem para que o cidadão que profira definição seja processado por “crime de discriminação por identidade de gênero”. Em vez de conversarmos abertamente sobre os efeitos (leia-se condicionamento) sobre crianças e adolescentes da chamada “transição social”, membros do Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública estão permitindo a mudança legal dos documentos de menores de idade, pedida por pais que são diariamente massacrados com ameaças de que “se não aceitarem que seus filhos são trans eles irão se matar”. Finalmente, em vez de mães e pais decidirem sobre o ensino de “gênero” nas escolas junto às próprias escolas, professores e aos parlamentares democraticamente eleitos, temos a ADI 5668(12).

Registramos nosso respeito máximo ao Supremo Tribunal Federal e a todos os operadores do Direito, que temos certeza que atuaram e atuam movidos pelas mais altas razões humanitárias e por terem recebido apenas a visão unilateral das organizações “LGBTQIA+”. Mas algo tão delicado deveria mesmo ter passado pelo caminho mais longo dos projetos de lei. É especialmente preocupante o resultado das citadas ações ADO 26 e MI 4.733. A depender do julgamento dos embargos de declaração opostos pela AGU, qualquer cidadão que alerte sobre o resultado das políticas baseadas em “identidade de gênero” pode ser denunciado. Em 2019, por o Supremo Tribunal Federal ter supostamente criminalizando “a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero”, punindotodas as formas de homofobia e transfobia, especialmente (mas não exclusivamente) das ofensas (individuais e coletivas), dos homicídios, das agressões e discriminações motivadas pela orientação sexual e/ou identidade de gênero”, nos dizeres do parecer favorável do Excelentíssimo membro do MPF. Enquanto o Congresso não aprova lei própria, se está utilizando a Lei de Racismo, o que inclusive dá margem à interpretação de que as condutas tipificadas neste crime seriam imprescritíveis e inafiançáveis. Em mais um exemplo da técnica de mimetização, a criminalização da “transfobia” foi indevidamente acoplada à da homofobia, como se ambas fossem baseadas em materialidade e tivessem as mesmas consequências, o que simplesmente não é verdade. Exemplificando, um time feminino que impede a entrada de uma mulher lésbica (discriminação por orientação sexual — homofobia) ou uma mulher negra (discriminação por raça — racismo) está em uma situação totalmente diferente de um que impede a entrada de um homem biológico (discriminação por “identidade de gênero” — “transfobia”). Essa criminalização coloca em xeque, entre muitos outros direitos, o direito à liberdade de expressão de todos, que é basilar para um diálogo público acerca dessas políticas, inclusive sobre o ensino de “gênero” nas escolas, que está, conforme mostraremos adiante, umbilicalmente ligado ao foco da nossa campanha que é a hormonização dos corpos de crianças e adolescentes, uma prática experimental e com sérios efeitos colaterais.

Pontuamos, também, que recebemos apoio dos mais variados segmentos da sociedade e muitos relatos comprovam que o modus operandi realizado no Brasil foi similar ao ocorrido em outros países: quem apontou, ainda que da maneira mais delicada possível, as óbvias colisões com outros direitos há muito assegurados no ordenamento pátrio teve como resposta hostilidades verbais, exclusão de espaços políticos e acadêmicos, ameaças e até mesmo agressões. Na maioria das vezes, estes casos não foram a público, devido ao clima de medo reinante, que é justificado. Alguns indivíduos e organizações temem a repercussão sobre suas vidas pessoais e profissionais (sobretudo os acadêmicos e psicólogos), dependem de financiamentos e editais privados de fundações internacionais que foram e são responsáveis pela imposição dessas políticas, como a Open Society Foundation e ou não quiseram se indispor com os partidos que protagonizaram esse processo. Assim, estas políticas foram rapidamente implementadas formalmente ou informalmente, como no caso de restaurantes que transformaram os banheiros separados por sexo em unissex, eufemisticamente chamados de “gênero neutro”, “sem gênero” e “inclusivo”. Conclui-se que, também no Brasil, a exigência pelo reconhecimento ao direito à “identidade de gênero” nada tem em comum com as verdadeiras lutas por direitos.

(1)  “Em 6 de novembro de 1979 a 5ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, por votação majoritária, deu provimento ao apelo e absolveu o acusado. Eis a ementa: “Não age dolosamente o médico que, através de cirurgia, faz a ablação de órgãos genitais externos de transexual, procurando curá-lo ou reduzir seu sofrimento físico ou mental. Semelhante cirurgia não é vedada pela lei, nem pelo Código de Ética Médica”. Fonte: Psicologia: Teoria e Prática 2000, 2(2): 88-102: “Adequação de sexo do transexual: aspectos psicológicos, médicos e jurídicos [ https://www.mackenzie.br/fileadmin/OLD/47/Editora/Revista_Psicologia/Teoria_e_Pratica_Volume_2_-_Numero_2/art6.pdf ]. Acesso em 7.3.2021. Em relação ao título do artigo, deixamos claro que repudiamos expressões médicas como “adequação de sexo” e “readequação sexual”. O sexo biológico de um ser humano não é uma característica “inadequada” ou “adequada”, assim sua raça e etnia também não é; trata-se de uma característica normal e comum a praticamente todos os animais. Um indivíduo pode sentir que seu corpo seja inadequado por vários motivos, como no caso de pacientes com anorexia ou outros problemas psíquicos e ou psiquiátricos, mas esse sentimento não tem base alguma na realidade material e portanto não deveria ser estimulado.

(2) As novas pesquisas dos cientistas concluem: a adolescência vai até os 24 anos – Matéria do jornal Folha de São Paulo de 19.1.2018. Acesso em 7.3.2021

(3) O projeto de Lei João Nery, sobre o direito à “identidade de gênero”, pode ser visto no site da Câmara dos Deputados. Acesso em 7.3.2021

(4) Ao contrário do que médicos garantem, os estudos de longo prazo indicam resultados negativos depois do “processo transexualizador”: “Long-term follow-up of transsexual persons undergoing sex reassignment surgry: cohort study in Sweden” (DHEJNE e outros, Suécia, 2011). Acesso em 7.3.2021

(5) Conforme várias pessoas já haviam apontado ao longo dos anos, as estatísticas alardeadas pelo transativismo brasileiro não são confiáveis . Matéria do Jornal Gazeta do Povo publicada em 2.2.201. Acesso em 7.3.2021

(6) Notícia sobre cirurgias irreversíveis praticadas em pacientes de apenas 19 anos no Brasil.  Matéria da Revista Época de 13.2.2021. Acesso em 7.3.2021.

(7) O Reino Unido lançou uma consulta pública acerca do afrouxamento das regras do Gender Recognition Act,  que regulamenta a obtenção de “certificados de reconhecimento de gênero”. Após acirrados debates, decidiu-se que, por ora, a autodeclaração (self-Id) não seria o suficiente; a obtenção desses certificados continua restrita aos “transexuais” médicos [ https://questions-statements.parliament.uk/written-statements/detail/2020-09-22/hcws462 ].

(8) O STF decidiu que, com base no direito à “identidade de gênero”, qualquer um pode mudar o sexo nos documentos. Notícia publicada no site do STF em 15.8.2018. Acesso em 7.3.2021.

(9) O STF decidiu que homens podem cumprir pena em prisões para mulheres . Notícia publicada no site do STF em 26.6.2019. Acesso em 7.3.2021

(10) O Conselho Nacional de Justiça, em flagrante injustiça, retirou o direito de mulheres aos espaços separados por sexo em estabelecimentos prisionais e similares. Resolução nº 348, de 13/10/2020. Acesso em 7.3.2021

(11) STF considera crime discriminar alguém com base em sua autodeclarada “identidade de gênero” . O que pode dar errado? Notícia publicada no site ConJur em 13.6.2019. Acesso em 7.3.2021

(12) O PSOL, o mesmo partido responsável por diversos projetos de lei de “identidade de gênero”,  ajuizou uma ação para obrigar o ensino de “gênero” nas escolas. Notícia publicada no portal do STF em 22.3.2017. Acesso em 7.3.2021.